Apesar da ligação da humanidade com o mar de milhares de anos, continua-se a saber muito pouco sobre o oceano. E sobre o mar profundo sabe-se menos ainda. É um dos locais menos explorados pelo Homem, havendo especialistas a considerar que a humanidade sabe mais sobre a Lua ou sobre Marte do que sobre o fundo dos oceanos: Em números, conhece-se cerca de 10% do oceano e, se nos cingirmos ao mar profundo, o número baixa para 5%. Afinal, o que escondem os nossos oceanos? Esta foi uma das questões que levantamos a algumas especialistas sobre a área.
Porque é que tão importante explorar os oceanos?
O oceano é o “suporte de atividades económicas importantes para os países” e para “as três mil milhões de pessoas, em especial nos países em desenvolvimento e países insulares”, que dependem dele para o seu sustento, começa por referir Maria Santos, da ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável), relembrando, contudo, que, em contexto de emergência climática e do oceano, mais importante do que explorar, é adotar o Princípio da Precaução, implementando-se medidas de “conservação e recuperação” que permitam ao oceano continuar a fornecer os “serviços de ecossistema”, em particular os de “regulação do clima”, essenciais para fazer face às alterações climáticas e à crise da biodiversidade.
É precisamente no estabelecimento de medias de proteção efetivas, como perceber quando um impacto ambiental é significativo ou não, que Ana Matias, Coordenadora de Clima e Poluição na Sciaena, defende a importância de se aprofundar ainda mais o conhecimento deste ecossistema: “É necessário que o investimento financeiro, logístico e humano no conhecimento do meio permita, nesta fase, estabelecer uma base de referência para garantir que todas as atividades que lá decorrem e decorrerão têm os menores impactos possíveis”.
Mais importante do que explorar “o que mal conhecemos”, Bianca Chaim Mattos, Técnica de Políticas da ANP|WWF, considera ser fundamental “gerar conhecimento científico sobre os oceanos, acreditando que, “só assim, é possível conservá-lo de maneira eficaz e gerir atividades”. Por isso, tudo o que estiver relacionado com a “mineração em mar profundo” é visto pela especialista como uma “atividade extremamente perigosa”, podendo “gerar danos irreversíveis para o ambiente, para a economia e para as pessoas”. Uma vez que muitas das espécies que vivem nos fundos marinhos não se encontram em nenhuma outra parte do mundo, Bianca Chaim Mattos atenta que “perturbações num único local de mineração poderiam aniquilar espécies inteiras”, causando um “desequilíbrio ecossistémico” e “impactando atividades como a pesca” e, consequentemente, todas as pessoas que dela dependem: “Um estudo do Instituto OKEANOS indica que os sedimentos libertados durante a exploração mineral poderão dispersar por uma área equivalente a 10 mil campos de futebol e afetar ecossistemas marinhos vulneráveis e a pesca comercial”. Há ainda outros estudos, citados pela especialista da ANP|WWF, que indicam que “a mineração em mar profundo não é sequer necessária, pois a procura por minerais pode ser reduzida em 58% se apostarmos no desenvolvimento tecnológico, reciclagem e economia circular”.
O que escondem os oceanos?
Para Maria Santos, há um potencial imensurável de novas espécies por descobrir nestes ecossistemas em profundidade, que podem ser relevantes para o desenvolvimento da biotecnologia e da saúde, “por exemplo, no combate a doenças com o desenvolvimento de novos fármacos concebidos com recurso ao material genético de espécies marinhas que se adaptaram às condições inóspitas do fundo oceânico”. A par do solo e das florestas, o oceano assume também um papel de “sumidouro de carbono”, estando o seu verdadeiro potencial de absorção ainda por conhecer: “Estima-se, no entanto, que, nos fundos marinhos em particular, se possam acumular centenas de milhões de toneladas de carbono”, acrescenta.
A isto, soma-se que o oceano é um dos maiores aliados contra a crise climática: “Dados demonstram que absorveu 93% do calor produzido pelo ser humano, o que nos tem permitido manter condições de habitabilidade suportáveis. Se o mesmo calor absorvido pelos primeiros dois mil metros do oceano entre 1955 e 2010 tivesse ido para os primeiros 10 km da atmosfera, a Terra teria aquecido 36ºC”, refere Ana Matias. Assim, manter o oceano num estado saudável e aumentar a sua resiliência é fundamental para a própria sobrevivência da espécie humana, atenta a Coordenadora de Clima e Poluição na Sciaena, chamando a atenção para a necessidade de “mitigar as ameaças (sobrepesca, poluição, mineração, etc.) que lhe infligimos”.
Apesar dos fundos marinhos possuírem espécies que ainda não foram descobertas, Bianca Chaim Mattos refere que a “enorme riqueza e importância que estes ambientes têm” é já reconhecida. Além dos “incontáveis benefícios que as espécies marinhas podem oferecer às pessoas (por exemplo, a pesca representa um setor crucial para 800 milhões de pessoas no mundo, que dependem dela direta e indiretamente)”, a Técnica de Políticas da ANP|WWF reitera o potencial dos oceanos enquanto responsável pelo “armazenamento de carbono”, sendo o “maior stock de carbono do planeta”.
Exploração vs. Mineração em mar profundo
Sendo Portugal um dos países com uma das maiores zonas económicas exclusivas, a Economia Azul é tida como uma grande aposta para o desenvolvimento nacional. Contudo, atenta a especialista da ZERO, os benefícios a retirar dependem do “tipo de exploração que se pretende”, visto que certas atividades podem ameaçar a integridade dos ecossistemas marinhos: “Se, por um lado, há́ um enorme potencial para se produzir conhecimento científico neste domínio e desenvolver-se o campo da biotecnologia e da saúde, por outro, estar a aumentar cada vez mais a pressão sobre o oceano, extraindo recursos sem a devida implementação de medidas de restauro e proteção destes ecossistemas, poderá́ ter consequências negativas no próprio potencial da economia do mar no futuro”.
Na ótica da responsável da Sciaena, os cientistas de mar profundo consideram que “estamos a vários anos de distância de um conhecimento científico de base que permita compreender as complexas dinâmicas que existem entre os fatores físico-químicos e as comunidades vivas que lá existem”. E mesmo que estas premissas já estivessem cumpridas, a questão prende-se como e “se queremos iniciar mais uma atividade extrativa, que será mais um capítulo da economia linear, em vez de investir na circular?”, questiona.
Reiterando a mesma ideia, Bianca Chaim Mattos não tem dúvidas de que a mineração em mar profundo vai na contramão de uma economia azul sustentável, com economistas a projetar consequências financeiras de longo alcance para indústrias e comunidades que dependem de um oceano saudável: “O despejo de resíduos de minas na coluna de água poderia potencialmente libertar metais pesados na cadeia alimentar, tendo assim um impacto severo sobre a pesca e a saúde humana”, exemplifica. Além disso, “a atividade mineira nos fundos marinhos poderia causar a extinção de espécies inteiras”, alerta. Face ao “desconhecimento dos efeitos potencialmente devastadores da atividade mineira em mar profundo”, a ANP|WWF apela à necessidade do Governo aplicar o “Princípio da Precaução”, declarando uma “moratória a esta atividade em todas as áreas marinhas sob jurisdição nacional” e defender o mesmo para as águas internacionais: “Permitir a mineração em ambientes tão pristinos e valiosos é um retrocesso e não um passo em frente rumo a um futuro sustentável, equilibrado e equitativo”.
Como é que se deve assegurar a proteção dos ecossistemas marinhos?
Entre as várias medidas de proteção, Maria Santos destaca a importância de se apostar mais em “programas de proteção e conservação destes ecossistemas”, alocando recursos para “os monitorizar e para fiscalizar eficazmente as atividades suscetíveis de promoverem a sua degradação”. Ainda assim, “não é totalmente certo se será́ possível compatibilizar certas atividades de exploração com a proteção efetiva dos ecossistemas marinhos, especificamente no caso da mineração em mar profundo, ressalvando-se aqui a importância de estudar primeiro os potenciais impactos”, alerta.
Para Ana Matias, o conhecimento científico é a “base” para proteger o meio marinho e as medidas de gestão devem sempre levar em consideração a melhor ciência disponível: “É fundamental que os países cooperem e financiem conjuntamente medidas de proteção e regeneração dos ecossistemas marinhos para que continue a assegurar os serviços ecossistémicos que suportam todas as formas de vida”.
Já Bianca Chaim Mattos chama a atenção para a necessidade de se “estabelecer limites ambiciosos para as emissões de gases com efeito de estufa, apostar cada vez mais em modelos de economia circular e excluir atividades extrativas de áreas sensíveis e vulneráveis”. Reduzir a pegada ambiental também é urgente: “Os padrões políticos, de consumo e de mercado atuais continuam a fechar os olhos aos flagelos da poluição por plástico e da sobrepesca e dependem fortemente do transporte marítimo e outras atividades altamente poluentes, contribuindo para a Crise Climática, destruição de habitats e mortalidade direta de animais marinhos”, alerta a especialista. A mineração em mar profundo surge também como uma nova ameaça, reitera a responsável, reforçando a “urgência de uma moratória em águas nacionais e internacionais até que os riscos ambientais, sociais e económicos sejam compreendidos de forma abrangente e esteja claramente demonstrado que esta atividade pode ser gerida de forma a assegurar a efetiva proteção do ambiente marinho e evitar a perda de biodiversidade e salvaguardar as comunidades costeiras e a saúde humana”.
Este artigo foi incluído na edição 98 da Ambiente Magazine