Rui Pedro Santos, membro da direção da AEPSA – Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente, defende que a gestão dos resíduos industriais deve fazer parte da solução e não do problema. Nesta primeira parte da entrevista que hoje publicamos, também divulgada na edição 84 da Ambiente Magazine, o responsável fala sobre o mercado de resíduos em Portugal.
Nos últimos meses os resíduos tornaram-se um assunto mediático em vários quadrantes. Inclusive a AEPSA tomou uma posição pública defendendo um “debate sério e sem demagogia sobre a gestão de resíduos industriais”. Começava por perguntar se entendem os motivos pela qual a gestão dos resíduos, de uma forma transversal, está a ser colocada em causa em Portugal?
Do ponto de vista da AEPSA, constata-se que o debate em torno da gestão de resíduos se reveste de uma ausência de conhecimento técnico, da importância do setor e dos operadores que atuam neste mercado. Infelizmente, proliferam bastantes notícias falsas, ou descontextualizadas, que estimulam movimentos populistas que não são objetivamente justificáveis. Esta polémica sobre a gestão dos resíduos industriais omite explicitamente o que significa para a atividade industrial a questão da recolha e tratamento deste tipo de resíduos. Num momento em que na União Europeia tanto se fala da re-industrialização da Europa, pensamos que deveríamos também pensar que a gestão dos resíduos industriais faz parte da solução e não do problema.
Consideram que há a necessidade de uma nova visão e política da gestão de resíduos em Portugal?
Consideramos que a visão e política da gestão de resíduos em Portugal necessita de uma revisão e de uma atualização à luz da experiência adquirida nos últimos 20 ano, do imperativo da economia circular, da transição energética, da digitalização e de uma sã concorrência. O mercado de gestão de resíduos encontra-se segmentado em dois mercados principais, o dos resíduos urbanos, de génese pública e fortemente apoiada com fundos comunitários, e o dos resíduos não urbanos (vulgo industriais) que opera num mercado concorrencial, dinâmico e sem qualquer apoio de fundos comunitários, situação esta que a AEPSA tem vindo a criticar.
Neste sentido, os planos de gestão de resíduos, os objetivos e as metas a atingir devem refletir o contexto em que estes dois mercados diferentes operam.
Quando defendem um “debate sério e sem demagogia”, que pilares/assuntos devem presidir a esse debate?
No âmbito das estratégias ambientais definidas para o País, a AEPSA considera que os aterros de resíduos industriais são instrumentos fundamentais para uma política ambiental sustentada e responsável, para a implementação e manutenção, de um sistema nacional eficiente de gestão de resíduos, e para a transição para uma economia circular. Aliás, foram já, no passado, soluções incontornáveis para permitir o encerramento das lixeiras em Portugal, há 20 anos, e voltaram a mostrar nesta fase de pandemia que são infraestruturas imprescindíveis para dar resposta ao enorme desafio da gestão de resíduos.
Os aterros são soluções tecnicamente adequadas e indispensáveis para o tratamento de resíduos industriais. Estas infraestruturas existem porque a deposição de resíduos tem que ser feita em instalações preparadas, com recursos tecnológicos e métodos apropriados, para assegurar a proteção do ambiente e da saúde pública.
Os aterros são equipamentos licenciados e regulados, de acordo com regras da União Europeia e legislação nacional, foram e são financiadas integralmente por capitais privados, sem quaisquer recursos a fundos comunitários e nacionais, e gerem-se pelas regras de livre e sã concorrência.
Os aterros de resíduos industriais são infraestruturas fiáveis e existem em todos os países com sistemas de tratamento maduros e evoluídos. Respeitam elevados e rigorosos requisitos técnicos ambientais de construção e exploração. Qualquer comparação de aterro com “lixeira” revela um total desconhecimento técnico que importa esclarecer e combater.
A inexistência deste tipo de soluções representaria um retrocesso ambiental de décadas. O abandono de resíduos em espaços que não estejam devidamente preparados tecnicamente para o efeito- como pedreiras e os ambíguos projetos de recuperação paisagística, os descampados, ou nos oceanos – consiste num atentado à saúde pública, à qualidade de vida das pessoas e aos recursos naturais do planeta, que já se encontram em níveis de pressão nunca antes registados.
Portugal precisa de um setor de resíduos robusto, maduro e capaz de enfrentar os enormes desafios com que hoje nos confrontamos; as novas metas da UE que terão que ser transpostas, já neste ano; o desafio de um modelo circular de negócios e a retoma da atividade pós pandemia. Por isso, o setor rejeita e combate uma política errática, assente em desinformação e apela a uma maior transparência, e a um amplo debate e consenso.
É necessário uma atualização da governance na área da gestão dos resíduos, que possa mitigar atritos entre autarquias, governo, população e privados?
Consideramos essencial que seja fomentada uma plataforma de informação e comunicação, assente no esclarecimento da população da importância do sector de gestão de resíduos, a sua importância para o ambiente, para a economia local e nacional, bem como o papel das entidades licenciadoras e fiscalizadoras em todo o ciclo de vida dos operadores de gestão de resíduos. Deverá ser clarificado que para mantermos uma sociedade saudável e dinâmica, que necessariamente produzirá resíduos de toda a natureza – desde inertes, perigosos e não perigosos – é essencial mantermos uma infraestrutura que assegure a respetiva recolha, reciclagem e tratamento, um sistema de licenciamento articulado e ágil, uma inspeção musculada e uma concorrência sã.
Os aterros, em concreto, foram, ao longo das últimas semanas, um dos focos de discussão. Qual a vossa visão sobre o debate levantado?
Este movimento recente de crítica aos aterros de resíduos não perigosos, não urbanos, é para nós algo incompreensível. As entidades licenciadas para esta atividade têm demonstrado cumprir todos requisitos legais das rigorosas normas definidas a nível nacional e internacional. Atualmente, prolifera um elevado nível de desinformação sobre o papel fundamental que os aterros de resíduos assumem para a normal atividade das empresas e da economia nacional, e esta questão deve ser claramente explicada e esclarecida, a todos os portugueses.
Aliás, na última audição na Comissão de Ambiente Energia e Ordenamento do Território em que foi ouvido o Presidente da APA, o mesmo afirmou que os aterros são infraestruturas indispensáveis, que, se não existissem, o problema ambiental e de saúde pública agravar-se-ia, nesta fase de pandemia.
De uma forma nacional quais consideram que devem ser as prioridades na gestão de resíduos em aterros? Que desafios se colocam nesta matéria?
Os aterros, enquanto infraestruturas que cumprem um conjunto rigoroso de requisitos técnicos e ambientais, têm de ser encarados com uma peça fundamental na gestão de resíduos. Apesar dos melhores esforços que se possam atingir com a recuperação e valorização de resíduos, restará uma fração residual que não terá outro destino que o aterro. Esta visão tem de ser encarada frontalmente e sem preconceitos como uma realidade incontornável, pelo que só conseguimos entender alguns movimentos que alertam a população para os aterros por motivos ideológicos e de agenda política.