Está em marcha um projeto que visa aumentar a resiliência do ecossistema de montado e da vinha: chama-se BioMontado e é uma iniciativa que junta as Herdades de Coelheiros e do Mouchão, a Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA) e a Universidade de Évora, com o objetivo de implementar áreas-piloto com boas práticas agrícolas e de recuperação ecológica. Em entrevista à Ambiente Magazine, João Barroso, coordenador do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo (PSVA), e Carla Pinto Cruz, botânica e professora associada da Universidade de Évora e investigadora do MED – Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento, falam das ações que estão previstas e da importância do projeto para a sobrevivência do setor vitivinícola.
Dividido em quatro vertentes – “Conservação e incremento da qualidade e funcionalidade do solo; Melhoria do estado de conservação e restauro de habitats naturais; Promoção da conectividade na matriz do Montado em mosaico com a Vinha; e Capacitação e disseminação de conhecimento” – este projeto reveste-se de grande importância, visto que “promove um conjunto de práticas que potencia um mecanismo imprescindível a qualquer sistema agrícola para a adaptação às alterações climáticas, a sua resiliência”, afirma João Barroso. E mesmo que o setor do vinho não seja um “grande emissor de gases de efeito de estufa, representando aproximadamente 0,3% das emissões mundiais”, o investigador relembra que é uma das atividades económicas que “mais rapidamente sente o efeito das alterações climáticas”, uma vez que “o ciclo fenológico da planta é muito sensível a qualquer variação climática, seja nas ondas de calor, na interrupção do ciclo da água ou no antecipar gradual das datas de início de vindima”. Desta forma, o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo defende que as práticas promovidas no projeto BioMontado sejam “disseminadas e implementadas ao máximo” em regiões com características similares às do Alentejo, “onde este setor não é apenas de suma importância socioeconómica, como o é igualmente nas zonas da Europa mais expostas à mudança climática”.
Carla Pinto Cruz acrescenta ainda que a “promoção de sebes diversas e micro-habitats de flora e, consequentemente, de fauna nativa” promovem um “equilíbrio ecológico que aumenta a resiliência, neste caso, das agroecossistemas do montado e da vinha”.
Os solos são “peça-chave” para garantir a sustentabilidade da agricultura e a produção de alimentos a longo prazo
Na recuperação dos solos, linhas de água e habitats, o projeto BioMontado tem em marcha ações mais direcionadas à conservação do solo, ou seja, à promoção da sua fertilidade e funcionalidade, recorrendo ao uso de diversas técnicas, como a “sementeira direta, a aplicação de mulching (cobertura da superfície do solo com restos vegetais) e a de biochar (subproduto agrícola resultante da pirólise de biomassa – resíduos vegetais)”, explica a investigadora. Também na área da vinha, estão a ser recuperadas “margens de pequenos cursos de água, ou linhas de escorrência, com recurso a técnicas de engenharia natural” e ainda a ser “plantadas sebes biodiversas multiestratificadas”, com vista a “reduzir a erosão do solo e a promover soluções de conectividade na paisagem”, refere. De acordo com Carla Pinto Cruz, as espécies usadas são todas autóctones e propagadas por sementes recolhidas a nível local ou regional, respeitando assim o património genético: “A seleção das plantas para as sebes teve em conta as espécies que contribuem para a entomofauna auxiliar ao combate de pragas na vinha”. Simultaneamente, estão a ser criadas “pequenas manchas de habitats naturais, inseridas na matriz do montado”, que, não comprometendo a viabilidade económica do sistema, são um “importante contributo para incrementar a biodiversidade, constituindo zonas de reprodução, refúgio e alimentação para aves, mamíferos, repteis e anfíbios”, sucinta.
Questionada sobre a importância da regeneração dos solos, a especialistas atenta que são “peça-chave” para garantir a sustentabilidade da agricultura e a produção de alimentos a longo prazo: “Para a produção agrícola e florestal, é crucial manter e melhorar a sua fertilidade”. Tão importante é “promover a funcionalidade e diversidade do microbioma do solo (bactérias e fungos)”, de forma a “assegurar a existência dos nutrientes necessários às plantas” e a sua “disponibilidade para as plantas poderem crescer de forma saudável”. Em termos de estrutura a conservação dos solos e do seu coberto vegetal é muito importante para “reduzir as taxas de erosão, protegendo a camada mais fértil do solo”, e também para o “aumento da capacidade de retenção de água, tão essencial neste cenário de agravamento das alterações climáticas”, sustenta.
A partir de setembro dar-se-á início a uma fase muito intensiva de plantações
Ao nível de ações já implementadas no âmbito do projeto, a investigadora destaca que a primeira etapa foi a colheita de sementes e a propagação das plantas: “As ações que visam a conservação do solo já foram implementadas e foram iniciadas algumas plantações, que, entretanto, suspendemos e adiamos para este outono, face às condições de seca que se fazem sentir”. Já se iniciou também o “ciclo de workshops”, começando pelo tema da Agricultura Regenerativa, que decorreu no passado dia 12 de maio.
Para o curto prazo, está prevista a realização de “intervenções de caráter físico nos cursos de água, para regularização e estabilização dos declives das margens”, algo que será feito com “recurso a diversas técnicas de engenharia natural, tais como a estacaria viva, a bio rolo, a grade viva e o uso de manta orgânica”, adianta Carla Pinto Cruz, acrescentando que o website do projeto também já está em construção, onde estão a ser desenvolvidos “conteúdos para um guia de boas práticas”. Até ao final do projeto, de acordo com a responsável, vão decorrer mais dois workshops: “um sobre restauro de galerias ripícolas, que se realiza já no próximo mês de junho, e outro sobre a propagação de espécies autóctones, que decorrerá em outubro”. Já a partir de setembro, dar-se-á início a uma “fase muito intensiva de plantações”, precisa.
Com o Projeto BioMontado, João Barroso reitera que o grande foco é “sensibilizar”, em particular, o setor vitivinícola e, em geral, o setor primário: “Sem estratégias de adaptação de base natural, será muito complicado, para não dizer impossível, que haja uma adaptação bem sucedida por parte da agricultura que hoje se pratica ao clima que se espera para o nosso País até ao final do século XXI”.
Apesar do projeto decorrer até ao final de dezembro de 2023, as ações implementadas vão persistir e a Universidade de Évora continuará a acompanhar e a fazer a monitorização dos resultados, asseguram os investigadores.
O Projeto BioMontado é uma iniciativa financiada pelo COMPETE 2020 pelo programa REACT-EU “Intervenções de Resiliência dos Territórios face ao risco | Combate à desertificação através da rearborização e de ações que promovam o aumento da fixação de carbono e de nutrientes no solo”, que resulta da parceria entre entidades privadas e públicas, comprometidas com a sustentabilidade da produção agro-silvo-pastoril.
Fotos: Carla Pinto Cruz