O uso sustentável dos recursos marinhos para promover um desenvolvimento económico, social e ambiental. Este é o princípio básico da Economia Azul que se tem posicionado como uma área muito atrativa para investimento, representando já mais de 5% do Produto Interno Bruto (PIB), cerca de 5% das exportações nacionais e mais de 4% do emprego. Portugal é já o quinto país da União Europeia mais atrativo para investimento na economia azul, segundo um novo relatório da Comissão Europeia.
Às potencialidades já reconhecidas, associa-se o compromisso do Governo com as “responsabilidades e desafios” da urgência em torno da necessidade de proteção dos oceanos e da ação climática global, que se reflete nos “esforços em desenvolvimento para a obtenção de um transporte marítimo descarbonizado e para um maior aproveitamento da energia renovável sustentável do oceano” e que está na base do objetivo nacional de a disponibilizar por via de produção eólica offshore. José Maria Costa, secretário de Estado do Mar, relembra assim que as ambições em torno da descarbonização energética apresentam um “efeito potenciador em setores de atividade muito importantes para o país”, o que reforça as potencialidades da Economia Azul para o investimento.
Quem também corrobora com as potencialidades de investimento na economia azul é José Carlos Simão, diretor-geral da Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), que destaca as inúmeras oportunidades associadas às atividades mais tradicionais e às emergentes da Economia Azul, quer em terra, quer na interface terra/mar quer no oceano: “É provavelmente a característica que mais distingue a Economia Azul, uma vez que gera valor e investimentos nestas três dimensões”.
Apesar de serem “várias as áreas” em que Portugal pode tirar potencial para uma Economia Azul forte, o secretário do Estado do Mar destaca a energia renovável sustentável do Oceano e a biotecnologia azul como as duas áreas que mais passos estão a dar na transformação e sustentabilidade da economia ligada ao mar: “Portugal prevê até ao final do ano lançar o primeiro procedimento concorrencial com vista à ambição de atingir uma capacidade instalada de eólico offshore de 10 GW em 2030”. Este objetivo está totalmente alicerçado no compromisso nacional com a descarbonização da sociedade e com a geração e utilização de energia limpa, sendo que o país pode chegar ao “grupo de países líderes na produção de energia eólica offshore”. Quanto à biotecnologia azul, o potencial do mar é enorme, estando na calha “a criação do Centro Internacional de Biotecnologia Azul, a localizar em Matosinhos, com foco na promoção da reindustrialização dos setores tradicionais” e em “projetos empreendedores que permitam o desenvolvimento de produtos inovadores ligados ao Oceano”.
Neste âmbito, José Carlos Simão também prevê um “grande crescimento” das “energias renováveis oceânicas” nos próximos anos. Mas refere outros aspetos da economia do mar, como a aquicultura, que já tem uma “base instalada muito interessante”, e a rede de cabos submarinos e as respetivas estações de amarração em terra.
Os benefícios ambientais e económicos
Um setor que representa mais de 5% do PIB demonstra, no entender do governante, uma série de benefícios à economia nacional: “Podemos afirmar que os benefícios da aposta nesta área, além de se afigurarem como seguros, oferecem um benefício visível e prospetivo à economia e ao desenvolvimento do país”. Sendo que este é um setor económico totalmente dependente do mar, o secretário de Estado assegura que a proteção do Oceano se torna obrigatória e todos os esforços são fundamentais: “Portugal está na liderança do desenvolvimento de estratégias, políticas e compromissos nesse sentido, podendo, por isso, associar o desenvolvimento da Economia Azul à proteção do Oceano”.
Sendo a economia uma ciência social, o diretor-geral da DGRM destaca como benefícios a geração de emprego, o valor criado nas fileiras do pescado e alimentação, da logística, do turismo e das indústrias associadas: “O mar dá-nos alimento, dá-nos energia, permite o transporte de pessoas e bens, contribui para a nossa saúde, gera bem-estar e lazer e, não menos importante, dá-nos regulação do clima e proteção contra muitos riscos e fatores negativos para a humanidade”. O rescpponsável considera também que que a economia azul está diretamente associada ao ordenamento do espaço marítimo, sendo necessária uma “conciliação entre o desenvolvimento das atividades no mar com o bom estado ambiental do oceano”.
E como Portugal está a saber aproveitar esses benefícios? José Maria Costa dá nota que o esforço externo do país, além de reconhecido, representa o compromisso em torno da proteção e conservação ambiental e da importância dada à Economia Azul para o desenvolvimento económico do país. Uma das ações que reflete esta importância é a “Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030”, que reforça o papel essencial da “proteção e da conservação para alcançar uma economia sustentável plena”, centrando esse papel no conhecimento científico e incentivando a “transferência de conhecimento dos centros de investigação para as empresas, com o investimento de 87 M€ no Hub Azul, para a criação de uma rede de infraestruturas para a Economia Azul”.
Simplificação legislativa
Quanto a barreiras que impossibilitam acelerar a Economia do Mar, o secretário de Estado do Mar destaca que são similares às dos restantes setores económicos e, em grande parte, inerentes a um mundo em mudança. Além disso, há também “ameaças e riscos” que incidem sobre muitas das diferentes atividades que se processam em ambiente marítimo e que podem colocar em “causa o normal funcionamento de uma ou mais atividades”, bem como o “futuro de muitos dos recursos marinhos, vivos e não vivos”. As estruturas de cabos submarinos e “produção de energia renovável em plataformas offshore” não são esquecidos, visto que são “potenciais alvos de ameaça e risco”, refere. Para dar resposta a estes desafios, o Governo criou uma comissão para a elaboração de uma Estratégia para a Segurança Marítima Nacional até 2030, para “identificar as necessidades e responsabilidades nacionais”.
Ao nível de barreiras, José Carlos Simão começa por destacar a necessidade de novas áreas para desenvolvimento de atividades emergentes, apesar do “grande esforço para a constante evolução do Plano de Ordenamento do Mar Português”. A “simplificação legislativa e procedimental” é, assim, necessária, tentando criar “mentalidades de colaboração” entre várias entidades, priorizando “a visão que mais beneficia o promotor e não a perpetuação de práticas de cada entidade numa lógica de isolamento no processo”.
“Já não existe tolerância para erros no ambiente marinho”
Apesar de ser difícil fazer perspetivas, José Maria Costa está confiante que os próximos anos marcarão as políticas internacionais para uma ação climática global e, consequentemente, apoiarão o desenvolvimento de uma Economia Azul cada vez mais sustentável e baseada em critérios justificados cientificamente: “Apresentamos uma postura confiante e positiva pelos reais compromissos que temos e assumimos nestas matérias, que é seguida também por muitos outros parceiros a nível internacional, reforçando o empenho cada vez mais global em torno da proteção do Oceano”.
O futuro é também visto com grande otimismo por parte do diretor-geral da DGRM, que perspetiva uma evolução das áreas agora emergentes da Economia Azul: “Vão crescer muito, complementadas por uma consolidação e evolução das mais tradicionais que terão de evoluir para serem mais sustentáveis, verdes e digitalizadas”. Além disso, são muitos os recursos marinhos e atividades no mar que ainda estão por descobrir e por explorar, “sempre com os requisitos de sustentabilidade associados, pois já não existe tolerância para erros no ambiente marinho”, remata.
O equilíbrio
Sendo já reconhecidas as inúmeras oportunidades que a economia azul traz, resta perceber se a sustentabilidade e economia podem coexistir. Para Ana Matias, Coordenadora de Clima e Poluição na Sciaena, isso é possível, coexistindo numa ótica de não agressão e de reabilitação de zonas já impactadas: “É isso que são as soluções baseadas na natureza, como as ações de restauro ecológico, de adaptação e mitigação climática ou de redução do risco de desastres naturais”. Apesar da descarbonização da economia depender da instalação de dispositivos de energias renováveis, “é preciso que os impactos negativos são minimizados e os positivos maximizados, o que é possível se se envolver de forma séria a sociedade civil nos processos de consulta, se se regulamentar a atividade de forma cuidadosa e se as políticas forem orientadas para a resolução de um problema coletivo e da redistribuição dos recursos”, considera.
Apesar do potencial, Catarina Grilo, Diretora de Conservação e Políticas da ANP|WWF, considera que o conceito de economia azul atual em Portugal ainda não prioriza as atividades com melhor desempenho ambiental, não reduz a pegada ecológica dos consumidores portugueses, nem trabalha para aumentar o valor económico do pescado mais sustentável: “É crucial harmonizar este interesse com a manutenção da saúde dos oceanos, para maximizar as possibilidades do país em lidar com as alterações climáticas”, defende. Neste sentido, a responsável considera que a Economia Azul deverá estar centrada na “análise e transparência de informação, replicar projetos mais sustentáveis e protetores do ambiente”, procurando “intervenções de menor impacto no ecossistema marinho”.
Quem parece corroborar com a mesma ideia é Carolina Silva, Project Officer da Associação ZERO, considerando que há ainda um grande caminho a percorrer para alinhar as atividades económicas do mar com os princípios da sustentabilidade e da conservação da biodiversidade marinha: “Continuamos a ver uma grande tendência de desenvolvimento da economia azul numa lógica direcionada para a sobrexploração do mar e não tanto para a proteção e valorização como capital natural”. E há aqui uma diferença: “Quando se perspetiva o mar neste quadro, abrem-se possibilidades muito maiores, não só em termos de incentivar economicamente a preservação marinha, como de garantir uma gestão e desenvolvimento muito mais sustentáveis das atividades marítimas”.
Focando-se na riqueza dos recursos, Ana Brazão, gestora de projetos da Fundação Oceano Azul, não tem dúvidas de que o oceano representa um enorme potencial de geração de emprego e inovação. E Portugal tem fortes vantagens competitivas neste aspeto, até porque “é um país rico em capital natural azul” e conta com “uma enorme diversidade de formas de vida marinha”, além de um “forte dinamismo do ecossistema”. No entanto, a “lacuna de investimento inicial nas startups” e o “fraco domínio técnico e científico das soluções por parte dos investidores” podem ser entraves à evolução da bioeconomia azul, além de que Portugal ainda não dispõe de todas as condições adequadas para assegurar o estabelecimento no país da maior parte das startups aceleradas.
Como aproveitar os benefícios da economia azul?
Portugal está, assim, numa posição privilegiada para desenvolver sustentavelmente as atividades económicas ligadas ao mar. A título de exemplo, Ana Matias destaca as “pescas (se geridas de forma sustentável)”, a “aquacultura (especialmente a extensiva)”, a “energia renovável offshore” sem “sobreposição com áreas classificadas” ou o “turismo (se respeitando todas as regras de coexistência com a vida selvagem e a capacidade de carga dos ecossistemas)”. No entanto, existem atividades que são impossíveis de compatibilizar com a preservação da natureza, como a “exploração de petróleo e gás” e a “mineração em mar profundo”.
Já Catarina Grilo considera que a economia azul, enquadrada num registo de sustentabilidade, poderá ser “completamente diferente daquela que vemos hoje ser anunciada e que fecha atualmente os olhos à sobre-exploração dos mares portugueses”, colocando em “risco não só os ecossistemas como a subsistência das próprias comunidades costeiras”. Na ótica da ANP|WWF, a economia azul deve ser pensada com base na “ideia de que temos de proteger a natureza” por ser a “base biofísica das nossas sociedades e economias”, garantindo-se o “adequado financiamento da ciência”, a “exclusão de Áreas Marinhas Protegidas, sítios da Rede Natura 2000 e corredores ecológicos das áreas prioritárias para renováveis offshore” ou a “valorização da biotecnologia azul”.
Os próximos 10 anos…
Desenvolvida de forma sustentável, a economia azul poderá ser um “ativo valioso” para Portugal na “exploração energética” e na “valorização e preservação marinha”, considera Carolina Silva, prevendo, nos próximos 10 anos, um crescimento contínuo, baseado “em conhecimento científico e na valorização do capital natural azul, e que possa ser benéfico para as pessoas e para o ambiente”.
Já Ana Brazão chama a atenção para a emergência climática e o declínio da biodiversidade: “Temos menos de uma década para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa a um nível que nos permita limitar o aquecimento a 1,5° C até ao final do século”. Por isso, a urgência de “abandonar o atual modelo económico extrativo linear baseado em combustíveis fósseis, traz o desafio de encontrarmos novas formas de produção de bens e serviços”, remata.
Este artigo foi incluído na edição 100 da Ambiente Magazine