Os desafios futuros da mobilidade irão progressivamente exigir um maior grau de cooperação entre os vários ecossistemas da mobilidade, bem como entre o setor público e o setor privado. Num período de elevada incerteza económica e social, é crítico as diferentes entidades construírem a sua própria visão sobre o futuro. Esta é a principal lição a ser retirada do “Future of Mobility Think Tank”, uma iniciativa promovida pela EY-Parthenon.
Em entrevista à Ambiente Magazine, Miguel Cardoso Pinto, partner da EY Portugal e líder da EY-Parthenon, explica que a iniciativa foi lançada com o objetivo de facilitar um espaço de partilha e discussão entre executivos dos diferentes ecossistemas que constituem este vasto espaço da mobilidade em Portugal: “Inclui a perspetiva de múltiplos setores como transporte público, gestão de infraestruturas, plataformas de mobilidade, telecomunicações, tecnologia, utilities, serviços financeiros, retalho, logística e distribuição, entre outros”. A diversidade setorial e funcional dos membros participantes foi uma “premissa base”, estando envolvidas personalidades de entidades públicas e privadas destes diferentes setores de atividade, tanto do lado da operação, da regulação, assim como da esfera académica.
Questionado sobre as “adversidades” que a pandemia causou no setor, Miguel Cardoso Pinto começa por dizer que gerir um negócio que tem como objetivo transportar pessoas e carga e quando as pessoas não se podem mover e a carga tem de ser transportada até às pessoas é desafiante: “Este desafio de gestão da mobilidade num contexto de especial incerteza de pandemia foi um dos principais tópicos de discussão do think tank”. E com os sucessivos períodos de (des)confinamento e a proliferação do trabalho remoto dado as restrições vigentes a toda a vida quotidiana, “a mobilidade para locais de trabalho caiu cerca de 65% durante o primeiro período de confinamento”. Citando os resultados de um inquérito da EY Portugal no âmbito deste think tank, o responsável dá conta que “mais de metade dos residentes em território nacional esperam trabalhar total ou parcialmente (pelo menos 1-dia por semana) de forma remota num contexto pós pandemia”. Relativamente às preferências modais em deslocações urbanas, “o transporte público tem um especial desafio de responder à quebra da confiança social”, refere o partner da EY Portugal, acreditando que “a descida atual na sua utilização poderá durar mais que a pandemia covid-19”. Em sinal contrário estão as expetativas sobre viatura privada, especialmente nas gerações mais jovens: “Segundo o mesmo inquérito, cerca de 23% dos consumidores da geração Z (atualmente entre 18 e 25 anos) pretende adquirir uma viatura privada até março de 2022, mais do que qualquer outro grupo geracional”.
Olhando aos desafios e oportunidades que a pandemia trouxe para a mobilidade, Miguel Cardoso Pinto não tem dúvidas de que a Covid-19 tornou-se rapidamente um dos “acontecimentos mais disruptores do último século”, afetando todos os aspetos da vida quotidiana: “O impacto causado fez-se sentir em todas as dimensões do nosso dia-a-dia, em casa, no trabalho e em atividades de lazer, e em todas as deslocações que que destas atividades resultam”. De facto, reforça, gerir um negócio que tem como objetivo transportar pessoas quando estas não se podem deslocar é desafiante: “A mobilidade de carga também sentiu enormes desafios, desde um maior foco na resiliência das cadeias de abastecimento ao forte aumento de procura na última milha”. Por isso, o impacto da pandemia na mobilidade de pessoas e carga foi transversal a todos os segmentos: “Do brutal choque no transporte aéreo de passageiros e operação de transporte público urbano, até ao aumento de serviços de entrega de produtos ao domicílio e ao peso do comércio eletrónico no retalho alimentar”. Mas, ao mesmo tempo que traz grandes desafios, a pandemia é vista pelo responsável como uma “grande oportunidade de mudança” ao ter “obrigado à adaptação a uma nova realidade” e ao “trazer novas preocupações e necessidades”. De facto, “o aumento do e-commerce, o aumento da preocupação ambiental, o desenvolvimento tecnológico, a maior abertura à partilha de dados e a maior atenção dada a micromobilidade podem ser grandes oportunidades de transformação para uma mobilidade mais eficiente, verde e personalizada, onde irão surgir novos modelos de negócio e players”, sucinta.
[blockquote style=”2″]Necessidade de satisfazer as novas necessidades dos utilizadores[/blockquote]
No caso de Portugal, o partner da EY Portugal reconhece que tem havido um grande investimento numa mobilidade mais verde e eficiente: “Nos últimos anos, através do investimento no aumento de eficiência e na promoção de transportes públicos como alternativas eficientes ao transporte privado, bem como através do investimento em ciclovias como meio de retirar alguns carros das cidades”. Também, “o desenvolvimento tecnológico e o aumento dos players de mobilidade partilhada em Portugal fomentam uma mobilidade mais eficiente”, constata.
Quanto aos desafios futuros que, certamente, irão marcar este setor, o responsável acredita que estarão relacionados com a “necessidade de satisfazer as novas necessidades dos utilizadores” e, portanto, “vão advertir da necessidade de interoperabilidade entre os transportes, da redução do tráfego urbano, da eletrificação e num futuro mais distante, da autonomização de veículos”. Para além disso, outros desafios que afetam a mobilidade indiretamente, são a “partilha de dados”, a “confiança social” e o “desenvolvimento de tecnologias como 5G” que são de “grande importância” para o futuro da mobilidade. Nestas matérias, Miguel Cardoso Pinto reforça a necessidade de “cooperação entre o setor privado e público” para um desenvolvimento eficiente e sustentável na mobilidade. As empresas privadas, terão um papel fundamental na “inovação”, no “desenvolvimento disruptivo” e na “adaptação da mobilidade às novas tendências”. Já o setor público, terá muito mais a responsabilidade de “apoiar e encaminhar o desenvolvimento de acordo com as necessidades do país” e “garantir o aumento da qualidade de vida dos utilizadores através de uma regulação que não só não restrinja a inovação como a estimule”.
Como perspetiva a mobilidade daqui a 30 anos em Portugal?
Perspetiva-se que a mobilidade em Portugal siga as tendências macro e que, portanto, esteja cada vez mais assente em quatro princípios: mobilidade mais conectada, verde, autónoma e partilhada. Para além disso, a logística de last mile poderá alterar-se significativamente com o desenvolvimento tecnológico e das infraestruturas. O uso de drones para entregas bem como o uso de micromobilidade serão certamente opções que ganharão relevo nos próximos 30 anos e que prometem alterar o paradigma da mobilidade, tornando-a menos congestionada e poluente.