Uma equipa da Universidade de Coimbra (UC) desenvolveu um dispositivo inovador para converter a energia armazenada nas ondas do mar em energia elétrica.
O dispositivo, designado 𝗥𝗘𝗘𝗙𝗦, acrónimo de 𝗥𝗲𝗻𝗲𝘄𝗮𝗯𝗹𝗲 𝗘𝗹𝗲𝗰𝘁𝗿𝗶𝗰 𝗘𝗻𝗲𝗿𝗴𝘆 𝗙𝗿𝗼𝗺 𝗦𝗲𝗮 (energia elétrica renovável a partir do mar), resulta de oito anos de investigação desenvolvida no Laboratório de Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambiente do Departamento de Engenharia Civil (DC), da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC).
Este conversor de energia das ondas desenvolvido na UC, já com patente internacional concedida, é um dispositivo costeiro modular que fica totalmente submerso, invisível à superfície do mar. “É apoiado em pilares e o resto do fundo do mar fica livre para todo o tipo de processos marinhos”, explica o líder do projeto, José Lopes de Almeida, citado num comunicado.
Por outro lado, é um dispositivo que “procura utilizar tecnologias que já existem, nomeadamente as turbinas de ultrabaixa queda que são aplicadas nos aproveitamentos mini-hídricos e que recentemente se tornaram competitivas em termos comerciais. É possível migrar essa tecnologia para o mar e aplicá-la precisamente para aproveitar os desníveis criados pelas ondas, que na nossa costa ocidental apresentam frequentemente alturas de 1 a 5 metros”, acrescenta.
Basicamente, tal como indica o investigador, o que o dispositivo faz é “transformar o movimento alternado das ondas do mar num fluxo de água contínuo no interior do conversor REEFS. Esse fluxo, criado entre a crista e a cava das ondas, pode ser usado para acionar as referidas turbinas mini-hídricas de ultrabaixa queda”, representando um salto tecnológico considerável, pois “não precisamos de desenvolver uma tecnologia de raiz, podemos adaptar uma tecnologia hidroelétrica já existente”.
Além disso, esta tecnologia contribui para mitigar a erosão costeira, uma vez que pode funcionar como um recife artificial, induzindo a rebentação precoce das ondas para assim retirar, logo à partida, alguma da sua energia antes que atinjam a linha de costa.
José Lopes de Almeida lembra que a investigação nesta área assume hoje particular relevância tendo em conta a atual conjuntura internacional causada pela guerra na Ucrânia. “A situação atual chama a atenção para a extraordinária vulnerabilidade da Europa em relação à sua dependência energética. Por exemplo, no caso de Portugal, o país importa ainda hoje cerca de 2/3 dos seus recursos energéticos. Portanto, olhar para os recursos endógenos marinhos e procurar utilizá-los, criando valor para a economia, é um desiderato que se impõe, particularmente em Portugal, porque é um país que tem uma linha de costa bastante extensa relativamente à sua área territorial”.
No entanto, para que esta solução tecnológica possa chegar ao mercado, ainda são necessários novos estudos e testes: “O conceito está provado. Demonstrámos em laboratório a transformação de toda a cadeia – desde a onda até à produção de energia elétrica. Contudo, para chegar à fase comercial, o dispositivo tem de ser otimizado e testado a escalas sucessivamente maiores até instalarmos um projeto piloto no mar, só depois é que poderemos passar à fase de comercialização da tecnologia”, nota o investigador.
Nesse sentido, a equipa, que, além de José Lopes de Almeida, integra Fernando Seabra Santos, Aldina Santiago, Maria Constança Rigueiro e Daniel Oliveira, está a concorrer a financiamentos, com o apoio da UC Business – Gabinete de Transferência de Tecnologia da UC –, que permitam efetuar uma instalação no mar, na costa portuguesa, “um passo muito importante para testar, em condições reais, a performance do dispositivo e avaliar todas as condicionantes que poderão advir da sua instalação em ambiente marinho”, refere o comunicado, divulgado pela UC.
Apesar do caminho que o projeto ainda tem pela frente, a estimativa é que, quando o produto estiver apto a ser instalado no mar, evoluirá em competitividade, como ocorreu com a energia eólica. “Do ponto de vista concorrencial, tem um potencial comparável ao da energia eólica, embora o mercado não seja tão abrangente, com a vantagem de não ter impacto paisagístico, proporcionar maior previsibilidade na produção e se localizar no litoral onde usualmente se concentra a maior parte da atividade económica”, refere José Lopes de Almeida.