“Muitas centrais de biomassa para produção de eletricidade e fábricas de pellets na União Europeia (UE) estão a utilizar árvores abatidas diretamente das florestas, apesar de afirmarem categoricamente que utilizam como fonte de combustível e matéria-prima serradura e outros resíduos da indústria madeireira”. Esta é uma das conclusões do relatório “Como a UE Queima Árvores em Nome das Energias Renováveis” publicado pela Aliança dos Defensores das Florestas (Forest Defenders Alliance), uma coligação internacional de Organizações Não Governamentais (ONG) ambientais, da qual a ZERO faz parte.
Num comunicado, a ZERO lembra que cientistas consultores da Comissão Europeia já advertiram que a queima de árvores para fins energéticos prejudica tanto os objetivos climáticos da UE como de restauração dos ecossistemas.
O relatório inclui fotografias de mais de 40 centrais de biomassa e pellets em toda a Europa que parecem estar a utilizar rolaria (troncos de árvores) como combustível e matéria-prima. “As fotos do relatório foram obtidas a partir de várias fontes de informação pública e de fotografias dos locais, incluindo fotografias aéreas do Google Maps/Earth, Google Street View, bem como imagens e vídeos de websites das próprias empresas”, refere a ZERO, no mesmo comunicado.
Comparando as provas recolhidas sobre a utilização de troncos com as declarações sobre o tipo de madeira que as empresas descrevem nos websites, constata-se que “cerca de um quarto das empresas fazem afirmações enganosas”, declarando que “utilizam serradura e outros resíduos da indústria madeireira, sem fazerem qualquer menção à utilização de troncos”.
O relatório, de acordo com a ZERO, também analisa as afirmações das empresas sobre os impactes climáticos da queima de madeira florestal. Apesar das declarações inequívocas do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas e de inúmeros cientistas de que a biomassa florestal não deve ser assumida como “neutra em carbono” ou benéfica para o clima, “25 das empresas – isto é, mais de metade – fazem comunicações contrárias ao que é aceite pela ciência por forma a iludir o consumidor europeu”.
“Só existe uma palavra para as alegações de sustentabilidade apresentadas pela indústria da biomassa: ‘ficção’. Se estas provas fotográficas registam tantos exemplos da indústria de biomassa a utilizar árvores em vez de resíduos da indústria madeireira, os impactes ambientais de toda a indústria são certamente muito piores do que anteriormente considerados”, alerta Luke Chamberlain, diretor da Partnership for Policy Integrity na UE, citado no comunicado da ZERO.
O relatório surge na altura em que os líderes da UE, incluindo o vice-Presidente Comissão Europeia Frans Timmermans, manifestam o seu alarme sobre a quantidade de árvores que estão a ser queimadas para produzir energia, e se comprometem a reformar a política de biomassa.
Um relatório de 2021 do European Commission’s Joint Research Centre identificou a queima de árvores e os restos de madeira com alguma dimensão, deixados após o corte, como um “cenário de perda” para a natureza e o clima.
Para Francisco Ferreira da associação ZERO, “a Europa tem de compreender que atualmente não conseguem satisfazer a procura de biomassa para energia a partir de resíduos. Este relatório mostra como a queima de troncos é uma realidade e como é importante que a UE deixe de contabilizar a queima insustentável de biomassa florestal para os objetivos de energia renovável. A biomassa florestal deveria ser valorizada pela indústria que produz produtos de valor acrescentado que contribuem para o sequestro de grandes quantidades de carbono ao longo de décadas. Queimar não pode ser a solução!”.
A biomassa em Portugal
Em outubro de 2021, a ZERO e a Biofuelwatch tornaram público um relatório nacional, com o qual se concluiu que, “embora em teoria os setores da biomassa e dos pellets em Portugal utilizem apenas resíduos e resíduos industriais”, na realidade “o que se constata no terreno é condizente com a exploração insustentável dos recursos florestais onde troncos de madeira de qualidade estão a ser queimados para produzir eletricidade ou transformados em pellets de madeira para alimentar as necessidades do mercado europeu ávido de matéria-prima para incinerar nas centrais de biomassa”, agravando ainda mais o défice de matéria-prima na indústria portuguesa, pode ler-se no mesmo comunicado.
A Associação espera que o novo Ministério do Ambiente e Ação Climática preste devida atenção a este assunto, partilhando algumas sugestões:
- Proceder à avaliação e reformulação dos apoios públicos às centrais a biomassa florestal, com a implementação de um modelo verdadeiramente sustentável, tal como estava inscrito no Orçamento de Estado apresentado em 2021 pelo Governo do Partido Socialista.
- Tronar públicos os planos de ação para 10 anos, a entregar pelos promotores das centrais, que visam a sustentabilidade a prazo do aprovisionamento das centrais e que estão previstos no Decreto-lei n.º 5/2011, de 10 de janeiro. O ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas continua a omitir esta informação, mesmo após parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos a enfatizar que a informação deve ser prestada sem restrições.
- Permitir única a exclusivamente a utilização de biomassa florestal residual e oriunda de processos industriais, disponibilizando de forma transparente informação sobre o que se passa no setor, o mínimo que se exige quando está em causa uma subsidiação que resulta num acréscimo de custos na fatura de eletricidade do consumidor, acautelando situações de conflito como a que infelizmente continua no Fundão.
- Avaliar a utilização de madeira de qualidade para a produção de pellets de madeira e as suas implicações para a indústria de madeiras nacional e gestão sustentável da floresta portuguesa.