Quando o assunto é tecnologia, Inês dos Santos Costa destaca a importância de se discutir o tipo de “software” a implementar, isto é, “a arquitetura social e económica que suporta a implementação dessas tecnologias e dá os objetivos dessas tecnologias, bem como a finalidade dessa tecnologia”. E a conclusão é óbvia: não se pode continuar em modo “Windows 95”.
A secretária de Estado do Ambiente falava esta quinta-feira, dia 7 de outubro, no painel intitulado “World Majlis – Earth 2.0: Reengineering Planet Earth”, integrado na semana de Clima e Biodiversidade da Expo Dubai 2020, e reiterou a importância de se reconhecer que a “curva da oferta e da procura” não acontece num vácuo: “Há um sistema à sua volta que a envolve e que é o sistema natural. E se a economia não for respeitadora desses limites, chegará a um ponto em que falhará”. Outro aspeto que Inês Costa parece não descurar é o facto de ser necessário encontrar um significado diferente para a palavra crescimento: “Queremos que o crescimento seja um crescimento na saúde, no bem-estar, na reabilitação, na educação”. A contribuir para essa mudança está, em parte, as ações que a União Europeia está a empreender: “Por exemplo, no início do ano, assinámos a Declaração do Porto, que afirma precisamente que temos de mudar a forma como vemos o desenvolvimento económico para novos objetivos. E isso também deve estar presente quando pensamos em tecnologias e na sua aplicação”.
Dando o exemplo da costa de Portugal, que é uma mais altas linhas costeiras de energia do mundo, Inês Costa recorda que, há 50 anos, o desafio era combater a “erosão” e a “subida da água” utilizando abordagens muito duras de engenharia, algo que já não acontece: “Aquilo que estamos a fazer é utilizar uma solução orgânica”. Com vários programas a decorrer na costa, em conjunto com “soluções baseadas na natureza de restauro de dunas e praias”, as autoridades conseguem ganhar tempo para planear e ordenar o território de forma eficaz: “Quando se tem uma comunidade em específico demasiado próxima do mar, então (este processo) dá-nos mais tempo e planeamento para, lentamente, começarmos a remover e recuar”, exemplifica. E se em 50 anos, Portugal “perdeu treze quilómetros quadrados de terra devido à subida do mar e à erosão na costa”, torna-se evidente que existe um problema: “Há 50 anos, tínhamos um conjunto de ‘software‘ que suportava um conjunto de ‘hardware‘, e aquilo que vemos é que precisamos de alterar os dois”, alerta. A visão comum é de “olhar para a tecnologia” como sendo uma “espécie de salvadora”, mas Inês Costa é perentória: “Temos de mudar realmente o status quo em termos de como conduzimos a política, como desenvolvemos a política (…) e penso que Portugal tem estado no bom caminho para o fazer. Começámos, no Ministério do Ambiente, a fazer uma abordagem sistémica à elaboração de políticas”, exemplifica. Esta nova forma de abordar as políticas materializou-se na visão e nas prioridades para a descarbonização: “Fomos o primeiro país do mundo a dizer que queremos ser neutros em carbono até 2050”. E, estando a descarbonização aliada ao “território”, à sua “valorização” e à “economia circular”, Inês Costa assegura que todas as políticas, planos e estratégias desenvolvidas no Ministério do Ambiente são confrontadas com estas visões sistémicas: “Todas elas têm de ser positivas, contribuindo para esses objetivos. E estamos a tentar trazer essa metodologia de fazer política também noutras áreas do governo”. Apesar de ser um “desafio político”, Inês Costa atenta que é também, um “desafio de mudar os valores pessoais” à volta do que é a economia: “Se voltarmos à raiz da palavra, significa o bem-estar de todos e, neste momento, se perguntarmos a alguém na rua, ele normalmente ligam os bens à economia”, alerta.
Uma outra questão a ter em conta é a “honestidade” que é precisa sobre as discussões em torno da “tecnologia” e do “progresso”. Isto significa que, para se alcançar os compromissos de 2030-2050, o relatório do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) é muito claro: “Não vamos chegar lá enquanto não revermos a forma como extraímos, produzimos e consumimos. E por mais modelos que se tenham: o que se passa é que ainda estamos a ir na linha de associar a criação de riqueza com o consumo de recursos”. Aqui, Inês Costa levanta a questão: “É possível dissociar as emissões de carbono?”. Apesar de concordar, a governante deixa um alerta: “É muito difícil dissociá-lo do consumo de materiais. E isso, por si só, também trará muitos desafios”.