O setor das águas recebeu, nos últimos 10 anos, subsídios à exploração de cerca de 1,4 mil milhões de euros, mas apresenta “um nível de desempenho médio aquém do desejável e sustentável”, com “mais de metade das entidades gestoras a apresentarem um défice operacional”, segundo as conclusões de um estudo sobre as políticas de subsidiação do setor nacional da água, realizado pelo Professor Rui Cunha Marques, da FUNDEC do Instituto Superior Técnico, divulgado esta terça-feira, numa conferência da AEPSA sob o mote de “Modelo de subsidiação dos serviços de abastecimento de água e de saneamento, em Portugal”, que teve lugar no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
Numa década, a cobertura de abastecimento de água cresceu apenas 1%, de cerca de 96% para próximo de 97%, e o nível de perdas de água “continua incompreensivelmente excessivo e praticamente no mesmo valor”, revela o diagnóstico que pretende dar contributos para o setor melhorar padrões e tornar-se mais eficiente.
Apesar do quadro legal e regulatório obrigar à recuperação dos gastos totais através das tarifas, mais de metade dos operadores de água e saneamento, a nível nacional, apresenta défices operacionais crónicos, que “têm vindo a ser suportados por muitos milhões de euros em subsídios”, que se mostraram “ineficazes” e não contribuíram para melhorias significativas nos serviços em causa.
“Temos números assustadores relativos a empresas que não recuperam os gastos. Só no caso do abastecimento de água,131 entidades gestoras não recuperam os gastos, mas pagam o serviço. E no caso do saneamento a situação é pior: temos 163 entidades que não recuperam os gastos. Temos 40% a 60% de não recuperação de gastos, o que claramente não é sustentável”, alertou Rui Cunha Marques, professor do Instituto Superior Técnico.
O autor do estudo “Modelo de subsidiação dos serviços de abastecimento de água e saneamento, em Portugal”, revelou que “os fluxos financeiros anuais nos setores da água e do saneamento relativos aos subsídios e distorções de mercado ultrapassam largamente os 500 milhões de euros”, com a maioria das entidades gestoras a ser atualmente subsídio-dependente, excluindo as concessionárias privadas e algumas empresas do setor público.
A análise do sistema de subsidiação dos serviços de água e saneamento dos últimos 30 anos permitiu perceber que, com a prevalência deste padrão, o setor ficou “excessivamente dependente dos subsídios, o que a médio e longo prazo é negativo para o seu desenvolvimento e sustentabilidade” e “estagnado” e “a eficiência tem vindo a degradar-se”. Segundo Rui Cunha Marques, o subsídio deveria ser “temporário” e “apenas aplicado num determinado horizonte temporal”.
Os montantes destinados a subsídios de exploração, indica ainda o estudo, poderiam ter sido direcionados para municípios, a outros investimentos ou a serviços públicos “mais necessitados” para o desenvolvimento regional.
“Consumidor prejudicado”
O estudo revela que o setor está fortemente dependente do Orçamento de Estado, dos orçamentos municipais, através de impostos, e de fundos europeus. Os valores com origem comunitária “são cerca de dois terços do total investido, totalizando mais de 13 mil milhões de euros”.
Em 2021, os subsídios à exploração superaram os 121 milhões de euros em Portugal continental, o que significa que cada português pagou cerca de 12,3 euros de impostos municipais nesse ano para subsidiar serviços de abastecimento de água e de saneamento, sobretudo serviços de gestão direta dos municípios.
“As verbas são diferentes o que provoca algumas injustiças, sendo que em causa não está propriamente a entidade gestora, mas o consumidor que acaba por pagar a mais ou a menos de uma forma que não é muito compreensível”, salientou Rui Cunha Marques.
O valor cobrado ao consumidor é insuficiente para cobrir os gastos da operação com os serviços de abastecimento de água e, por isso, e de acordo com o PENSAARP 2030, Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais, serão necessários aumentos médios das tarifas superiores a 40%, para garantir a cobertura dos custos operacionais e investimentos de reabilitação dos ativos.
“Critérios discricionários”
O estudo revela ainda um aumento de assimetrias, numa diferença cada vez mais acentuada entre os melhores e os piores desempenhos, nas diferentes entidades gestoras. O professor universitário referiu que um dos dados que mais se destaca em Portugal, como noutros países, “é que o foco de modelo de subsidiação deveria recair sobre quem precisa e evidencia capacidade de pagamento”, acrescentando que não defende que os subsídios acabem, “mas devem ser para quem precisa, de uma forma séria e não focada em resultados”.
O diagnóstico recomenda, por isso, que se reveja “de forma justa e adequada a alocação das verbas do Fundo Ambiental, que têm sido atribuídas de forma pouco clara e sem critérios transparentes ou objetivos”. Só em 2024, o Fundo Ambiental tem uma dotação de cerca de 1 800 milhões de euros.
Outra das críticas apontadas está relacionada com “a discricionariedade e falta de transparência na atribuição de fundos europeus e do Fundo Ambiental”. Os critérios de seleção dos projetos pelo POSEUR são “vagos e discricionários”, “podendo ser escolhido um determinado tipo de beneficiários” e verifica-se “uma distribuição assimétrica” que não promove a coesão territorial do país.
Entre 1994 e 2020, foram investidos “quase 10 mil milhões de euros em subsídios”, e “a maior parte dos investimentos não são feitos no interior e nas áreas mais pobres, mas sobretudo nos sistemas mais ricos e com mais capacidade de pagamento”.
“O subsídio não foi, do ponto de vista teórico, alocado às entidades que mais necessitavam”, reforçou o autor do estudo, adiantando que “apenas 1,2% dos subsídios foram atribuídos a entidades gestoras privadas, que abastecem cerca de 20% da população portuguesa”.
Perante este cenário, é recomendado que o processo de atribuição dos subsídios seja “transparente, participado, competitivo” e se evolua para “critérios que afastem a dependência e sejam baseados em desempenho”. “Devem também ser atribuídos, exclusivamente, a projetos de investimento, ou de evolução tecnológica – independentemente do tipo de entidade gestora – e eliminar a subsidiação para cobertura de custos operacionais”, refere o estudo.
Entre as recomendações, refere-se que a “atribuição de subsídios deve ser inteligente e condicionar a sua obtenção à melhoria de resultados operacionais” e que “devem ser atribuídos a quem de facto necessita deles”. Promover a responsabilização do dinheiro público, “que deveria ter uma responsabilização maior que os privados”, erradicar os subsídios à exploração das entidades gestoras dos serviços e o expandir o tarifário social a todas as entidades gestoras, cumprindo o disposto na legislação portuguesa e seguindo as recomendações da entidade reguladora, colocar limites aos subsídios, são outras das propostas elencadas.
Por Sofia Cristino
AEPSA defende gestão “mais eficiente” no setor da água em Portugal