Capacitar Cabo Verde a melhorar a qualidade da água proveniente do tratamento de águas residuais. Este é o objetivo principal do projeto Phos-Value, uma iniciativa inovadora implementada pela AquaInSilico e promovida pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, com o apoio das Agências Sueca e Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento, conhecidas por Sida e Norad, que estimula o ODS14.
Em declarações à Ambiente Magazine, Jorge Santos, CEO da AquaInSilico, uma spin-out da Universidade Nova de Lisboa, começa por destacar que o “aumento da eficiência de tratamento de águas” vai permitir à população cabo-verdiana ter acesso a água residual tratada com “maior qualidade, reduzir a poluição das águas e a eutrofização marinha”. As soluções sustentáveis apresentadas pelo Phos-Value serão concebidas pelas “ferramentas digitais da AquaInSilico”, que permitem às “estações de tratamento de águas residuais tratar eficientemente efluentes com grandes concentrações de nutrientes”, possibilitando também a “reutilização da água tratada para rega ou lavagens”. Estas ferramentas digitais incorporam “algoritmos sofisticados e modelos matemáticos” que permitem “prever a possibilidade de recuperação de recursos, como biofertilizantes para uso agrícola, biogás para produção de energia, ou mesmo bioplásticos”, adianta o responsável, destacando que “estes recursos poderão ser uma fonte de receita para as estações de tratamento de águas residuais” e, consequentemente, “a implementação deste projeto terá repercussões positivas não só a nível da qualidade ambiental, como também a nível económico e social”. Com este projeto, estimula-se também a “promoção do conceito de economia circular” na área do “tratamento de águas residuais” e na “recuperação de recursos de valor acrescentado”, sucinta.
Sendo Cabo Verde um país muito vulnerável às alterações climáticas, onde a escassez de água é notória, dando origem a secas severas, este projeto afigura-se de extrema importância: “O Governo reconhece que o acesso a água residual tratada de boa qualidade é estratégico e fundamental para o desenvolvimento sustentável do país, pelo que a melhoria dos processos existentes de tratamento de águas residuais e a reutilização da água tratada é imperativa”.
[blockquote style=”1″]”A baixa eficiência de algumas estações de tratamento de águas residuais deterioram a qualidade da água existente na ilha”[/blockquote]
Apesar dos esforços estruturais feitos pelo país para “reforçar a qualidade do tratamento de águas residuais”, aumentando a capacidade da rede de saneamento e substituindo o tratamento em fossas domésticas por estações de tratamento de águas residuais municipais, Jorge Santos afirma que, “por vezes, as estações de tratamento estão a funcionar aquém do que foram dimensionadas”, quer por falta de capacidade técnica, quer por dificuldades de manutenção ou operação: “A baixa eficiência de algumas estações de tratamento de águas residuais deterioram a qualidade da água existente na ilha, cuja quantidade já é limitada”. Reconhecendo-se que o acesso à água potável de boa qualidade é imprescindível para “aumentar a qualidade de vida da população”, o responsável não tem dúvidas da necessidade de “englobar o setor do tratamento de águas residuais no conceito de economia circular”, aumentando a “qualidade da água tratada que poderá ser usada para fins não potáveis”, como por exemplo, na “rega e lavagens de ruas”.
[blockquote style=”1″]”…foi estabelecido um “consórcio” com parceiros locais inclusivos, de forma a “reduzir a pobreza, aumentar a igualdade de género e, consequentemente, a qualidade de vida”[/blockquote]
O papel da AquaInSilico materializa-se, portanto, através da “disponibilização de ferramentas de inteligência digital” que ajudam a “aumentar a eficiência de tratamento de águas residuais”, reduzindo os “custos das empresas gestoras” e aumentando a sua “capacidade para a produção de produtos de valor acrescentado a partir de resíduos”, contribuindo, por isso, para uma economia circular. No decorrer deste projeto, Jorge Santos explica que a AquaInSilico pretende implementar as tecnologias por si desenvolvidas com o objetivo de “acelerar transformações estruturais para o desenvolvimento sustentável do setor das águas residuais” em Cabo Verde; “promover um modelo de economia circular que possa ser replicado nas mais variadas indústrias de tratamento de águas residuais, não só prevenindo a eutrofização marinha como também possibilitando a recuperação de novos produtos, como biofertilizantes, biogás e bioplásticos, que podem ser uma fonte de rendimento para as estações de tratamento de água”; e “contribuir para a melhoria da qualidade da água em Cabo Verde, aumentando a eficiência do tratamento de águas residuais”.
Para estes objetivos, foi estabelecido um “consórcio” com parceiros locais inclusivos, de forma a “reduzir a pobreza, aumentar a igualdade de género e, consequentemente, a qualidade de vida”. Nesse sentido, estão também a ser realizadas “formações com o intuito de capacitar profissionais a utilizar as melhores práticas de monitorização das estações de tratamento de águas residuais e técnicas de análises”, de forma a “garantir a melhoria contínua do setor do tratamento de águas residuais”, refere. Ainda neste âmbito, haverá um “intercâmbio de técnicos operacionais do setor do tratamento de águas residuais”, no qual equipas da AquaInSilico e da Águas de Portugal Internacional – parceira do projeto, vão visitar Cabo Verde e, por sua vez, equipas cabo verdianas vão passar um período em Portugal, com o objetivo de conhecer as estações de tratamento de água e a estabelecer contacto com as boas práticas praticadas no país, destaca.
Relativamente às valias deste projeto, sublinha-se o impacto muito positivo no ambiente, bem como na saúde da população. Focando, primeiramente, nos impactos ambientais, Jorge Santos destaca a “redução e o impedimento dos processos de eutrofização que poluem os rios e os oceanos” e, provocam a “deterioração dos meios aquáticos”. No que à saúde diz respeito, um aumento da eficiência do tratamento de água “reduz a quantidade de químicos e agentes patogénicos que são libertados pelas estações de tratamento de águas residuais”, e aos quais a “população em geral acaba por ter contacto direto ou indireto”, quer através do “consumo de fruta ou peixe contaminado por poluentes que não foram efetivamente tratados”, quer de “atividades de lazer”, como os “banhos no mar”, exemplifica.
[blockquote style=”1″]”… a ETAR de Santa Catarina funcione como um “piloto de boas práticas” a serem replicadas noutras estações de tratamento de águas residuais”[/blockquote]
Uma vez que se trata de um “país insular”, o responsável dá nota das “grande dificuldade” que Cabo Verde enfrenta na “importação de material necessário para a implementação deste projeto e para a construção de infraestruturas no geral”, sendo esta uma grande barreira do Phos-Value. Contudo, as “sugestões de melhoria apresentadas” vão primeiramente focar-se em “opções que não exijam uma grande alteração estrutural da estação de tratamento de águas de Santa Catarina”, passando por “alterações do seu funcionamento base, tirando máximo partido das infraestruturas já existentes”, ou que “requerem apenas pequenas modificações que estejam ao alcance do que a entidade gestora consegue fazer”, explica.
Com a duração de dois anos e com término previsto em fevereiro de 2023, faz parte da estratégia da AquaInSilico, e dos respetivos parceiros, a replicação do Phos-Value para outras Estações de tratamento de água residuais em Cabo Verde, bem como outros países vulneráveis à seca extrema, seja em países desenvolvidos, como Portugal e Espanha, seja em Países em desenvolvimento, como os PALOPs, afirma.
Uma das expectativas deste projeto, tal como partilha Jorge Santos, é que a ETAR de Santa Catarina funcione como um “piloto de boas práticas” a serem replicadas noutras estações de tratamento de águas residuais: “Este projeto pretende ainda reunir financiamento extra para ser replicado em outras estações de tratamento de água residuais em Cabo Verde, contribuindo assim de forma direta e indireta para o aumento da qualidade de vida, melhoria das condições sanitárias, redução da pobreza e para promoção da igualdade de género”.
Para além da Águas de Portugal Internacional, o Phos-Value conta com a colaboração da Agência Nacional de Água e Saneamento de Cabo Verde e com o apoio das Águas de Santiago (Cabo Verde), onde o projeto está a ser implementado, a Universidade Nova de Lisboa e a Parceria Portuguesa para a Água.