A DECO PROteste, na figura de Mariana Ludovino, fez um ponto de situação sobre as perdas de água em Portugal e como os consumidores estão cada vez mais conscientes para o que lhes aparece na fatura no fim do mês.
Qual o estado atual das perdas de água em Portugal?
Os dados mais recentes sobre as perdas reais de água ao longo da rede de abastecimento, e que têm como base a informação da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) com os dados de 2022, mostram que o país está a perder menos água nas infraestruturas de distribuição. No entanto, trata-se de um valor médio, que ainda está acima dos 162 milhões de metros cúbicos de água já tratada e paga, que não foi distribuída aos consumidores. Isto equivale a 88 milhões de euros de água paga, perdidas nos ramais e não faturada num ano, e cerca de 840 milhões de euros em dez anos. Dos 278 municípios de Portugal continental, 87 registaram aumentos e 161 redução nas perdas reais de água. Já 20 municípios não forneceram informação ao regulador e em 10 ainda não existem dados que permitam a comparação entre 2022 e 2021. Assim, dos 161 municípios cujas perdas de água diminuíram percentualmente face ao ano anterior, os que mais se destacam são Alcácer do Sal, Cuba, Palmela, Penedono e Barreiro. A própria rede de abastecimento de água encontra-se atualmente envelhecida em 62% dos municípios e 70% tem reabilitação insatisfatória ou não reabilitam condutas com mais de 10 anos. Entre os que mais reabilitam em termos percentuais, estão pequenos e médios concelhos, como Mora, no distrito de Évora, e Marinha Grande, mas também Amadora e Oeiras, Viana do Alentejo e Portalegre. A verdade é que muitos concelhos pioraram o desempenho, e a maioria continua sem renovar a rede, que está cada vez mais envelhecida.
Quais os principais impactos nos consumidores e no ambiente?
As perdas reais de água na rede pública têm impacto elevado ao nível ambiental, mas também económico e social. Ao nível ambiental, a utilização exaustiva deste recurso que é cada vez mais escasso. Os impactos de usos ineficientes, direta e indiretamente, afetam a biodiversidade, reduzem a disponibilidade para outros usos e trazem elevados gastos energéticos desnecessários (com a emissão de gases poluentes). Ao nível económico tem elevado impacto para as entidades gestoras numa primeira fase, pois a água perdida ao longo das redes já foi adquirida e paga à entidade que a capta a montante e tem inerente os custos de transporte e de tratamento para consumo humano. As perdas reais de água acarretam custos que tendencialmente são pagos pelos consumidores. A DECO PROteste defende que estes custos não devem ser cobrados nos tarifários aplicados às famílias. Por fim, o impacto social da falha da qualidade do serviço reflete-se quer pela falta de acesso por cortes de água (em casa, escolas, etc.) quer por todos os impactos inerentes à ocorrência de avarias (acidentes, prejuízos na comunidade).
Os consumidores já têm mais consciência para estes temas?
Os consumidores estão cada vez mais sensibilizados e conscientes para os vários temas que têm impacto na sua vida e no seu quotidiano, sendo que o uso eficiente da água em sua casa e o desempenho das entidades gestoras e a água, não são exceção. Neste sentido, a DECO PROteste, enquanto maior organização de defesa do consumidor em Portugal, proporciona aos consumidores dados e análises que permitem aos consumidores estarem mais informados. Exemplo disso é a disponibilização do nosso simulador Fatura da Água (https://www.deco.proteste.pt/sustentabilidade/fatura-agua).
Quais são as principais preocupações dos consumidores com a sua fatura da água?
O custo global cobrado na fatura da água é muitas vezes incompreendido no que respeita à fórmula de cálculo da tarifa aplicada e à lógica da sua aplicação do valor cobrado quer para o serviço de água, saneamento ou resíduos sólidos. A interligação destas vertentes na fatura da água é a principal barreira para a compreensão do valor que é pago e a que corresponde o valor, pelo que a diferenciação clara entre tarifários e taxas é importante destacar e sensibilizar. Neste tema em específico, a DECO PROteste visa ajudar os consumidores a compreender sobre cada parcela da fatura da água o que está a pagar, tendo artigos explicativos sobre isso mesmo.
Para que serve o simulador Fatura da Água?
Na fatura da água os consumidores pagam três serviços: abastecimento, tratamento de águas residuais e resíduos sólidos urbanos. Com este simulador DECO PROteste é possível saber-se como são aplicadas as tarifas e taxas e conhecer os custos, tendo em conta o consumo de água. Através de uma seleção por concelho é possível ver quanto paga pelo abastecimento de água, pelo tratamento de águas residuais e resíduos sólidos urbanos (tarifa em vigo de 2023) e ainda verificar o nível de perdas de água, envelhecimento de condutas e a reabilitação das mesmas em cada município.
Que novas funcionalidades oferece o simulador?
Esta plataforma, permanentemente atualizada, inclui já informação sobre tarifas da água por concelho, a sua evolução nos últimos anos e quais os descontos das tarifas sociais, passando agora, com esta atualização, a disponibilizar informação sobre quem são as entidades responsáveis para cada um dos serviços, quais as perdas de água em cada concelho e a reabilitação de condutas que a entidade gestora realizou em média nos 5 anos. Este simulador integrava ainda detalhes sobre a implementação do sistema PAYT (pay-as-you-throw). Contudo, esta informação deixa agora de estar integrada no simulador da Fatura da Água pois a DECO PROteste lançou, em março deste ano, uma plataforma de monitorização da recolha de biorresíduos e sistema PAYT, com um mapa interativo que privilegia a disponibilização de informação nesta matéria agregada por município para os consumidores.
Porque é que há tanta disparidade entre as tarifas da água, de concelho para concelho?
As discrepâncias entre municípios dependem de vários fatores, como cláusulas contratuais entre as câmaras municipais e as concessionárias, o diferencial de custos e a comparticipação dos municípios na tarifa aplicada ao consumidor doméstico. Além disso, a maioria das entidades responsáveis pelos serviços de água ou de saneamento não estão a reabilitar as condutas de água ou os coletores (vulgarmente esgotos) há décadas, necessitando de elevados investimentos. E a verdade é que estes custos, resultantes das ineficiências dos sistemas, como as perdas de água ou avarias, acabam por ser cobrados aos consumidores. Há mais de 10 anos que a DECO PROteste tem vindo a alertar para a elevada discrepância entre as tarifas dos serviços de água e saneamento entre municípios no território nacional.
O que tem a dizer sobre o potencial de separação dos valores dos resíduos das faturas da água?
A atuação e sensibilização da DECO PROteste ao longo dos anos não prevê a separação do pagamento dos custos de resíduos da fatura da água. Visa sim, exigir que o cálculo do serviço de resíduos sólidos urbanos seja desindexado do volume de água consumida. O método que permite reforçar a contribuição positiva dos cidadãos para a separação de resíduos com um benefício direto na tarifa aplicada é a aplicação do tarifário PAYT. O sistema PAYT permite que as famílias paguem o serviço de gestão de resíduos em função da quantidade (volume ou peso) de resíduos indiferenciados que produzem. Assim, as famílias que reduzem a quantidade de lixo indiferenciado, aumentando a separação de resíduos para reciclagem e produzindo menos lixo, pagam menos. Este sistema, em que o cálculo da tarifa de resíduos será desindexado da água consumida, beneficia as famílias que atualmente já aderem à separação de resíduos para reciclagem, por uma tarifa que reconhece os seus esforços diários na separação de resíduos recicláveis, como de vidro, papel, plástico, metais e biorresíduos. Contudo, ao permanecer indexada ao consumo de água, a tarifa não promove a justiça tarifária tão necessária para incentivar práticas mais sustentáveis junto dos cidadãos e das entidades gestoras. Recordemos que em março deste ano foi publicado o Decreto-Lei n.º 24/2024, que leva ao prolongamento do prazo para a obrigatoriedade da tarifa PAYT para 1 de janeiro de 2030 (ao invés de julho de 2026). Este alargamento do prazo limite para a desindexação do cálculo da tarifa de resíduos sólidos em função do volume de água consumida vai induzir, durante mais tempo, a aplicação de uma tarifa de resíduos que não premeia os consumidores. Há mais de 10 anos que a DECO PROteste tem vindo a promover medidas positivas neste campo, entre elas o lançamento da campanha “Lixo não é Água” para sensibilizar os consumidores sobre a forma de cálculo dos resíduos sólidos urbanos em função do consumo de água (em 2017). Em 2020 relançou a campanha com novo apelo ao reforço da participação dos consumidores e reivindicando que as várias entidades (municípios, Parlamento e Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos – ERSAR) tomassem medidas concretas para a efetiva criação de um sistema alternativo de cálculo da tarifa de resíduos sólidos urbanos – o PAYT. Mesmo com a publicação do Decreto-Lei n.º 102-D, em 2020, que tornou obrigatória a desindexação das tarifas de resíduos sólidos ao consumo da água e a obrigatoriedade da aplicação da tarifa em função da quantidade de resíduos recolhidos, a verdade é que a DECO PROteste continua a exigir que as entidades responsáveis pela gestão de resíduos sólidos urbanos sensibilizem e informem os consumidores sobre a implementação da recolha seletiva de biorresíduos no município e do plano de implementação de uma tarifa de resíduos mais justa em função da parcela de resíduos indiferenciados recolhidos. Os cidadãos não podem aderir a sistemas de reciclagem quando as próprias entidades gestoras não implementam a recolha seletiva, nomeadamente de biorresíduos. O mapa interativo da DECO PROteste, sobre a implementação da recolha seletiva de biorresíduos e do sistema PAYT, dá uma visão clara da falta de opção oferecida aos consumidores.
Tendo em conta a situação de escassez hídrica no Algarve, prevê-se que os consumidores paguem mais pela água (na sua fatura final)?
Face aos períodos de secas contínuas e cada vez mais prolongadas, foram realizadas propostas pelo anterior governo (em 2022 e em 2024) para aumentar tarifas de água para conter a procura. A DECO PROteste considera que o uso de mecanismos de penalização económica para o consumidor doméstico, nos diversos municípios em situação de seca, é uma medida com efeitos limitados e desequilibrados nos vários municípios, dada a elevada dispersão tarifária a nível nacional e em particular nos municípios em situação de seca. Aumentar o preço justificando-o para que haja uma redução de consumo de água por parte do consumidor doméstico (famílias), devido a situação de seca não é método apropriado para garantia da eficiência do uso do recurso água por parte dos cidadãos, servindo certamente num encaixe direto para as entidades gestoras dos serviços, muitas com volumes elevadíssimos de perdas anuais de água para consumo doméstico.
Qual a posição da DECO PROteste em relação ao PENSAARP 2030?
A DECO PROteste concorda com as prioridades e medidas do Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais (PENSAARP) 2030 para a urgente de reabilitação da infraestrutura de abastecimento de água a nível nacional, que está envelhecida e sujeita a aumentos de perdas de água e de falhas de abastecimento, bem como a sustentabilidade infraestrutural. Neste sentido, defendemos que o acesso a fontes de financiamento para o investimento em reabilitação de infraestruturas deve ter critérios rigorosos e ser garantido o acesso a entidades gestoras que atuam nos vários municípios, independentemente do modelo de gestão, dimensão ou tipologia de área, com o objetivo de melhorar a qualidade do serviço. Assim, a DECO PROteste espera que o PENSAARP 2030, aprovado no passado mês de fevereiro, venha a ser um ponto de inflexão quanto à reabilitação de condutas e ramais. Até porque o programa do mais recente Governo prevê, inclusivamente, novos instrumentos de financiamento para esse efeito.