Esta é a última parte da entrevista que a Ambiente Magazine realizou a Rui Pedro Santos, membro da direção da AEPSA – Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente. O responsável aborda aqui algumas questões relacionadas com a atual pandemia da Covid-19.
Que indicadores nos podem dar sobre a recolha de resíduos durante o ano em curso? De que forma a pandemia Covid-19 e o confinamento alteraram ou podem ter alterado a gestão nesta área?
Neste momento, a AEPSA ainda não dispõe destes indicadores, sendo certo que alguns associados já comentaram a quebra da produção de resíduos não urbanos, nomeadamente industriais, derivado de situações de paragem ou redução da atividade desse setor, bem como do setor dos serviços, nomeadamente grandes produtores como centros comerciais. Porém estes dados não estão ainda consolidados pelas entidades oficiais, pelo que não nos é possível uma resposta clara e com números precisos. Esta informação ainda não está consolidada para que seja possível uma análise séria e concreta do impacto da pandemia. Covid-19.
Que novos desafios foram levantados pela pandemia Covid-19 para o futuro da gestão dos resíduos?
Apesar de ainda ser cedo para se apurar o reflexo da pandemia COVID-19 no setor, não podemos deixar de encarar este cenário e os desafios que nos colocou como um modo de olharmos para o futuro de uma forma mais objetiva e pragmática, colocando em cima da mesa para discussão as melhores e mais eficazes formas de assegurar a saúde pública e o ambiente, através da rede de tratamento de resíduos existente. Não obstante, este novo cenário merece uma reflexão séria e profunda, a qual conta desde já com a disponibilidade da AEPSA e com o conhecimento especializado dos seus associados para apresentar os melhores contributos para o setor.
A COVID levantou, desde logo, questões de gestão de resíduos e de regulação de uma situação excecional. Aliás, a APA, a Autoridade Nacional em matéria de resíduos e a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) emitiram orientações relativas à gestão de resíduos face à atual situação de pandemia. Estas orientações visam “garantir a proteção da saúde pública, dos trabalhadores e prevenir a disseminação da doença, compatibilizando-a com a necessidade de uma gestão eficaz e eficiente dos resíduos”. A AEPSA fez diversas propostas junto da DGS e da APA no sentido de poder melhorar aquelas orientações e dar resposta a alguns problemas suscitados especificamente no setor dos resíduos, nos seus trabalhadores e nas suas famílias.
A AEPSA e os seus associados têm manifestado, desde o início da atual pandemia, uma particular atenção às suas implicações no setor da água e dos resíduos, no sentido de assegurar a boa gestão dos serviços, a segurança dos trabalhadores e a proteção da saúde pública.
De facto, a AEPSA tem estado atenta a toda esta situação, suscitando as suas questões e inquietações junto das várias entidades competentes na matéria, nomeadamente através de contactos com a DGS, com a APA e com o Ministério, no sentido de saber quais os procedimentos de prevenção, controlo e vigilância em empresas nomeadamente os aplicáveis aos setores da água e dos resíduos. As diversas diligências que tivemos oportunidade de fazer, são bem reveladoras da nossa especial preocupação e atenção à prestação de Serviços essenciais às populações.
“Portugal precisa de um setor de resíduos robusto, maduro e capaz de enfrentar os enormes desafios com que hoje nos confrontamos”. Como se pode conseguir um setor mais robusto, quais os maiores desafios que consideram que se colocam no horizonte?
Consideramos que qualquer setor, para que seja robusto, carece de um quadro regulatório perfeitamente definido, claro e que demonstre estabilidade a médio e longo prazo. O passado da gestão de resíduos urbanos, que já conta com quatro planos estratégicos, PERSU, PERSU II, PERSU 2020 e agora o PERSU 2020+, permite concluir que não podemos andar de plano em plano sem que se verifique o cumprimento dos objetivos traçados e a análise séria das causas para esse incumprimento. No setor não urbano, onde se inserem os associados da AEPSA, consideramos fundamental assegurar três pilares fundamentais para cativar a iniciativa privada: 1º um quadro legal estável e perfeitamente definido a médio e longo prazo, 2.º o apoio de fundos estruturais que permitam apoiar o investimento que o setor necessita para garantir o cumprimento dos desígnios e metas ambientais exigentes que se avizinham, e 3.º um quadro regulatório que permita um licenciamento célere e eficaz, bem como uma fiscalização transversal e robusta que evite free riders e operações que se estabeleçam à margem dos requisitos ambientais me vigor.
Neste momento está em fase de elaboração o PERSU 2030 baseado numa visão não de gestão de resíduos mas de gestão de materiais. A COVID mudou – sem precedentes – a nossa visão sobre a gestão dos resíduos. O setor espera que o programa de recuperação europeu Pós COVID, que está a ser negociado entre a Comissão e o Conselho, responda a estes novos desafios e dê oportunidades ao setor dos resíduos de se expandir, de crescer, num ambiente de sã concorrência e de regras claras e de estabilidade negocial.
Consideram necessário haver um estudo sobre a realidade dos resíduos em Portugal? A informação disponível sobre os resíduos em Portugal é na vossa opinião satisfatória?
Consideramos que a informação disponível sobre o estado da gestão de resíduos urbanos é satisfatória e conseguimos saber à data de hoje quais as quantidades geridas pelos sistemas de tratamento de RSU e quais os destinos dos mesmos. Já no caso dos resíduos não urbanos a informação é limitada e pouco atualizada e não nos permite apurar com rigor quais as quantidades totais geridas pelo sector, quais os destinos dos mesmos, o que seria útil e interessante para efetuar benchmarking entre sectores e apurar a competitividade do setor, e de toda a sua cadeia de valor.
Que comentários lhes sugere a TGR – Taxa Geral de Resíduos e as metas previstas atingir ao nível da recolha, tratamento e valorização de resíduos que o país tinha como objetivo?
A AEPSA não compreende que o Governo decida duplicar o valor da TGR ainda neste ano de 2020, num momento de forte pressão da atividade económica, sabendo que um aumento de 100% desta taxa terá implicações diretas quer no agravamento de custos para a atividade das empresas, quer para os consumidores. O aumento da TGR, depois das vicissitudes do OE, foi de novo anunciado o seu aumento para Julho deste ano e em Setembro será alterado o DL quadro da gestão dos resíduos. Não compreendemos por que a TGR não é revista de uma forma integrada quanto ao seu valor, aos seus objetivos, aos fundos financeiros que a suportam, e as entidades beneficiárias. Não percebemos uma orientação parcelar que nada abona a favor dos objetivos para os quais a TGR foi criada.
Primeiro, no setor doméstico, implicaria uma subida de cerca de 4 a 5% na fatura da água – que agrega os serviços de água, saneamento e resíduos – o que no atual cenário de dificuldade das famílias, com reduções e isenções de norte a sul do país, por força da pandemia, será difícil de justificar e sustentar.
Segundo, no setor industrial, representaria um agravamento dos custos de tratamento de resíduos na ordem de 15 a 20%, o que neste contexto de pandemia, representaria um agravamento insustentável para a competitividade da indústria. Seria, sem dúvida, mais um elemento catalisador da asfixia financeira das empresas.
Por outro lado, e a título de exemplo, um aumento da taxa, por si só, pode desincentivar a reciclagem do plástico- tornando mais caro o seu envio para centros de triagem, torna-o mais barato para queima – com o consequente impacto na emissão de CO2 para a atmosfera.
A AEPSA tem vindo a solicitar à tutela que estudos determinaram este aumento exponencial de valor da taxa de gestão de resíduos e a recordar que a TGR foi criada para ser um instrumento de melhoria do comportamento dos operadores económicos e consumidores finais, promovendo a redução da produção de resíduos e a sua gestão eficiente. Para atingir estes objetivos, esta taxa tem de estar articulada com planos, políticas e incentivos claros para a adaptação e melhoria da sustentabilidade dos agentes económicos e da sustentabilidade ambiental, tanto mais que, de acordo com a lei, a taxa de gestão de resíduos deve ser objeto de aumento gradual e parece-nos que esta premissa não está a ser acautelada.
Que prioridades consideram que o Ministério do Ambiente e da Ação Climática deve colocar em cima da mesa relativamente à gestão dos resíduos?
Abordamos o setor de gestão de resíduos não urbanos, o qual a AEPSA representa pelo seu grupo de associados que operam neste sector, apontando as seguintes prioridades:
1) Revisão do Plano Estratégico de Gestão de Resíduos Industriais, com ampla participação do setor e com objetivos e apoios claramente definidos;
2) Implementação de mecanismos de apoio financeiro ao sector não urbano, aplicando o mesmo princípio que tem regido o setor urbano nos últimos 20 anos, com forte investimento de fundos estruturais europeus;
3) Revisão do quadro legal respeitante aos mecanismos de licenciamento, permitindo um procedimento célere, claro e com critérios idênticos em todo o território nacional;
4) Revisão do quadro legal respeitante à TGR, dissociando o setor urbano do não urbano, uma vez que este último opera num mercado de iniciativa e investimento privado e sem apoio a fundos comunitários que apoiam o investimento;
5) Por último, uma política de comunicação forte e esclarecedora, que permita esclarecer a população da importância do setor de tratamento de resíduos, quer sejam urbanos ou não urbanos, perigosos ou não perigosos.