O projeto LIFE Aegypius Return arrancou com o objetivo de duplicar a população reprodutora de abutre-preto em Portugal, que, em 2022, era de cerca de 40 casais, em quatro colónias. Em 2024, o projeto registou 108 a 116 casais nidificantes, que produziram pelo menos 48 crias voadoras. O sucesso reprodutor aumentou ligeiramente e também já se conhece uma nova e quinta colónia.
O abutre-preto, espécie protegida com o estatuto atual de Em Perigo de Extinção, em Portugal, tem vindo a ser detalhadamente monitorizado pelos parceiros do projeto LIFE Aegypius Return, com apoio do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e das ONG’s Rewilding Portugal e Quercus. O projeto arrancou há dois anos, quando se conheciam em Portugal aproximadamente 40 casais, distribuídos pelas colónias do Douro Internacional, Serra da Malcata, Tejo Internacional e Herdade da Contenda, no Alentejo. Após a definição de um rigoroso protocolo de monitorização da reprodução da espécie, em 2023 estabeleceu-se uma precisa situação de referência, com o registo de 78 a 81 casais nidificantes. O considerável aumento, de 2022 para 2023, apesar de refletir algum crescimento da população, poderia também espelhar o grande esforço empreendido numa monitorização articulada nas várias zonas do país, com prospeção regular de novos locais de nidificação.
Já o aumento registado em 2024 deve-se exclusivamente à natural expansão da espécie, resultado das medidas de conservação que têm vindo a ser aplicadas, nomeadamente em projetos anteriores, nas atuais ações do LIFE Aegypius Return e também graças a uma tímida, mas generalizada, melhoria nas condições do habitat e tranquilidade requeridas pela espécie.
Os resultados na colónia Douro Internacional, a mais isolada
A colónia mais limítrofe e isolada, no Douro Internacional, surpreendeu no ano passado com três casais nidificantes. Este ano, a surpresa foi ainda maior! Além do aumento no número de casais, para oito, a espécie expandiu pela primeira vez desde o seu regresso para a margem oposta do rio Douro, com três ninhos em território espanhol. No entanto, todos estes novos casais poderão eventualmente ser muito jovens e inexperientes, pois, dos oito casais, apenas cinco fizeram postura e só quatro crias (duas em cada país) sobreviveram até se tornarem independentes.
O projeto LIFE Aegypius Return conta com um plano estratégico para endereçar a fragilidade desta colónia: o reforço com indivíduos aclimatados na região. A monitorização desta colónia – agora transfronteiriça – conta também com o apoio inter-regional entre a Palombar, a Direção Regional (DR) do Norte do ICNF e as equipas do Parque Natural Arribes del Duero.
Serra da Malcata, colónia em franca expansão
Esta colónia só se confirmou em 2021, com quatro casais nidificantes. Em 2023 haviam sido registados 14 e, este ano, o número voltou a aumentar, para 18. Todos os casais fizeram uma postura, mas só 12 crias sobreviveram até se tornarem independentes. A colónia tem vindo a ser monitorizada num esforço conjunto entre os técnicos e vigilantes do ICNF – DR Centro e a Rewilding Portugal. O parceiro local Associação Transumância e Natureza (ATN) tem feito a prospeção de ninhos noutras regiões relativamente próximas e potencialmente adequadas à espécie.
Tejo Internacional, a primeira e maior colónia
A recolonização do abutre-preto em Portugal, quatro décadas após a sua extinção enquanto espécie reprodutora, deu-se no Tejo Internacional, com a fixação de dois casais em 2010. Desde então, a colónia tem-se gradualmente expandido, mas com um sucesso reprodutor relativamente baixo. Em 2024, o êxito reprodutor nesta colónia foi de 0,41.
Em 2023, conheciam-se 44 a 46 casais nidificantes (cinco dos quais em território espanhol) e este ano foram monitorizados entre 61 a 64, que produziram 24 a 25 crias voadoras. De todos estes casais, cerca de um quarto (15 a 16) optaram este ano pela margem espanhola do rio, de onde resultaram 4 ou 5 crias recrutadas para a população.
A monitorização desta colónia transfronteiriça é particularmente difícil, pois, entre ninhos ocupados e ninhos antigos, são já mais de 160. Curiosamente, 12 ninhos construídos por abutre-preto foram oportunisticamente ocupados por casais de grifos.
Os trabalhos estão a cargo da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e contam com o apoio dos vigilantes do ICNF – DR do Centro e da Quercus. Este ano, o apoio dos Agentes del Medio Natural da Junta de Extremadura e da equipa do Parque Natural del Tajo Internacional, em Espanha, foi determinante para o resgate de crias de abutres-pretos em situações delicadas e ainda para a confirmação de alguns dados de monitorização.
Herdade da Contenda com mais casais e mais crias
A propriedade detida pelo Município de Moura acolhe a segunda maior colónia reprodutora de abutre-preto do país. No ano passado, foram ali registados 17 a 18 casais nidificantes que produziram cinco crias recrutadas para a população. Estes números aumentaram em 2024, com um total de 20 a 21 casais e sete crias recrutadas. Esta colónia é também transfronteiriça: cinco dos casais construíram ninho já em território espanhol, embora muito perto da fronteira, e, pela primeira vez, uma das crias bem-sucedidas nasceu na Contienda espanhola.
Esta colónia é monitorizada pela Liga para a Protecção da Natureza (LPN), em cooperação com a Herdade da Contenda, E.M e o ICNF – DR Alentejo. A articulação entre as equipas e autoridades portuguesas e espanholas tem sido fundamental para garantir a proteção e a tranquilidade das aves em todas as áreas ocupadas pelos abutres-pretos durante a época de reprodução.
Vidigueira, a mais recente
Em junho de 2024, os técnicos do ICNF descobriram uma quinta colónia reprodutora de abutre-preto, na Vidigueira. É a colónia mais ocidental da espécie, na sua área de distribuição global. A descoberta já em plena época de reprodução não permitiu uma monitorização muito próxima para aferir em detalhe todos os parâmetros reprodutores e de forma a salvaguardar a necessária tranquilidade das aves, mas o ICNF confirmou a presença de cinco ninhos e a reprodução bem-sucedida num deles. A cria, um jovem macho, foi marcado com emissor GPS/GSM e batizado de Pousio.
Monitorização em Espanha
O projeto LIFE Aegypius Return prevê também a monitorização do abutre-preto nas Zonas de Proteção Especial (ZPE) Sierra de Gata y Valle de las Pilas (SGVP) e Canchos de Ramiro y Ladronera (CRL), em Espanha. Estes trabalhos estão a cargo do parceiro local Fundación Naturaleza y Hombre (FNYH) que, no ano passado, registaram um total de 157 casais nidificantes, que produziram 103 crias recrutadas para a população. Este ano, no total das duas ZPE contabilizaram-se 153 casais nidificantes e 90 crias recrutadas para a população.
Na ZPE Campo de Azaba, a terceira ZPE em Espanha abrangida pelo projeto, a espécie não tem nidificação confirmada, mas a FNYH mantém prospeção no terreno. Na mesma ZPE gerem também um campo de alimentação para aves necrófagas e monitorizam detalhadamente o número de abutres-pretos e outras espécies necrófagas que o utilizam.
Até 2027, há ainda muito trabalho a ser feito, por exemplo, no reforço da disponibilidade de alimento e de locais de nidificação, e no combate a ameaças. Destas, destaca-se a colaboração com o ICNF e a Guarda Nacional Republicana na implementação do Programa Antídoto, bem como o apoio ao setor da caça para acelerar a transição para o uso de munições sem chumbo. O projeto trabalha ainda a componente imaterial de valorização dos serviços dos ecossistemas prestados pelo abutre-preto, ao nível da perceção pública e educação ambiental.