Quatro Organizações Não Governamentais de Ambiente (ONGA) defendem que a proposta preliminar das áreas espacializadas para implantação de projetos de energias renováveis ‘offshore’ não reflete uma abordagem ecossistémica e precaucionária, e falha em desenvolver critérios para o desenvolvimento deste tipo de energia e que assegurem a salvaguarda do património natural, nomeadamente da vida selvagem e habitats.
A Associação Natureza Portugal (ANP|WWF), a Sciaena, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e a Associação ZEROA criticam assim a proposta apresentada pela Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, que se encontra em consulta pública até dia 10 de março.
As ONGA consideram que a definição das ‘go-to areas’ tem de ser baseada em mapas de sensibilidade para a vida selvagem e habitats e alertam para o facto de a proposta não considerar zonas de conservação, como a Rede Natura 2000, Áreas Marinhas Protegidas ou corredores migratórios para espécies sensíveis.
Três das nove áreas propostas para instalação de energia renovável ‘offshore’, em Matosinhos, Sintra-Cascais e Sines, sobrepõem-se a áreas da Rede Natura 2000, zonas importantes para as aves marinhas e cetáceos que, pelo que devem ser excluídas, assumem as associações ambientalistas.
“No caso da Ericeira, apesar de não estar sobreposta, a área definida não respeita as zonas tampão de duas Zonas de Proteção Especial (ZPE), devendo ser também retirada ou ver os seus limites repensados“, acrescentam.
Em comunicado, as associações afirma que, apesar de “a energia renovável ‘offshore’ desempenha um papel incontornável na transição energética europeia para uma economia resiliente e totalmente descarbonizada”, “é igualmente essencial que todos os projetos sejam considerados para além do ponto de vista da transição energética, englobando também a crescente degradação do nosso oceano e consequente necessidade de adotar abordagens ecossistémicas”.
De acordo com a avaliação preliminar baseada nos dados disponibilizados pelo documento em consulta, as ONGA revelam que, se incluíssemos as áreas que conflituam com áreas de Rede Natura 2000, seria ainda assim possível produzir, em média, 75% de toda a eletricidade que o país consome anualmente.
“A designação de áreas deve assentar numa criterização rigorosa, holística e clara que inclua aspetos ambientais, sócio-económicos e alinhados com a legislação ambiental existente, assente num processo transparente, baseado na melhor evidência científica disponível e participado por todos os atores relevantes”, pode ler-se no comunicado.
Além disso, segundo o documento, “deve fazer parte de um processo de ordenamento do espaço marítimo abrangente e complementado com a meta estabelecida pela Estratégia da Biodiversidade de proteger pelo menos 30% das águas da União Europeia (UE) até 2030.
Como tal, as associações ambientalistas sentem que é crucial “que qualquer desenvolvimento da atividade seja feito fora dos limites (incluindo zonas tampão em redor) das Áreas Marinhas Protegidas (AMP) e que não represente impactes negativos nas áreas integrantes da rede Natura 2000”.
Por outro lado, para as ONGA, todos os projetos e localizações devem ser sujeitos a estudos de impacte ambiental, incluir medidas que minimizem os efeitos nos ecossistemas e, em certos casos, incluir também aspetos de compensação ambiental ‘onsite’ e lidar diretamente com as espécies/habitats degradados.
É também preponderante, para as associações, “que a avaliação dos impactes cumulativos da exploração de energia eólica ‘offshore’ considere todas as interações possíveis, não só entre a própria atividade e o ambiente marinho, mas também entre atividades, nomeadamente a pesca, e que inclua a cooperação transnacional na ponderação desses impactos cumulativos.
No processo de seleção de projetos, as ONGA exigem que sejam incluídos, em concurso, 30% de critérios relacionados com aspetos não-financeiros, para que os projetos compitam não só no preço mas também nas medidas tomadas para reduzir o impacte nos ecossistemas marinhos, vida selvagem e nas próprias comunidades locais. “Na mesma linha, todos os projetos de energia renovável ‘offshore’ têm de ser monitorizados e o resultado dos estudos deve ser público”, acrescentam.
A par destes critérios, os princípios da precaução e da eficiência energética devem estar subjacentes a todas as fases do processo, defendem as associações ambientalistas, sobretudo porque, de acordo com o que é conhecido, a instalação de energia renovável ‘offshore’ destina-se sobretudo à produção de hidrogénio eletrolítico. Neste quadro, as associações insistem que diversos problemas devem ser considerados, “desde o transporte eficiente de eletricidade do mar para terra e com o menor impacte possível, até ao transporte de eletricidade em terra, que deve evitar percorrer longas distâncias ou atravessar áreas sensíveis”.
Sendo assim, é igualmente fundamental que “as ligações a terra sejam feitas aproveitando as redes de transporte de eletricidade de muito alta tensão já existentes”. As ONGA referem que “a construção de novas redes deve ser evitada ao máximo”. Contudo, notam que, nos casos em que seja efetivamente necessário, a nova rede de transporte deva intercetar a atual em áreas mais próximas de costa que não sejam conflituantes com áreas da Rede Natura 2000, bem como das áreas ocupadas por centrais de ciclo combinado (CCC) e instalações industriais intensas em termos energéticos.
A ANP|WWF, a Sciaena, a SPEA e a ZERO avisam que “a transição energética e a proteção da natureza não são, nem podem ser mutuamente exclusivas”. Este exercício concede a Portugal uma oportunidade de efetivar os seus objetivos climáticos e energéticos, mas não será bem-sucedido se não for implementado de forma holística e tendo em conta os desafios e impactes sobre o próprio oceano além de toda a vida marinha e comunidades locais que dele dependem.
“A conservação e restauro da natureza e a transição energética devem ser planeadas e implementadas paralelamente para que possam apoiar-se mutuamente na concretização dos objetivos climáticos, de biodiversidade e energéticos de Portugal”, concluem as ONGA.