O Acordo de Paris entrou em vigor com a proposta de impedir que a temperatura da Terra aumentasse em mais de 2 °C relativamente aos níveis pré-industriais. Uma meta mais ousada foi definida com um aumento não superior a 1,5 °C, permitindo assim travar mais rápido as alterações climáticas.
A temperatura aumentou significativamente nas últimas décadas, influenciando diversos fenómenos num processo em cadeia. O setor da água é aquele que mais tem sido afetado pelas alterações climáticas, para Pedro Matos Soares, investigador na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, desencadeando uma série de impactos que põem em causa a sustentabilidade do próprio planeta.
“Nos últimos 70 anos estamos a ter um aumento vertiginoso da temperatura, a um ritmo muito crescente”, afirmou Pedro Matos Soares, numa apresentação realizada esta quinta-feira, na Conferência Systemic.
Reconhecendo que “a temperatura média não só está a subir” como “está a subir continuamente”, o investigador da Faculdade de Ciências disse que “o futuro do clima depende de todos nós”. “E vai depender exatamente das nossas atividades”, complementou.
“Se nos não percebermos que temos diferentes trajetórias de emissões conforme a nossa capacidade de mitigar essas mesmas emissões, não estamos a perceber a questão das alterações climáticas”, sustentou Pedro Matos Soares.
Depois afirmou que essas “trajetórias de emissões para o futuro são eminentemente societais, políticas”. Apresentou três níveis de mitigação das emissões de gases com efeito de estufa que preveem diferentes cenários para o século XXI, dependendo do grau de atuação da sociedade.
O primeiro “está mais ou menos alinhado com o Acordo de Paris, em que temos uma mitigação das emissões muito substancial”, explicou o investigador. “Depois, temos um cenário intermédio, em que temos ainda um crescimento neutro das emissões até 2050, seguido de um decréscimo. E, por fim, os ‘worst case scenarios’, em que temos o maior crescimento das emissões”, terminou.
Pedro Matos Soares alertou para o facto de que, embora os valores apresentados, e as metas definidas no Acordo de Paris, apontem para uma subida média da temperatura, a verdade é que essa temperatura não se reflete a nível regional. Há zonas do globo onde as temperaturas vão subir acima da média global.
Resultado disso é a condição da água disponível no planeta e, neste caso, o cientista deu o exemplo das projeções de precipitação para a bacia do Mediterrâneo, onde se prevê um decréscimo de precipitação, para 2050, em 20%.
“O número de ondas de calor escala de uma forma forte (…)Até ao final do século, multiplica-se por dez ou 11 vezes”
Fazendo Portugal parte da região mediterrânica, os impactos são e serão sentidos de forma idêntica dentro das previsões que o orador apontou. Numa curta análise mais fechada, Pedro Matos Soares destacou três resultados da última revisão que foi feita para o cenário nacional, ao nível das alterações climáticas.
Sobre o primeiro – a subida da temperatura – o investigador afirmou: “se nós conseguíssemos cumprir com Paris, a meio do século, teríamos aumentos de temperatura de 1,5 °C”. Não obstante, contrapôs que, “num cenário mais gravoso”, a temperatura do país será multiplicada em três vezes, com aumentos na ordem dos 4,5 °C.
Por outro lado, olhando para a questão da precipitação, há também uma diferença entre uma projeção em que os objetivos são cumpridos e outra em que não o são. Mitigando os impactos, “temos mais ou menos 0% de alterações; temos zonas em que temos aumentos e diminuições de precipitação estatisticamente pouco robustas”, explicou o investigador. “Mas, num cenário pior, temos perdas de precipitação de 25%. No sul, são 35%”, opôs.
Outro dos resultados é o desenvolvimento de ondas de calor, um fenómeno “pernicioso”, segundo Pedro Matos Soares, devido aos efeitos que provoca nas populações mais vulneráveis. Sem medidas definidas no combate às alterações climáticas, “o número de ondas de calor escala de uma forma forte”, explica o investigador. “Até ao final do século, multiplica-se por dez ou 11 vezes”, precisa.
Por fim, a seca é uma preocupação evidente. Pedro Matos Soares reforçou que cada vez mais há défices extremos de água no solo. “Isso quer dizer que a floresta, a agricultura, o armazenamento de água estão comprometidos pelo défice de precipitação e provavelmente pela evaporação devida ao aquecimento”, indicou.
“A água é a maior e mais relevante ameaça, porque se liga com os outros aspetos
O instigador disse que “o clima semiárido poderá vir a alastrar-se pelo nosso país”, mostrando que, na metade de século, as zonas do país afetadas por este problema poderão ser três vezes mais do que aquelas que o são atualmente. Para o final de século, a projeção pessimista aponta para que dois terços do território se encontrem nestas condições.
Foi com base nestes resultados, e de acordo com os dados que apresentou durante a sua intervenção, que Pedro Matos Soares concluiu: “A água é a maior e mais relevante ameaça, porque se liga com os outros aspetos”. Esta interligação permite que, no futuro, possa haver, segundo o investigador, secas mais frequentes, ondas de calor mais frequentes, e, especificamente em Portugal, mais riscos associados aos incêndios.
Por: Redação da Ambiente Magazine, na Conferência Systemic.