São tempos difíceis para quem vive de e para a agricultura. Os últimos acontecimentos, como a Guerra na Ucrânia, têm afetado fortemente esta atividade e, não havendo solução, perspetivam-se riscos desastrosos. Mas não são só os efeitos desta crise que têm impactado o setor: as alterações climáticas, vistas como a ameaça do século XXI, também estão a provocar mudanças significativas na atividade. Tendo a agricultura como pano de fundo, fomos ao encontro de Eduardo Oliveira Sousa, uma personalidade que ao longo do seu percurso profissional tem assumido vários cargos, todos ligados à agricultura. Nasceu em maio de 1953 e é licenciado em Engenharia Agronómica pelo Instituto Superior de Agronomia. Desde 2017 exerce a presidência da CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal. Nesta conversa, entre muitas confissões, ficou a partilha do desejo de vir a assistir a um verdadeiro reconhecimento por parte da população e do Governo do valor intrínseco que significa a agricultura e os agricultores em Portugal.
Para uma transição acelerada é necessária uma maior integração dos objetivos ambientais. Esta é a ideia da criação dos pagamentos ecológicos denominados de “ecorregimes” com a alocação de uma uma verba que poderá rondar os 150 milhões de euros.
Isso enquadra-se nas medidas de apoio à implementação dos objetivos da “estratégia para a biodiversidade” e do “farm to fork” (estratégia europeia “do prado ao prato”), ambos componentes do Green Deal. Partindo do princípio que os preços de mercado dos produtos produzidos na união europeia poderão acarretar alguma falta de competitividade face a outros que venham de outras origens, havendo uma compensação pelo “bom comportamento” dos agricultores na prática da agricultura que desenvolvem, os “ecorregimes” poderão ajudar a superar essas diferenças. São medidas de apoio a um incremento da sustentabilidade da prática agrícola, independentemente do que produza.
O Governo disse que o PEPAC é uma reforma não disruptiva atendendo à realidade do setor. Precisaríamos de uma reforma que olhasse para de uma forma diferente para todos problemas da agricultura?
É bom que o PEPAC não seja disruptivo, porque na agricultura não se conseguem obter resultados de alterações em meia dúzia de anos. Tudo na agricultura e na floresta leva dezenas de anos, seja a consolidar modelos, seja a entrar em novas culturas. Como os ciclos da política agrícola são curtos (sete anos), não é possível estarmos a imaginar que a política agrícola mude completamente. Se houvesse, de facto, uma disrupção – fazer tudo diferente – haveria um desastre. É bom que o PEPAC assegure uma perspetiva de evolução e de alguma transição, enquadrando as duas. Por isso, lamentamos não termos sido envolvidos aprofundadamente na construção naquilo a que se chama a “arquitetura verde” da nova Política de Agrícola Comum. Nós somos quem está no terreno, quem sabe identificar os constrangimentos do passado e como se pode melhorar no futuro, dentro do espírito do Green Deal; não sendo feito por quem está no terreno e sendo feito apenas teoricamente, num qualquer gabinete, nunca poderá dar bom resultado. Essa é nossa crítica.
É um setor com necessidade de capacidade para atrair mais jovens empresários. Como se pode captar talento jovem para a agricultura?
Em qualquer setor de atividade que um jovem se queira instalar, a primeira preocupação que tem de haver é que aquilo que ele vai fazer seja economicamente sustentável. Se não tiver sustentabilidade económica, ele irá abandonar a atividade muito rapidamente, ainda antes de perder a sua condição de jovem. Portanto, têm de ser muito bem acompanhados e tem que haver um conjunto abrangente e envolvente de infraestruturas e meios que permita contribuir para a tal sustentabilidade do projeto do jovem agricultor. Se um projeto for sustentável economicamente e com durabilidade, ele imediatamente abraça os outros dois componentes da sustentabilidade: o social, porque precisa de trabalho e dar trabalho e de viver algures onde compra e consome, e na perspetiva ambiental, porque, sendo agricultor, não há agricultura sem ambiente. Os jovens têm de ser o alvo de políticas muito bem desenhadas, que não o estão a ser; estão a ser “largados” no território, muitas vezes com base em projetos feitos de qualquer maneira, e isso tem de acabar. Lançámos um desafio ao Ministério de Agricultura para que fizesse uma análise aos últimos 20 anos e que fosse à procura dos milhares de projetos de jovens agricultores que foram aprovados, quantos subsistem, quantos cessaram, [perceber] porque falharam e o que aconteceu para se poder identificar, mitigar e resolver as causas. Se nada acontecer, continuaremos a atirar dinheiro para cima dum problema. Dou dois exemplos que podem parecer antagónicos, mas que podem ajudar ao sucesso de uma política de atração de jovens para a agricultura: água e energia, e 5G. A transição digital (temos um Ministério para esse efeito) está na ordem do dia; o teletrabalho que nos foi imposto no COVID levou as pessoas a perceber a potencialidade de fazer coisas através da informática e da internet, e são os jovens que mais utilizam estes recursos. Se houver um jovem que queira fazer um projeto inovador associado por exemplo à produção de fruta, com objetivos de produzir aquela fruta para aquele mercado, que estudou previamente, se tiver água, energia compatível e 5G, pode fazer isso no Interior, no Centro ou no Sul do país. Mas, se quiser fazê-lo sem recursos suplementares de água, face às alterações climáticas, sem internet de qualidade e sem acesso ao mercado internacional através de uma boa rede de internet, o jovem vai para o Litoral e aí a concorrência pela terra é brutal e mantemos o tal desequilíbrio demográfico. Temos de ter recursos integrados. Ao contrário da imagem que é passada, temos recursos hídricos no país por explorar, que, se forem geridos de forma diferente e com algum acréscimo da capacidade de armazenamento, que permita aumentar a quantidade de água a ser utilizada na atividade económica, sem pôr em causa os fluxos normais dos rios e sem afetar o funcionamento natural do ciclo da água, contribuem para uma melhor coesão territorial e desenvolvimento regional.
Como é que a vê a investigação e o trabalho das universidades no domínio da agricultura em Portugal?
Vejo muito bem e numa perspetiva de abertura. O território português está preenchido com Universidades de Norte a Sul, muitas estão em meio rural e todas elas têm programa e cursos vocacionados para a agricultura. Portanto, se houver uma estratégia de aproximação, os agricultores estão muito recetivos a esse “casamento”. Por isso é bom que haja programas de financiamento para que as universidades, em conjugação com as estruturas dos agricultores, se dediquem a produzir investigação e conhecimento para a modernização e desenvolvimento económico agrícola.
E como vê o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) em matéria de agricultura?
O PRR dedicou ao setor agro 93 milhões de euros, mas o PRR tem, agora, quase 18 mil milhões de euros. Esses 93 milhões foram entregues ao Ministério da Agricultura para aplicar em estruturas próprias. Ou seja, vai recuperar centros de investigação do Ministério da Agricultura, vai fazer obras de construção civil e vai eventualmente fazer coisas que não deveriam ser enquadradas numa perspetiva de investimentos no conhecimento da agricultura. É a crítica que fazemos. Por exemplo, nesta questão do 5G, o Governo da Alemanha pegou no dinheiro que recebeu do concurso e investiu na infraestrutura para levar o 5G às zonas de baixa densidade. Portugal exigiu no contrato com as empresas que ganharam o concurso que cobrisse 80% da população e não do território: como a maioria da população está no Litoral, a cobertura do 5G não prevê a totalidade do território. Defendo que deveria haver uma atenção nessa área em termos de PRR. Mas agora temos outros problemas, nomeadamente aqueles que estão associados à questão do armazenamento da água e da gestão dos recursos hídricos; precisamos que o Estado olhe para esta questão de uma forma diferente daquela que tem olhado até agora e, para isso, vão ser precisos alguns projetos estruturantes, o do Tejo, o de Trás-Os-Montes e o do Algarve. São projetos que têm de ser financiados pelo PRR para poderem ser feitos em tempo útil, com disponibilidades financeiras diferentes daquelas que temos tido. A oportunidade é agora. A evidência está aí: a seca não é uma miragem! As consequências da guerra, associadas às da seca, potenciam um desastre, que tem de ser evitado – e há formas de o conseguir – se não quisermos que o território seja abandonado.
Que desejo gostaria de ver concretizado enquanto presidente da CAP?
Gostaria que a população e o Governo sentissem que a agricultura é um setor verdadeiramente estratégico em Portugal, que houvesse um reconhecimento do valor intrínseco de haver agricultura e agricultores. O segundo desejo era que se sentisse que os três macroproblemas do país para o setor – floresta, energia e água – pudessem ser melhor compreendidos por quem governa, para que as decisões políticas fossem um pouco no sentido da nossa visão. Isso seria “a cereja no topo do bolo”, independentemente dos meus mandatos serem ou não positivos. Essa é uma avaliação que não me compete a mim fazer: é uma avaliação que será feita por quem cá me pôs, depois de eu sair. Até lá, gostaria de sentir que o poder político não olha para o setor agrícola como um setor nocivo, como é dado a entender por algumas facções políticas que existem entre nós, mas como um setor fundamental de equilíbrio de riqueza na floresta, onde a economia está de rastos, na água, com o país a pensar no futuro, e na energia, para que, através da produção de energia fotovoltaica, os agricultores possam ser um valor acrescentado, no sentido de diminuir a dependência da energia do exterior e de fazer baixar os custos de energia na utilização agrícola. Estas são, para mim, as três mensagens que, ainda por cima, se conjungam todas no Ministério do Ambiente.
Se lhe pedir para perspetivar o setor da agricultura nos próximos 20 anos, como o imagina?
É muito complicado fazer esse exercício. Mais por eu não perceber muito bem o que estas alterações climáticas nos trarão, do que propriamente duvidar ou não ter confiança no futuro da agricultura. A agricultura é talvez a primeira atividade humana, que passou depois a ser uma atividade económica, e será a última a desaparecer. A humanidade pode até desaparecer da Terra, mas a agricultura só desaparecerá quando a humanidade estiver na iminência de desaparecer da Terra. Portanto, não vai ser daqui a 20 anos que a agricultura será muito diferente daquilo que é hoje.
Esta é a segunda parte da Grande Entrevista incluída na edição 95 da Ambiente Magazine