A Inovação e sua importância para o setor dos resíduos foi algo que ficou bem frisado nesta Grande Entrevista, onde ficamos a conhecer aquelas que são as preocupações e as necessidades para que Portugal cumpra as “ambiciosas” metas de reciclagem da União Europeia. Partilhamos a segunda parte da conversa como Ana Isabel Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde (SPV).
Atualmente como avalia /define o setor dos resíduos em Portugal?
“Parece-nos que existe algum sentido de urgência em incentivar as pessoas a reciclar mais, o que passa por continuar com estratégias de sensibilização, mas também por uma maior transparência no custo de reciclagem e no aumento do nível de serviço aos cidadãos e empresas. É preciso melhorar a localização dos ecopontos, otimizar a rede de recolha e encontrar novas formas de descartar e recolher os resíduos de embalagens, tratar melhor os materiais, obter matérias-primas secundárias que possam ser valorizadas no mercado e voltar a entrar no circuito da produção. Este tem de ser o caminho. Existem metas vinculativas a nível nacional e europeu e, portanto, há que fazer mais e melhor”.
Neste momento só há um fluxo de resíduos que cumpre a meta, que é na área das embalagens. A exceção é o vidro e, por isso, merece uma particular atenção.
“Para ser possível aumentar rapidamente a taxa de recolha deste material, já que existem objetivos bastante ambiciosos para Portugal (chegar aos 75% até 2025, sendo que atualmente é de 56%) está a ser feito um grande investimento por parte da SPV e dos parceiros do setor vidreiro. Sabendo-se que o maior desafio vem do vidro que é consumido fora de casa, torna-se necessário modernizar a infraestrutura e é neste campo que a SPV está a atuar, em conjunto com a Associação dos Industriais de Vidro de Embalagem. Lançámos recentemente o projeto Mais Vidro, Mais Reciclagem, especificamente dirigido ao canal HORECA, e que inclui a instalação de 270 vidrões com baldeamento assistido e a entrega de contentores especiais a 1500 estabelecimentos para facilitar a deposição de embalagens de vidro. Acrescento a necessidade de continuar a trabalhar a inovação e a digitalização do setor, fundamentais para concretizar os desafios que referi quanto ao sistema de reciclagem e na relação com o cidadão. Desde pedir a recolha dos resíduos, correspondendo a uma “uberização” num sistema porta a porta ou os sistemas PAYT (pay as you throw), ao desenvolvimento de embalagens cada vez mais sustentáveis, ao uso mais eficiente dos próprios materiais de embalagem em todo o seu ciclo de vida e à criação de um BI da embalagem, existe uma multiplicidade de opções que se traduziriam em mais-valias. Igualmente a otimização do próprio fluxo do atual sistema de gestão de resíduos urbanos, suportados pela tecnologia, a internet of things, a inteligência artificial e a servitização dos sistemas pode trazer muitos ganhos. O relatório já referido do Tribunal de Contas dá excelentes contributos sobre como se pode melhorar o sistema de gestão de resíduos em Portugal”.
Como avalia a legislação do setor? É uma legislação que permite a evolução do setor?
“Na nossa perspetiva, o quadro de atuação das empresas devia estar muito mais estabilizado e orientado para um compliance ambiental justo do ponto de vista económico. Consideramos que a política pública para o setor do ambiente deve ter objetivos claros e mais transparentes, nomeadamente no que respeita aos instrumentos jurídicos. Estamos no momento de discussão do próximo PERSU – Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos e as políticas públicas que se vão materializar, nesse e noutros instrumentos, a par do ciclo de financiamento que o país vai ter através de vários programas financiados com fundos europeus, entre os quais se inclui o Plano de Recuperação e Resiliência, são oportunidades únicas para se investir nos setores dos resíduos e da reciclagem”.
Quando se fala em futuro, quais são as previsões da Sociedade Ponto Verde em relação a este setor?
“Avaliando aquelas que são as ambiciosas metas de reciclagem da União Europeia, e para Portugal as conseguir cumprir, a SPV defende a revisão do modelo de financiamento do sistema de gestão de resíduos urbanos. Sendo este um caminho exigente, até porque as metas vinculativas não dizem apenas respeito ao setor das embalagens, torna-se fundamental que se encontrem novas formas de colaborar e de atuar neste domínio. Nesse sentido, no nosso entendimento, é fundamental existir uma verdadeira agenda para a reindustrialização verde da nossa economia e aproveitar todas as potencialidades que o desenvolvimento tecnológico proporciona para se criarem novas soluções, serviços e modelos de negócio mais verdes e inclusivos que ajudem a impulsionar a mudança no setor. Tal como afirmado na iniciativa da SPV sobre a embalagem do futuro, é necessário investir no processo de rastreabilidade “embalagem a embalagem” para existirem informações detalhadas referentes ao seu ciclo de vida. Existe uma igual importância em reforçar a entrega de um melhor nível de serviço ao consumidor, apostando na otimização da gestão da rede nacional de ecopontos e infraestrutura de suporte, incentivando-o, pela educação ambiental, a adotar as melhores práticas de reciclagem”.
Esta é a primeira parte da grande entrevista que foi incluída na edição 93 da Ambiente Magazine.
📸 Raque Wise