Por: Ricardo Travado Reis, Advogado Estagiário na AMMC LEGAL
Esteve recentemente em consulta pública o projeto de decreto-lei que aprova medidas de simplificação de procedimentos administrativos em matéria de indústria, que constitui mais uma das iniciativas legislativas do Governo inseridas no quadro do SIMPLEX, com vista à redução dos encargos administrativos para as empresas. O diploma projetado introduz, assim, alterações que afetam diversos regimes jurídicos relativos à indústria, como o Sistema da Indústria Responsável (SIR), criado pelo Decreto-Lei n.º 169/2012, de 1 de agosto.
Note-se, no entanto, que esta não é a primeira vez que o legislador procura eliminar constrangimentos burocráticos no domínio da indústria que prejudicam a iniciativa económica privada. Com efeito, o SIR já tinha sido criado, precisamente, com o intuito de simplificar a atividade administrativa, tendo substituído outro regime que, por sua vez, também já tinha esse desiderato – o Regime de Exercício da Atividade Industrial, integrado no programa SIMPLEX. O SIR também já tinha sido alterado pelo Decreto-Lei n.º 73/2015, de 11 de maio, com a finalidade de simplificar a instalação e exploração dos estabelecimentos industriais (EI).
Desta vez, o legislador volta a propor diversas alterações no domínio da indústria em nome da desburocratização, incluindo, designadamente, a eliminação de qualquer procedimento ou formalidade para a exploração de EI de tipo 3 (os que apresentam o risco mais baixo, em função da sua atividade).
Recorde-se que os EI de tipo 3 estão, atualmente, sujeitos a um procedimento bastante simples – a mera comunicação prévia – bastando ao interessado, para iniciar a atividade, inserir no «Balcão do empreendedor» os dados necessários à caracterização do EI e respetiva atividade, bem como alguns documentos instrutórios, sendo emitida de forma automática e imediata o título digital de exploração e a guia para pagamento da taxa devida.
A eliminação do procedimento que agora se prevê não abrange todas as situações de EI, dado que continua a prever-se, em determinadas situações, a sujeição ao regime da mera comunicação prévia, designadamente quando a atividade a desenvolver se encontre abrangida por regime ambientais classificativos como, por exemplo, pelo Regime de Utilização dos Recursos Hídricos ou o Regime Geral de Gestão de Resíduos.
Ainda assim, a eliminação deste procedimento para a exploração de determinados EI de tipo 3 significa que, excetuando os casos acima mencionados, a exploração dos restantes EI de tipo 3 passa a não estar sujeita a qualquer procedimento administrativo! Atente-se que até as situações abrangidas pelo Regime jurídico de acesso e exercício de atividades de comércio, serviços e restauração se encontram, pelo menos, sujeitas à mera comunicação prévia.
O diploma projetado propõe, entre outras alterações, ainda uma medida transversal à atividade administrativa, isto é, que se aplica a todos os procedimentos administrativos e não apenas aos relativos à indústria. Trata-se da obrigação de, em determinadas situações, o procedimento ser decidido através de uma conferência procedimental deliberativa, isto é, numa reunião que permite que vários órgãos da Administração Pública exerçam, em conjunto, as suas competências, produzindo um único ato complexo que substitui a prática de todos os atos administrativos, pareceres ou pronúncias em sede de comunicação prévia que sejam necessários para a concretização de certos projetos.
São eles: i) projetos de Potencial Interesse Nacional (PIN); ii) projetos que envolvam investimento inicial bruto igual ou superior a € 25.000.000; iii) projetos financiados por fundos europeus; iv) projetos financiados pelo Plano de Recuperação e Resiliência e que envolvam investimento inicial bruto igual ou superior a € 25.000.000.
Procurando garantir a celeridade deste procedimento, o legislador pretende dotar esta fase procedimental de determinadas características específicas. Assim, por exemplo, cabem ao presidente desta conferência procedimental competências como: identificar quaisquer atos tácitos positivos ocorridos nos procedimentos envolvidos na conferência procedimental e reconhecê-los; elaborar e aprovar um cronograma para a concretização do projeto e exercer a competência para a direção de qualquer procedimento da responsabilidade de órgãos, serviços e pessoas coletivas públicas sob a direção, superintendência ou tutela do Governo quando o incumprimento dos prazos do cronograma possam comprometer ou dificultar de forma relevante o projeto.
Será este o fim da “cruzada” legislativa em nome da desburocratização do acesso à atividade industrial?