“A economia circular não pode ser um setor ou um produto de nicho”, atenta Inês Costa

“Para que alcancemos os objetivos do Acordo de Paris, temos que reduzir a extração, o consumo de matérias-primas e de energia e conciliar o nosso modelo de desenvolvimento de bem-estar com prosperidade para todos, dentro dos limites do nosso planeta. E, para isso, é necessário trabalhar o modelo de desenvolvimento justo, descarbonizado e circular”. Esta foi uma das lições que Inês dos Santos Costa, secretária de Estado do Ambiente, quis partilhar no painel “Economia Circular e Meio Ambiente”, incluído no evento “WATER World Forum For Life“.

Trabalhar esse modelo é, segundo a secretária de Estado do Ambiente, um desafio muito maior do que um outro qualquer, seja esse desafio tecnológico, económico ou político: “É um desafio dos nossos valores pessoais, mas também sobre o modo como valorizamos os recursos e os sistemas naturais. Para a mesma pessoa, uma garrafa de água no deserto vale muito mais do que uma garrafa de água na prateleira do supermercado”, exemplifica. Assim, “as condições e o contexto que nos rodeiam intervêm diretamente no valor que nós atribuímos a determinado recurso, produto ou serviço”, , constatando que “a economia circular não é uma outra forma de dizer reciclagem: isso é muito redutor”. Para Inês Costa, “reduzir, reutilizar e regenerar são, de facto, verbos essenciais se queremos reduzir emissões”.

Olhando aos princípios da economia circular, a secretária de Estado do Ambiente destaca a necessidade de se abordar as “mudanças necessárias na arquitetura social e na economia para se gerir de modo diferente, eficaz e suficiente” os recuos no longo-prazo: “É dessa forma que vamos reduzir os resíduos, a poluição, a degradação dos serviços ambientais e promover a regeneração”. E estes são princípios que devem ser “aplicados ao longo de todo o ciclo de vida do produto”, sustenta. Aos líderes governamentais, cabe assim a responsabilidade de “desenhar os instrumentos de política pública” que apontem para objetivos muito claros e “que abordem o que nós não queremos e o que queremos evitar: mais emissões, subsídios aos combustíveis fósseis, poluição e perda de biodiversidade”. Por isso, as políticas públicas devem ser desenhadas com objetivos que incentivem “emprego e serviços essenciais de ambiente e qualidade” e, também, que dêem espaço às “soluções inovadoras”, baseadas em “tecnologias que trazem novas formas conceber, produzir e consumir e gerir estes recursos”, bem como “novas formas de pensar e permitir que possam emergir e ir ao encontro dos objetivos”, destaca.

No que diz respeito à água, Inês Costa acredita que é dos recursos mais circulares que existe na Terra: “Transforma-se uma e outra vez em ciclos e regenera-se continuamente sobre diferentes formas”. A isto acresce o facto de ser uma “parte fundamental” do bem-estar da sociedade. “Mas o seu excessivo uso e a sua poluição também impõem um teto ecológico que ameaça a nossa sobrevivência”, alerta. Tal como qualquer outro recurso ao “serviço ambiental” que é “finito” e que cuja “procura está aumentar e a oferta a diminuir”, a secretária de Estado do Ambiente atenta na necessidade de se pensar na água, na sua utilização e na sua gestão sobre um modelo de economia circular, defendendo uma abordagem sistémica; “Pensar em sistemas significa que devemos pensar de modo holístico sobre as redes de água municipais e industriais, o cadastro, a digitalização ou os regulamentos de descarga e não nos limitar àquilo que é mais óbvio na gestão desta infraestruturas”. Assim, pensar em economia circular da água é muito mais do que pode ser abrangido com um plano estratégico, como seja o PENSAARP 2030: “Temos que impulsionar projetos e ajustamentos legais e legislativos para reutilizar água tratada, desenvolver biorrefinarias integrando as estações de tratamentos de águas residuais e trazer novos materiais regenerativos”, ou seja, “a economia circular não pode ser um setor ou um produto de nicho: tem que ser de facto uma disrupção e uma transformação radical a todos os níveis”, defende.

Centrando-se nos desafios sem precedentes que a pandemia da Covid-19 trouxe, nomeadamente, os milhões de máscaras, luvas ou embalagens de take-away, Inês Costa é perentória: “Não há vacina para o colapso do clima. Não há vacina contra a perda de biodiversidade. Não há vacina contra escassez de recursos. E não há vacina contra os danos ambientais humanos”. Por isso, é fundamental, “sermos ambiciosos” ao “olhar e andar em frente”, colocando o “bem-estar das pessoas no centro da decisão”, abordando, também, as “desigualdade do emprego e da pobreza: (…) devemos fazer o uso de instrumentos políticos que ajudam modelar esse contexto que é preciso para gerir melhor”. E aqui, “não basta premiar o verde e deixar o cinzento estar: é preciso penalizar”, alerta. Inês Costa quis deixar claro a importância dos Governos olharem para lá da regulamentação: “Devem estender a mão, envolver-se com todas as partes interessadas quer dentro, quer fora de portas das suas áreas governativas”.

Em suma, o objetivo de uma economia circular dá, de facto, uma oportunidade para se construirem “pontes verdes” para o pós pandemia e para fora de um desenvolvimento económico que esgota recursos, ao invés de lutar pela sua preservação: “Temos de deixar que estas pontes sejam construídas sem taludes cinzentos”, defende.

Durante três dias (3 a 6 de junho), o Centro Náutico de Monsaraz recebeu o “WATER World Forum For Life”, o maior evento dedicado à Água e à Sustentabilidade.