A ADENE – Agência para a Energia apresentou ontem, em Sessão Pública na Fundação Calouste Gulbenkian, os resultados do Estudo sobre a Aplicação da Tarifa Social de Energia em Portugal e da medida LIGAR – Eficiência Energética para Todos!.
A sessão de abertura contou com a presença da vice-presidente da ADENE, Maria João Coelho, e de Marlene Neves, chefe da Divisão de Mercados da Direção-Geral de Energia e Geologia. As suas intervenções enquadraram o evento e destacaram a relevância das políticas de promoção da eficiência energética e de combate à pobreza energética no Plano Nacional Integrado Energia e Clima (PNEC 2030), o principal instrumento de política energética e climática para a década 2021-2030, cuja versão preliminar foi apresentada pelo Governo em 28 de janeiro de 2019.
Após uma breve apresentação do Observatório da Energia por Manuel Casquiço, coordenador da Unidade de Informação da ADENE, as conclusões do Estudo sobre a Aplicação da Tarifa Social de Energia em Portugal foram apresentadas por Rita Martins, do Centro de Investigação em Economia e Gestão (CeBER), da Universidade de Coimbra.
Antes do debate que encerrou a sessão, Gorete Soares, coordenadora da Unidade Academia da ADENE, apresentou os resultados da medida LIGAR – Eficiência Energética para Todos!, uma iniciativa promovida pela ADENE e financiada no âmbito do Plano de Promoção da Eficiência no Consumo de Energia Elétrica (PPEC 2017-18) da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).
Estudo sobre a Aplicação da Tarifa Social de Energia
Em Portugal, a tarifa social de eletricidade foi criada em 2010 e a tarifa social de gás natural em 2011, com o intuito de reduzir os encargos energéticos dos consumidores domésticos, contribuindo para que o preço não seja fator de exclusão e servindo o propósito do acesso universal a serviços de qualidade a preços acessíveis.
Neste quadro, o primeiro estudo promovido pelo Observatório da Energia visa analisar a abrangência e a evolução da tarifa social de energia em Portugal, enfatizando o impacto da automaticidade no processo de atribuição e refletindo sobre a adequação e adaptação potencial das condições inerentes à sua aplicação.
O número de beneficiários de tarifa social na energia elétrica em Portugal era, no terceiro trimestre de 2018, de 812.680. No caso da tarifa social de gás natural, o número de beneficiários era superior a 35.543.
Quase uma década após a introdução desta medida no nosso país, de grande relevância no domínio da garantia do acesso universal aos serviços energéticos e cuja aplicação continua a justificar-se, o estudo desenvolvido procurou analisar os impactos da implementação da tarifa social nas vertentes económica, social e pobreza energética e refletir sobre possíveis ajustamentos, por forma a torná-la ainda mais eficaz.
Sobre o impacto da implementação da tarifa social nas vertentes económica e social, o estudo conclui que a tarifa social resulta na redução de 3-4 pontos percentuais do peso dos encargos com os serviços energéticos nos orçamentos das famílias, para níveis abaixo do patamar problemático dos 10%.
Contudo, o estudo refere que a tarifa social não está tão orientada para resolver problemas de pobreza energética como está para promover a universalidade e a acessibilidade aos serviços energéticos.
Com efeito, apesar da tarifa social permitir uma poupança que pode ser utilizada pelos beneficiários no aumento do consumo de energia, tal como está concebida, não se destina especificamente a diminuir a pobreza energética, dependendo esta de fatores muito relacionados com a qualidade do edificado.
Sobre o processo de atribuição e aplicação da tarifa social, o estudo conclui que a experiência de mais de dois anos de automaticidade na aplicação da tarifa social de energia, tem-se revelado eficaz, sendo residuais os casos de atribuição indevida do benefício.
No que se refere a outras ações nesta matéria, o estudo aponta para a pertinência da eventual adoção de políticas e medidas complementares, designadamente:
• a uniformização dos critérios de elegibilidade para acesso à tarifa social entre energia elétrica e gás natural, que se traduziria num aumento de beneficiários da tarifa social de gás natural. Em termos financeiros, esta uniformização de critérios, como referido, envolveria um impacto financeiro total de cerca de 9,5 milhões de euros;
• a isenção do pagamento da componente fixa da tarifa aos beneficiários de tarifa social de eletricidade com a menor potência contratada (1,15 kVA), com impactos centrados nos consumidores mais pobres que tendencialmente consomem menos energia;
• a extensão da tarifa social ao GPL em garrafa para consumidores domésticos, beneficiaria as franjas mais pobres da população, que residem essencialmente fora dos grandes aglomerados urbanos;
• a garantia do fornecimento de energia às famílias vulneráveis durante períodos sazonais críticos;
• a promoção de planos de reabilitação e de eficiência energética, com efeitos a médio e longo prazo, que tenderão a produzir efeitos na redução da pobreza energética.
Medida LIGAR – Eficiência Energética para Todos!
LIGAR – Eficiência Energética para Todos! é uma medida promovida pela ADENE, com a colaboração do Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade (CENSE) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, da Sair da Casca e da organização não-governamental CDI Portugal. A medida LIGAR é financiada pelo Plano de Promoção da Eficiência no Consumo de Energia Elétrica (PPEC 2017-18), aprovado pela Entidade Reguladora dos Sistemas Energéticos (ERSE).
A medida LIGAR visa implementar uma estratégia inclusiva de combate à pobreza energética e de melhoria da eficiência energética, através de ações de proximidade junto dos consumidores. Não existindo, ainda, uma definição oficial de pobreza energética em Portugal, definiu-se, para efeitos da medida, a pobreza energética como a “incapacidade de indivíduos ou famílias aquecerem ou arrefecerem as suas habitações”.
Neste pressuposto, foi realizado um mapeamento da pobreza energética de Portugal, à escala da freguesia, adotando-se uma metodologia que considera várias componentes, como o clima e as temperaturas, a localização e tipologia dos alojamentos, bem como fatores socioeconómicos dos agregados familiares, entre outros. Posteriormente, foi efetuada uma caraterização social das populações mais vulneráveis à condição de pobreza energética, para melhorar o conhecimento destes consumidores e suportar à definição de estratégias e metodologias de intervenção em iniciativas de combate à pobreza energética.
Foram identificadas 10 freguesias representativas do país, entre as que apresentam maiores índices de vulnerabilidade à pobreza energética ao aquecimento e/ou arrefecimento, de acordo com a definição e a metodologia adaptadas pela medida, num mapeamento que se pretendia ser representativo da realidade nacional.
Foram realizadas 100 entrevistas nas 10 freguesias selecionadas, de norte a sul do país, de natureza urbana e rural, e com dimensões populacionais distintas, de onde resulta que ainda existem muitos consumidores que não estão devidamente informados acerca da sua fatura de eletricidade, nomeadamente a potência contratada adequada e a falta de ajustamento entre o contrato de fornecimento de eletricidade e as práticas quotidianas do agregado familiar.
Por outro lado, é notável a falta de conforto nas suas habitações, quer na estação de aquecimento, quer de arrefecimento, devido às condições construtivas e ao estado de conservação das habitações, associado à utilização ineficiente de sistemas de climatização e, na maior parte dos casos, à sua não utilização devido aos custos associados. A grande maioria dos entrevistados colmata o frio através da colocação de mais uma manta, vestir mais um casaco, ou deitar-se mais cedo para não gastar energia. Há, assim, oportunidades de intervenção associadas ao maior conhecimento dos agregados familiares sobre a melhoria do conforto e a utilização mais eficiente da energia através da implementação de medidas comportamentais, de baixo investimento, ou de ações mais estruturadas e integradas que implicam maiores investimentos.
No âmbito da medida LIGAR, estão a ser capacitadas Brigadas da Energia nas 10 freguesias selecionadas com o objetivo de testar diferentes estratégias de atuação junto das famílias mais afetadas pela condição de pobreza energética. As Brigadas contam com o Manual Prático “Energia para Poupar”, desenvolvido para as apoiar na realização de ações de proximidade.
Uma das reflexões desta medida diz respeito à invisibilidade da pobreza energética. Na verdade, só muito recentemente começaram a ser desenvolvidas iniciativas em Portugal centradas nesta temática e no espaço público esta é uma realidade ainda largamente ignorada.