Para assinalar o Dia Internacional da Biodiversidade, a ZERO lança cinco desafios para incentivar e acelerar a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas em Portugal, considerando que o país deve tornar-se exemplo ao cumprir as políticas europeias e nacionais já definidas nesta matéria, nomeadamente a Estratégia da União Europeia para a Biodiversidade 2030 e a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade.
No que à implementação da Estratégia da UE diz respeito, podem-se destacar três objetivos centrais:
- transformar pelo menos 30 % superfície terrestre e marinha da Europa em áreas protegidas geridas de forma eficaz (Portugal tem neste momento cerca de 22% do seu território classificado)
- 10% da área com elevado valor em termos climáticos e de biodiversidade deve ter proteção estrita (as áreas hoje enquadráveis nesta categoria são residuais)
- melhorar o estado de conservação ou a tendência de, pelo menos, 30 % das espécies e habitats protegidos da UE que não se encontram atualmente em estado favorável.
1.º Desafio – Aprovação do Cadastro Nacional dos Valores Naturais Classificados e implementação de planos de ação para espécies ameaçadas
O Cadastro Nacional dos Valores Naturais Classificados é um instrumento de caráter operacional, previsto no
Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, que consiste num arquivo de informação sobre os valores naturais classificados e as espécies flora e fauna consideradas ameaçadas de acordo com os critérios daUICN (União Internacional para a Conservação da Natureza).
A criação do Cadastro, permitirá conferir proteção legal a todas as espécies com estatuto de ameaça que ocorrem no interior e fora das áreas classificadas, uma vez que estão previstas contraordenações ambientais puníveis por lei. Contudo, a aprovação desta ferramenta de conservação continua dependente da existência de regulamentação que está para ser publicada há 13 anos.
2.º Desafio – Definição e aplicação de uma estratégia de renaturalização de vastas áreas do território nacional
Para a ZERO, e para muitos investigadores e organizações que trabalham nesta área, a renaturalização deve ser
assumida pela autoridade nacional de conservação da natureza como estratégia preferencial para a conservação, uma vez que estamos perante uma abordagem eficaz na recuperação de sistemas complexos, para além de ser menos onerosa e de garantir melhores resultados para a conservação da biodiversidade no longo prazo, num contexto de grande exigência na União Europeia.
Todavia, esta abordagem exige uma diferente dos decisores políticos que encaram os territórios predominantemente como espaços de extração de recursos naturais (água, madeira, massas minerais) e de produção de energia, sem a devida preocupação com os passivos resultantes da artificialização dos solos ou com a qualidade de vida das populações locais no longo prazo.
3.º Desafio – Plano para a aquisição de terrenos públicos para conservação da natureza
Para a ZERO, este é o momento de inversão de uma política que, até hoje, pouco se preocupou com o facto de, apesar de afetarmos mais de 20% da área terrestre à conservação da natureza, fazermo-lo num quadro em que a propriedade pertence na quase totalidade a privados, o qual é impeditivo da execução de qualquer gestão ativa nos territórios classificados. Acresce o facto de que a Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030 estipula que os Estados-membros deverão preservar 30% da superfície terrestre, dos quais 10% com proteção estrita. Neste contexto, defende-se que, anualmente, o Fundo Ambiental possua uma verba de montante significativo para que Estado possa adquirir terrenos de interesse para a conservação, de acordo com prioridades bem definidas pela autoridade nacional de conservação natureza e da biodiversidade, de modo a que, ano após ano, aumente a área pública destinada à preservação de espécies ameaçadas, com especial incidência na salvaguarda de espécies inscritas no cadastro nacional dos valores naturais classificados. Ainda que em 2022 e em 2023 se tenha ensaiado algo do género, com a empresa pública Florestal a investir verbas do Fundo Ambiental na aquisição de parcelas em áreas com elevado valor natural e com estatuto de proteção, não existe uma estratégia minimamente definida e consequente a longo prazo que não misture a nem sempre compatível gestão florestal com preservação das espécies e dos seus habitats.
4.º Desafio – Alocação de meios financeiros nacionais e comunitários com prioridades bem definidas
Nunca a política pública possuiu tantos recursos financeiros disponíveis para a conservação da natureza, designadamente ao nível de verbas provenientes da União Europeia que serão geridas a nível regional, prevendo- se investimentos de 206 milhões do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, valor de 2,6% do total dos fundos comunitários com aplicação à escala regional. No entanto, para a ZERO são muitas as preocupações relativas à forma como irão ser gastos estes preciosos recursos, uma vez que são muito vagas as orientações existentes para a alocação das verbas.
Justifica-se, assim, uma consulta pública sobre a utilização das mesmas, sob pena de ficar ao critério das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional a aplicação de montantes significativos, sem que estas entidades possuam qualquer capacidade para identificar as prioridades de investimento e um quadro mínimo de resultados a atingir, podendo mesmo correr-se o risco de se financiarem projetos que nada têm a ver com gestão ativa, reabilitação ou restauro, mas sim com a chamada “valorização”, termo que, em geral, é sinónimo de mais pressão e destruição dos valores naturais. Acresce que estas verbas do FEDER deveriam de ser combinadas com recursos do Fundo Ambiental e outros Fundos da União Europeia, designadamente do programa LIFE, por forma a que, com uma parceria estratégica entre organismos públicos, organizações não governamentais de ambiente, a academia e outras entidades da sociedade civil, com objetivos muito bem definidos, se alavanque ainda mais o investimento público numa área tão necessitada.
5.º Desafio – Criação de uma cooperativa de interesse público para dinamizar a conservação do meio marinho
Porém, a preservação de 30% da área marinha, também estipulada pela Estratégia da EU para a Biodiversidade 2030, é a tarefa que se apresenta como a que possui maior grau de dificuldade, já que falamos de áreas vastas, de muitos interesses envolvidos e muitas vezes contraditórios e atribuições e competências partilhadas entre organismos públicos e até entre diferentes Ministérios. Para a ZERO, a política pública necessita de uma visão clara sobre o que se pretende conseguir nesta área e também sobre a forma de o conseguir, sendo que esta última é certamente decisiva para se encetar um processo que culmine na classificação de mais áreas e numa gestão eficaz. Tendo em conta que o principal constrangimento parece residir na dispersão de interesses e opiniões sobre o que será a política pública, parece fazer todo o sentido criar um organismo que agregue entidades públicas e privadas interessadas, com objetivos de estudo, gestão e vigilância de uma rede de áreas marinhas classificadas, na forma de cooperativa de interesse público (régie cooperativa), sem prejuízo da manutenção das atribuições e competências da diferentes entidades públicas que têm relação com o meio marinho. Como é evidente, esta régie cooperativa teria que ter meios humanos e operacionais que lhe permitissem cumprir os objetivos estatutários que estariam na base da sua criação, parte dos quais poderiam ser financiados por fundos da UE.