“O consumidor atual avalia criteriosamente as suas compras e procura marcas com um posicionamento de transparência, nomeadamente no que diz respeito aos preços praticados. Hoje, o consumidor tem preocupações ao nível da saúde, procurando produtos que permitam melhorar o seu bem-estar físico e mental. O consumidor nos dias de hoje pretende que as marcas tenham um papel forte e ativo, em todas as dimensões da sustentabilidade. Adicionalmente, o consumidor está atento a novas experiências, inclusivamente as que possam ser realizadas em casa, e procura novas soluções tecnológicas e digitais”.
O retrato atual do consumidor é feito por Deolinda Silva, diretora executiva da PortugalFoodds, numa entrevista à Ambiente Magazine, que aponta a pandemia, a instabilidade económica, a conjuntura atual e a crise climática como fatores que têm impactado fortemente o comportamento do consumidor.
No que à pandemia e aos consecutivos confinamentos diz respeito, a responsável acredita que se tratam de mudanças que vão perdorar no tempo: “As empresas passaram a ter em conta nos seus processos de inovação desenvolvimentos em torno de aspetos ligados à segurança e a higiene dos produtos, e novas experiências de consumo em casa vão continuar a ser procuradas pelo consumidor, como, por exemplo, preparar refeições com novas receitas, criar rituais, e utilizar produtos que amplifiquem sabores, cores, texturas, aromas e promovam interatividade”. Paralelamente, a sustentabilidade do sistema alimentar será algo que vai originar “mudanças estruturais ao setor” e, consequentemente, um cidadão mais “exigente e atento ao detalhe”, relativamente às alterações em termos de “responsabilidade ambiental, ética e social, dos produtos e marcas”.
Acresce a conjuntura atual marcada pelo “aumento da energia, dos combustíveis, dos fatores de produção, das matérias-primas e a escassez de materiais fundamentais para a atividade industrial” que já está a conduzir a “aumentos de custo de produção que também se refletem em aumentos no preço de venda”. Desta forma, a exigência por parte dos consumidores na “transparência da informação” relativamente à “construção do preço”, quer por motivos das “condições de mercado”, quer por “questões de valor acrescentado de um produto”, como a “sustentabilidade, saúde, segurança, higiene” é essencial, atenta a diretora executiva da PortugalFoods.
Neste cenário, Deolinda Silva defende que as apostas do setor agroalimentar devem continuar a assentar na inovação: “Deve ter um conhecimento aprofundado sobre as tendências de mercado, alterações de comportamento e perfil de consumidor, diversidade nos modelos de negócio por forma a antecipar e responder à procura”. Nesse sentido, defende a responsável, são essenciais as “iniciativas colaborativas entre as entidades do sistema científico e tecnológico e o tecido empresarial”, para o desenvolvimento de “soluções disruptivas”, que tornem o “setor mais competitivo”.
[blockquote style=”1″]What´s netx?[/blockquote]
É precisamente no fator inovação que a PortugalFoods encomendou, recentemente, um estudo à consultoria internacional especializada Mintel, para perceber quais as tendências que vão marcar 2022 e os anos vindouros. O estudo “2022 Food & Drink Trends” foi elaborado com base em inquéritos realizados aos consumidores nos diversos mercados mundiais, assim como a partir da identificação das tendências de inovação lançadas por marcas alimentares mundiais, deixando pistas para o que vem aí (what’s next), no futuro próximo. Sendo que a “gamificação” e a “realidade virtual” são duas das tendências que vão marcar o setor, Deolinda Silva atenta no facto de a crescente popularidade dos jogos e dos desportos criar “oportunidades” para as marcas tornarem “atividades quotidianas mais divertidas” e, simultaneamente, criarem “parcerias com ganho mútuo”, sendo também uma forma de chegarem a “novos públicos”: “O Minecraft inspirou a Kellogg’s a criar, nos EUA, os cereais de pequeno-almoço Kellogg’s® Minecraft Creeper Crunch Cereal. Os fãs de Call of Duty inspiraram a criação de um novo vinho na Argentina”, exemplifica. Por outro lado, “as marcas de alimentos e bebidas podem também explorar a possibilidade de terem presença virtual em jogos de outras plataformas populares”, destaca. A realidade virtual é outra tendência que terá um papel importante na “relação” das marcas com o consumidor, “permitindo aos consumidores explorarem virtualmente os locais em que são produzidos os produtos, aprenderem técnicas de preparação e até facilitar o encontro entre amigos e familiares à distância, em momentos de consumo”, exemplifica.
[blockquote style=”2″]Competitividade, inovação e promoção[/blockquote]
Tendo em conta as tendências já identificadas, Deolinda Silva chama a atenção para a “instabilidade sentida no panorama económico mundial”, onde se prevê “escassez e aumento de custo de matérias primas”, a par da “crise energética” que está a causar “fortes preocupações” no setor. A seca é um bom exemplo das preocupações sentidas no setor, sendo que já está a ter um “grande impacto” na diminuição da capacidade agrícola, resultando na “diminuição da oferta nacional” e, consequente, no “incremento de preços”. Deolinda Serra defende um conjunto de “alterações estruturais necessárias” em termos de gestão do fornecimento e das reservas de água nacionais: “O investimento em tecnologia, deverá ser prioritário, sobretudo para a utilização mais eficiente da água no setor agrícola, na atividade pecuária e na indústria agroalimentar”. Também a guerra na Ucrânia é vista como um um motivo de grande angústia a todos os níveis e que terá um “impacto muito negativo na atividade económica e no setor agro-pecuário e industrial”, devido à redução da oferta e aumento dos preços de matérias primas essenciais ao setor: “É um forte produtor de fertilizantes, cereais, aves, sendo um grande fornecedor de muitos países europeus, como Portugal”. Neste caso, a responsável defende, no curto prazo, a “capacidade de as empresas encontrarem alternativas de fornecimento” e, no longo prazo, “aumentar a autossuficiência do país”.
Num altura em que se torna cada vez mais difícil fazer perspetivas sobre o futuro, a diretora executiva da PortugalFoods parece não ter dúvidas que as empresas do agroalimentar vão enfrentar anos muito desafiantes: “Perante as dificuldades que vão surgir e a necessidade de concentrar as suas forças na resolução e na procura de alternativas, as empresas devem ter a capacidade de continuar a ser competitivas através de uma aposta na inovação e na promoção dos seus produtos nos mercados externos”.