Por Pedro Nazareth, CEO do Electrão*
O Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2030), publicado em março de 2023, traçou as principais metas, atividades e planos que pretendem responder ao enorme desafio da gestão dos resíduos urbanos em Portugal, que passa necessariamente pelo desvio de aterro e pelo aumento da reutilização e reciclagem dos resíduos que produzimos em nossas casas.
Esta estratégia assenta no aumento da recolha seletiva multimaterial nas famílias de resíduos já existentes, tal como a conhecemos, mas contempla também a recolha dedicada de novas tipologias, com grande destaque para os resíduos orgânicos. Algumas famílias de resíduos que hoje compõem a mistura de resíduos urbanos passarão a ter uma gestão individualizada no âmbito da esfera da responsabilidade alargada do produtor, como será o caso de móveis e colchões.
A metodologia dos últimos 20 anos revelou estar esgotada e a prova disso é a estagnação dos resultados. Urge, por isso, dar outro protagonismo ao fluxo indiferenciado no quadro da gestão de resíduos urbanos.
Há duas décadas que Portugal coloca o foco no aumento da recolha seletiva e na comunicação para a separação de resíduos. A estratégia é correta, mas importa ir mais além até porque o país recicla atualmente apenas pouco mais de metade das embalagens que consome. A metodologia dos últimos 20 anos revelou estar esgotada e a prova disso é a estagnação dos resultados. Urge, por isso, dar outro protagonismo ao fluxo indiferenciado no quadro da gestão de resíduos urbanos.
O que a experiência dos últimos 20 anos nos mostra é que se Portugal quer ter outros números na reciclagem das embalagens, especialmente na recuperação do vidro, precisa de olhar para o contentor do indiferenciado.
Há muitos materiais com valor no fluxo indiferenciado. Portugal apostou e bem, lá atrás, no tratamento mecânico biológico e em tratamentos mecânicos de resíduos indiferenciados. São múltiplas as opções de separação de diferentes fluxos através do processamento dos resíduos indiferenciados que Portugal tem necessariamente que considerar, seja para a recuperação de equipamentos elétricos usados do lixo indiferenciado, seja para resgatar pilhas e baterias, seja para aumentar a taxa de preparação de para reciclagem de embalagens que estão no caixote do lixo comum e que ainda continuam a seguir para aterro ou incineração.
A publicação do Regime Geral de Gestão de Resíduos poderia ter reconhecido a relevância dos fluxos indiferenciados da gestão de resíduos urbanos com vista ao cumprimento dos objetivos de recolha e reciclagem, mas infelizmente não o fez.
Mesmo o Sistema de Depósito e Retorno para as embalagens de bebidas, com que o país anseia há vários anos, poderá ganhar tração e impulsionar as taxas de reciclagem, em particular na família de embalagens de bebidas, para valores na ordem dos 80 e 90 por cento, mas este será sempre um esforço complementar que não chegará para inverter a tendência.
Com a recolha seletiva dos biorresíduos, os materiais que erradamente continuam a ser depositados no contentor indiferenciado – não obstante o enorme esforço de sensibilização e comunicação dos últimos 20 anos – ficarão livres de contaminantes e será mais fácil recuperá-los para reutilização.
Se Portugal ambiciona cumprir as metas que foram estabelecidas para a gestão dos resíduos urbanos tem necessariamente que trabalhar os dois fluxos – o seletivo e o indiferenciado – e a partir daqui promover a recolha multimaterial e a separação de diferentes famílias de materiais para potenciar a reciclagem. Se alertar continua a ser insuficiente importa trabalhar de forma mais focada diretamente na raiz do problema.