Quase metade de todas as espécies de aves estão em declínio, e muitas populações estão gravemente reduzidas. A conclusão é do mais recente relatório “Estado das Aves do Mundo 2022”, publicado pela BirdLife International, associação da qual a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) faz parte.
Publicado de quatro em quatro anos pela BirdLife International, este relatório revela que “uma em cada oito espécies de ave está atualmente ameaçada de extinção”. A análise resume o que as aves dizem sobre o estado da natureza, as pressões a que está sujeita, as soluções implementadas e as que são necessárias. O atual estudo conclui que uma das mais importantes ações necessárias é a “conservação, proteção e gestão efetiva dos locais mais críticos para as aves e a biodiversidade”.
De acordo com Hany Alonso, técnico da SPEA e coordenador de alguns dos censos de aves que fornecem dados para análises como este relatório, “uma das ações que este relatório identifica como mais urgentes é proteger as áreas importantes para as aves e a biodiversidade – áreas como o Estuário do Tejo, que é crucial para milhares de aves a nível internacional, e que está seriamente ameaçado pelo proposto aeroporto do Montijo”.
Atualmente, quase metade das espécies de ave do mundo estão em declínio, com apenas 6% a aumentar. Embora os dados de tendências a longo prazo nas populações de aves sejam mais completos para a Europa e América do Norte, há cada vez mais evidências de que os declínios estão a decorrer por todo o globo, desde espécies de floresta e zonas húmidas no Japão até rapinas no Quénia.
Em Portugal, os dados mais recentes (relativos ao período 2007-2018), citados pela SPEA, indicam que “há 53 espécies de aves em declínio, enquanto 38 estarão a aumentar e 32 estão estáveis”. No entanto, “para 63 espécies no país não há informação sobre o estado das suas populações, e outras 52 têm tendência incerta – uma situação preocupante que demonstra a necessidade de maior monitorização para serem recolhidos dados que permitam uma boa avaliação o estado das espécies”, alerta a Associação.
Para além de evidenciar os dramáticos declínios de populações de aves no mundo, o “Estado das Aves do Mundo 2022” detalha também os fatores que levam a essas perdas:
- As alterações climáticas são também uma ameaça considerável, que já está a ter impactos devastadores nas aves do mundo. 34% das espécies ameaçadas já estão a ser afetadas, e prevê-se que o nosso clima em mudança venha rapidamente a tornar-se um problema ainda maior.
- A exploração madeireira e gestão florestal insustentáveis são também ameaças significativas, com a perda de mais de 7 milhões de hectares de floresta todos os anos a impactar metade de todas as espécies de aves ameaçadas.
- Na Etiópia, a perda de prados para a agricultura desde 2007 causou uma redução de 80% no número de Cotovias-de-Liben– uma espécie endémica, que não existe em mais nenhum local do mundo.
- O aumento da mecanização, o uso de agroquímicos e a conversão de prados e pastagens permanentes em áreas de cultivo causou um declínio de 57% nas aves de ecossistemas agrícolas da Europa, desde 1980.
- A expansão e intensificação agrícola é a maior ameaça às aves do mundo, afetando 73% de todas as espécies ameaçadas. Esta é também a maior ameaça às aves em Portugal, causando declínios acentuados de espécies como o sisão, a águia-caçadeira (ou tartaranhão-caçador), e os picanços.
“As aves contam-nos sobre a saúde do nosso ambiente natural – se ignorarmos as suas mensagens pomo-nos em risco a nós próprios. Muitas partes do mundo já estão a sofrer com incêndios extremos, secas, ondas de calor e inundações, à medida que os ecossistemas transformados pelo ser humano têm dificuldade em adaptar-se às alterações climáticas. Embora a pandemia COVID e a crise económica global tenham desviado a atenção da agenda ambiental, a sociedade mundial tem de manter o foco na crise da biodiversidade”, diz Patrícia Zurita, CEO da BirdLife International.
O “Estado das Aves do Mundo 2022” também mostra as soluções necessárias para lidar com a crise da biodiversidade, muitas das quais estão a ser implementadas em alguns lugares do mundo. Por isso, é fundamental “salvaguardar e proteger locais importantes para a natureza, restaurar ecossistemas danificados, e combater ameaças cruciais às aves e à biodiversidade”, recomenda o estudo.
Apesar do estado preocupante do mundo natural, as ações efetivas são demonstradoras de casos de sucesso. Desde 2013, “726 espécies de aves globalmente ameaçadas beneficiaram diretamente de ações dos parceiros BirdLife, e mais de 450 IBAs foram designadas como áreas protegidas graças aos esforços dos membros da BirdLife”. Exemplos disso em Portugal, são o priolo, ave que só existe na ilha de São Miguel, Açores, e que a SPEA conseguiu salvar da extinção, e o caso da Zona de Proteção Especial de Aveiro-Nazaré que foi classificada em 2015. Desta forma, “colmatou-se uma falha existente pois as áreas de alimentação e descanso da pardela-balear (ave marinha mais ameaçada da Europa) na costa portuguesa não estavam cobertas pela rede de áreas protegidas”, aponta a SPEA. Desde 2008, “essas áreas estavam identificadas como IBAs, um trabalho que decorreu no âmbito do Life IBAs Marinhas, que ajudou a identificar as Áreas Importantes para as Aves nos ecossistemas marinhos”, refere a Associação.
“A investigação da BirdLife International mostra que entre 21 e 32 espécies de aves se teriam extinguido desde 1993 se não fossem os esforços de conservação para as salvar. Espécies como o priolo nos Açores ou o condor da Califórnia já não existiriam fora de museus se não fossem os esforços da SPEA e das muitas organizações na parceria BirdLife e mais além. A natureza consegue recuperar, mas temos de lhe dar essa oportunidade”, sucinta Hany Alonso.