Neste início de ano, com a energia a ocupar um lugar de destaque na lista das preocupações dos portugueses e, agora, com a saída de João Galamba da pasta do Ambiente e da Energia, a Ambiente Magazine está a auscultar vários especialistas sobre quais as perspetivas para este ano tendo em conta as adversidades vivenciadas no setor.
Tendo em conta a centralidade e exigência das diversas metas estabelecidas até 2030 no sentido da transição para um paradigma de desenvolvimento sustentável, expressas em diversos referenciais e compromissos internacionais, europeus e nacionais, João Meneses, secretário-geral do BCSD Portugal, constata que a fusão das pastas do Ambiente e da Energia não foi benéfica na orgânica deste Governo: “Pelo contrário, pode atrasar o cumprimentos dos diversos objetivos ambientais traçados para esta década. A própria transição energética, atualmente um dos desafios mais importantes, poderá sair prejudicada, por falta de dialética, de uma perspetiva mais holística”. Paralelamente, o responsável defende uma “melhor articulação” entre Ambiente e Economia: “Para quando a criação de um Gabinete de Apoio ao Investimento Sustentável e de um Selo PME Sustentável, por parte do IAPMEI (em articulação com a APA)?”. No entender do secretário-geral do BCSD Portugal, as PME nacionais precisam de apoio para fazerem a “transição das suas cadeias de valor para o novo paradigma da sustentabilidade” – e num curto espaço de tempo: “As novas diretrizes europeias, tendo o Pacto Ecológico Europeu com pano de fundo, serão cada vez mais exigentes, exigindo às PME novas competências e capacidade de inovação. A nossa economia só será mais competitiva e exportadora se esta aproximação se fizer rapidamente”.
Questionado sobre o facto de ter sido uma boa ou má proposta, João Meneses considera que a melhor decisão terá sido a da “criação de uma pasta focada especificamente na Habitação”, do ponto de vista social (e ambiental) uma “dimensão tão crítica do bem-estar e do desenvolvimento”. Quanto ao Ambiente, o BCSD Portugal defende que, em 2023, faria sentido uma Presidência Aberta do Ambiente: “Mário Soares fez duas na década de 1990 com bons resultados. Ora, os desafios ambientais que temos para esta década – e a necessária concertação social alargada que exigem – precisam de abordagens mais disruptivas e inspiradoras”. Contudo, há aspetos a ter em conta: “A Presidência Aberta exige, por um lado, uma profunda colaboração entre o Presidente da República e o Ministro do Ambiente e, por outro lado, urge aprofundar e operacionalizar alguns referenciais nacionais importantes, tais como o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, setor a setor”. Também a própria Lei de Bases do Clima prevê “regulamentação e medidas adicionais” para sair do papel: “Assim, a par dessa iniciativa mais macro e inspiracional da Presidência Aberta, defendemos também um aprofundamento dos referenciais nacionais nas diversas áreas do ambiente (não apenas da ação climática). A própria política fiscal, no sentido de se tornar mais verde, deveria ser objeto de um debate alargado”, sustenta.
“Se a Habitação se tornou autónoma devido à sua importância para o bem-estar social, também o Ambiente deve ter um tratamento mais específico e autónomo”
Sobre a separação da pasta do Ambiente e da Energia, João Meneses considera que os temas-chave da governação precisavam de uma “coordenação mais direta” por parte do primeiro-ministro: “No caso do desenvolvimento sustentável, por se tratar de um novo paradigma de desenvolvimento económico – que, a par da dimensão económica, integra as dimensões social e ambiental na mesma medida – seria importante haver uma visão e coordenação ao mais alto nível: há governos que têm unidades estratégicas de apoio ao primeiro-ministro, que são muito úteis a traçar estratégias para o futuro, nomeadamente em desafios que sejam mais transversais e complexos – como é o caso da transição para um novo paradigma de desenvolvimentos”. Assegurada essa “visão e coordenação ao mais alto nível” e a devida “concertação social”, o secretário-geral do BCSD Portugal acredita que a “junção do Ambiente com a Energia poderia não ser prejudicial”. Mas, “não sendo o caso, parece-nos redutora e potencialmente prejudicial para a consecução de algumas metas ambientais importantes. Se a Habitação se tornou autónoma devido à sua importância para o bem-estar social, também o Ambiente deve ter um tratamento mais específico e autónomo”, atenta.
Perspetivando 2023, João Meneses espera que a guerra na Ucrânia tenha como consequência positiva o “acelerar da transição” para um paradigma de energia assente em fonte renováveis: “Não só a UE está comprometida em reduzir as suas emissões em 55% até 2030, como a dependência de combustíveis fósseis acarreta sérios riscos geopolíticos”. A isto, soma-se que “a soberania da UE e o bem-estar dos cidadãos europeus tem, no tema da energia, um aspetos central”, sustenta o responsável, lembrando que, por outro lado, “há novas cadeias de valor e tecnologias que esperemos que em 2023 progridam, entre as quais, o hidrogénio verde”. E a aposta recente em “gasodutos” não deixa, segundo João Meneses, de ser uma “aposta em combustíveis fósseis” que, por isso, deve ser temporária. Obviamente, um novo paradigma assente em energias renováveis, levanta outras questões, reconhece o responsável, dando como exemplo a “questão da mineração e das novas cadeias de valor de suporte: novamente, urge a ligação (estratégica) entre Ambiente e Economia – devendo a ecologia preceder a economia”.
Aos portugueses o BCSD Portugal recomenda a necessidade de se “repensar hábitos de mobilidade”, nomeadamente, “maior recurso a transportes públicos e a mobilidade pedonal ou através de meios suaves (como as bicicletas)”. A isto soma-se a a importância da “máxima eficiência energética”, procurando não perder conforto em aspetos essenciais: “Maior autonomia energética, através da instalação de painéis solares e outras soluções. Exigir aos fornecedores soluções mais assentes em energias renováveis. Abandonar os automóveis a combustíveis fósseis”, remata.