A Ambiente Magazine quis saber de que forma pode o setor agroflorestal nacional caminhar para uma maior sustentabilidade. Por isso falou com algumas empresas para perceber o que estão a fazer neste sentido.
A sustentabilidade é hoje em dia uma prioridade em todos os setores, e a agricultura e as florestas não são exceção. Duarte Leal da Costa, diretor executivo da Ervideira, acredita que este setor pode ir mais longe no campo da sustentabilidade, e de formas muito distintas: desde a tecnologia à utilização da água. E dá exemplos: pode ter tecnologias agrícolas com o objetivo de evitar a erosão; pode usar fitofármacos de forma mais inteligente e aumentar os níveis de matéria orgânica no solo; pode apostar em regas mais cuidadas, aumentando os pontos de água para que, em caso de fogo, possa haver maior acesso, assim como cuidar dos acessos agrícolas tendo corta-fogos. O responsável não tem dúvidas de que “deve haver uma preocupação holística em cuidar procurando o caminho mais sustentável, sempre que possível”.
Já para Francisco Pessoa, responsável de viticultura da Adega Mayor, o setor agroflorestal pode ser mais sustentável se promover o sequestro do carbono, ou seja, aumentando a matéria orgânica do solo. Consequentemente, contribuirá para assegurar a capacidade de retenção de água destes solos, tornando as videiras mais resilientes.
Já para Cátia Pinto e Livia Pian, respetivamente diretora executiva e investigadora do Smart Farm Colab (SFCLOAB), lembram que falar de sustentabilidade é falar do ambiente, da economia e da parte social. E quando se trata do setor da agricultura e das florestas, “é falar de um setor em equilíbrio, que respeite o meio ambiente, que seja economicamente viável e também justo em termos sociais”. O que significa que o setor agroflorestal não deve ser apenas sinónimo de produção.
As responsáveis explicam que, do ponto de vista social, é preciso ter em atenção as relações justas do trabalho com a desigualdade existente entre os trabalhadores rurais. Por outro lado, é preciso que “a tecnologia ajude a melhorar as operações laboriosas no campo” e que os trabalhadores tenham a devida formação para poderem tirar o melhor proveito das tecnologias digitais. Por fim, defendem, do ponto de vista económico, o setor deve ser competitivo e resiliente face às variações de preços, oferta e procura do mercado. Como tal, é fundamental que o setor se organize e trabalhe em conjunto para uma valorização própria, apontam. Mas acrescentam que também é preciso que o setor aumente a sua eficiência, diminuindo custos de produção e, para isso, “a tecnologia é um importante apoio para gestão eficiente e para a tomada de decisão no uso dos fatores de produção”.
Cátia Pinto e Livia Pian não hesitam em afirmar ainda que “a adoção tecnológica é um marco importante na medida em que disponibiliza ferramentas de apoio à tomada de decisão e para a sustentabilidade de todo o setor”.
SFCOLAB: Impulsionar a transição digital na agricultura
Reconhecendo pois a importância do setor ser mais sustentável, é fundamental agora conhecer de perto o que estas entidades estão a fazer nesse caminho.
A associação SFCOLAB é um Laboratório Colaborativo para a Inovação Digital na Agricultura e tem como missão impulsionar a inovação e a transição digital neste setor, visando ser uma referência da Agricultura Digital em Portugal. Tem pois desenvolvido soluções digitais inovadoras e inclusivas com o objetivo de tornar o setor agrícola mais rentável e sustentável, através de uma gestão eficiente dos fatores de produção, que tem concentrado esforços na democratização e literacia da Agricultura 4.0. Uma atuação que passa por serviços de tecnologia, de negócios, ações pedagógicas como formações e workshops, consultoria e construção de uma rede de network.
Atualmente conta com sete projetos financiados em curso, cinco deles de âmbito nacional, dos quais Cátia Pinto e Livia Pian destacam dois, financiados pelo PRR. No DigiFar2all, que decorre desde outubro de 2022 a setembro de 2025, o objetivo é desenvolver soluções de baixo custo que integrem apoio técnico especializado considerando as necessidades dos agricultores, e ações de capacitação para a literacia digital, mostrando “na prática como as informações digitais podem ser úteis para a gestão agrícola”, dizem as interlocutoras. Já o SustainGrowth é um sistema de certificação da produção nacional rumo à intensificação sustentável da agricultura, decorrendo desde junho de 2023 até setembro de 2025. O objetivo aqui é criar um regime de certificação da produção intensiva sustentável abrangendo as vertentes ambiental, económica, social e de governance, adaptado à realidade do tecido agrícola às condições edafoclimáticas do território nacional. O objetivo maior é “parametrizar e promover as práticas sustentáveis nestes sistemas de produção”, referem.
Adega Mayor: a ambição de crescer
A Adega Mayor, um projeto vitivinícola do Grupo Nabeiro, conta com vinhas localizadas na Herdade das Argamassas e no seu ADN está não apenas a sustentabilidade ambiental como a social, através do apoio à comunidade local. Em 2015, a Adega Mayor aderiu ao Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo e Francisco Pessoa admite que, embora tenha alcançado objetivos importantes nestes últimos anos, “a nossa ambição continua a crescer, tanto para uma abordagem de agricultura regenerativa quanto para o nosso impacto na comunidade e no meio ambiente”.
A ideia de criar o projeto OR resulta do desejo de apostar na cocriação, aqui numa parceria com a marca portuguesa de bio cosméticos Âmbar, e na circularidade. Foram lançados inicialmente dois produtos de cosmética, contornando o desperdício gerado pela atividade vitivinícola, ao utilizar a grainha de uva, que seria desperdiçada, em óleo que dá origem aos cosméticos lançados: creme de mãos e creme de corpo.
No que diz respeito ao consumo de água, a Adega Mayor tem em curso dois projetos. O primeiro visa a reutilização de águas residuais por osmose, e começou pela instalação de um contador para medir a quantidade de desperdício. O segundo projeto refere-se à gestão de água de irrigação e envolve a instalação de sondas de capacitância do solo para monitorização contínua do teor de água do terreno.
A Adega Mayor integra também a coligação Business for Nature – act4natureportugal com a missão de reforçar o compromisso de proteger, promover e restaurar a biodiversidade dos ecossistemas onde atua.
Já no âmbito do Plano de Gestão de Ecossistemas e de Agroecologia, implementou iniciativas como abrigos para morcegos, hotéis de insetos, ovelhas na vinha, enrelvamentos e ilhas flutuantes.
No que diz respeito ao uso das novas tecnologias, a Adega Mayor utiliza a agricultura de precisão, através de mapas de deteção remota. Implementou ainda o Programa Ceres, uma aplicação fundamental para a gestão diária da vinha, da rega e das plantas. E investiu em práticas de gestão sustentável também no que diz respeito às embalagens.
Ervideira: Reforço e melhoria dos solos
Na Ervideira, além do recurso à tecnologia, a fitofármacos e à rega, também se aposta no aumento sucessivo do processo de reciclagem e redução de lixo para consolidar o caminho rumo à sustentabilidade.
Duarte Leal da Costa indica que a Ervideira sempre aplicou muita matéria orgânica nos solos para aumentar a sua fertilidade. E tem feito um trabalho de redução da mobilização de solos, sendo que todos os pulverizadores têm associado um recuperador de calda, o que permite reduzir substancialmente as matérias ativas aplicadas. “Numa perspetiva de curto/médio prazo, existe a preocupação clara de deixar às novas gerações mais e melhores solos”, sublinha.
Recorrendo às novas tecnologias, a Ervideira implementou ainda sondas de humidade nos solos para fazer regas apenas quando necessário. Utiliza também avisos agrícolas e previsões meteorológicas para fazer tratamentos nas vinhas quando estritamente necessário.
Os desafios do setor
Mas apesar de todos estes esforços e iniciativas, o setor agroflorestal depara-se ainda com vários desafios à sua sustentabilidade. Desde logo, diz o diretor executivo da Ervideira, os que estão relacionados com as alterações climáticas, a escassez de recursos, os custos mais elevados ou a legislação ambiental mais restritiva. Mas Duarte Leal da Costa faz saber que a sustentabilidade não se mede apenas no eixo ambiental já que desafios económicos, como o facto de o setor ser maioritariamente composto por micro e pequenas empresas ou a baixa produtividade e remuneração da qualidade face aos custos de produção são igualmente importantes.
Pensando numa estratégia nacional, o responsável considera que “deve haver ‘coragem política’ no sentido de não se deitar água doce para o mar”, e lembra que “a água doce é um bem de primeiríssima necessidade, pois aumenta a evapotranspiração, com consequente abaixamento das temperaturas ao redor, dá de beber às populações e gado, permite agricultura de desenvolvimento, gera empregos estáveis no interior, dando origem a um turismo para todos e com qualidade”. Por isso não hesita em defender que “uma política agrícola e florestal com água é de extrema importância e urgente”.
Por sua vez, Francisco Pessoa, da Adega Mayor, aponta desafios como a escassez de mão-de-obra qualificada, a gestão eficiente da água e as alterações climáticas, referindo-se sobretudo ao setor do vinho. E frisa que “a combinação de programas de formação, inovação tecnológica e práticas de gestão eficientes pode contribuir significativamente para superar algumas dessas barreiras e para a sustentabilidade do setor”.
Finalmente, Cátia Pinto e Livia Pian lembram que “é preciso ser consciente e racional na forma como utilizamos os recursos na agricultura, sejam eles a água, o solo ou os fatores de produção”. As responsáveis do SFCOLAB salientam que é essencial não esquecer que a agricultura assenta em três eixos: o clima, a água e o solo. E sublinham: ” Sem estes fatores equilibrados, para além da nossa produção estar comprometida, não haverá um futuro promissor. Sem uma base forte, não existe uma produção de qualidade”.
Publicado na edição 106 da Ambiente Magazine