“Vamos ter de aprender a viver com menos água”. Este alerta é de Pimenta Machado, vice-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que falava esta quinta-feira, 10 de novembro, no webinar “Water 2 Business”, promovido pela APEMETA – Associação Portuguesa de Empresas de Tecnologias Ambientais.
Apesar dos desafios e dos impactos das alterações climáticas já sentidos, Pimenta Machado reconhece o “caminho notável” que Portugal fez na gestão da água: “Hoje, temos 99% da água da torneira segura; nas praias, os indicadores também são muito bons com 97% de água com qualidade, sendo que, Portugal é o sexto país europeu com maior número de praias com bandeira azul”.
Mas, quando se fala em consumos, o vice-presidente da APA refere que, em Portugal, consome-se “dois Alquevas” para satisfazer todas as utilizações, sendo a agricultura o principal utilizador (74%), seguido do setor urbano e indústrias. Do ponto de vista de captações, os dados da ERSAR indicam que são consumidos 131 litros por habitante por dia, quando a ONU recomenda apenas 110 litros: “Há um caminho a fazer do lado da poupança e eficiência”, atenta. Quanto ao desempenho, os dados mostram que o setor urbano regista, em média, perdas físicas na ordem dos 25%: “Se é verdade que temos sistemas que têm um desempenho do melhor que há, a verdade que temos sistemas com perdas superiores a 50, 60 ou 70%”, alerta, acrescentando que, no caso da agricultura, as perdas andam na ordem dos 35%: “Temos de medir e monitorizar mais neste setor”, recomenda.
Avaliando o ano 2022, Pimenta Machado reconhece que foi um “ano difícil” em termos de seca, sendo o terceiro mais seco de sempre: “O mês de outubro foi o mais quente registado na Europa. Em Portugal, registaram-se quatro ondas de calor de maio a agosto, resultando no aumento dos consumos de água”. Neste sentido, o vice-presidente da APA partilha três realidades alarmantes demonstradoras das alterações sentidas no clima e, consequentemente, no país: “Nos últimos 20 anos, há uma redução assimétrica da precipitação de 20 a 30%, sendo que há zonas em Portugal que são mais afetadas do que outras. Nos últimos 5 anos hidrológicos, a precipitação foi próxima ou inferior ao normal, traduzindo-se em menos disponibilidade e em todas as bacias há uma redução de escoamento”.
Os dados mostram também que a precipitação, na maioria das vezes, esteve abaixo da média: “Janeiro e fevereiro foram muito secos: choveu 11% em janeiro e 10% em fevereiro”, precisa o administrador, acrescentando que “Março melhorou com a precipitação acima da média, mas depois voltaram meses muito secos”. Apesar das chuvas de setembro e outubro terem permitido recuperações em zonas como a Bacia do Lima (Barragem do Alto Lindoso) ou no Vouga, a sul, na bacia do Tejo, ou na região do Alentejo e Algarve, os efeitos não foram muito significativos: “Dados de novembro mostram que há albufeiras com valores abaixo dos 20%”, alerta.
Nos desafios na gestão integrada da oferta e da procura e sobre as respostas ao contexto de seca, Pimenta Machado defende que, do lado da procura, a aposta deve passar pela eficiência, reduzindo-se as perdas de águas nos sistemas: “É a nossa primeira grande prioridade, apostar na eficiência”. Do lado da oferta, o vice-presidente da APA, apesar de não negar a possibilidade de se fazerem novas barragens, defende a aposta nas águas de reutilização (APR) para usos não potáveis, dando como exemplo o Algarve que já recorre à água das ETAR para campos de golfe, sendo que o objetivo é multiplicar estes usos. Ainda neste âmbito, o responsável lembra que Portugal também está a fazer a primeira grande central de dessalinização no Algarve financiada pelo PRR (Plano de Recuperação e Resiliência). Sendo o Algarve uma das zonas mais afetadas pela seca, Pimenta Machado lembra que, no Plano de Gestão de Eficiência Hídrica para o Algarve, há uma grande aposta na eficiência da agricultura e do setor urbano “São 200 milhões de euros para finalizar um conjunto de projetos para tornar a região do Algarve mais resiliente”.
Num contexto marcado por uma nova realidade, o vice-presidente da APA reitera a importância de Portugal ter que se adaptar e aprender a viver com menos água. Neste sentido, defende o reforço de “mais planeamento, mais monitorização e mais digitalização, até porque só se gere o que se mede e temos de medir mais para termos melhor informação e, assim, gerir melhor”.
Apesar do “ano difícil”, o responsável constata que o país nunca esteve tão bem preparado para enfrentar situações de seca: “Temos mais conhecimento, mais informações, mais instrumentos e mais financiamento disponível”.