A AEPSA (Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente), submeteu, na passada segunda-feira, 12 de julho, uma denúncia à Comissão Europeia, onde constata que o Estado português tem vindo a implementar medidas e orientações discricionárias, que comprometem a atividade das empresas privadas do setor da água, comparativamente com os termos e condições de que beneficiam as entidades públicas, e cujas consequências considera serem, sobretudo, “lesivas” para a sustentabilidade ambiental do país e para a qualidade do serviço prestado às populações.
Este anúncio foi dado a conhecer num media briefing, realizado esta terça-feira, dia 13 de julho, pela AEPSA, que explicou a um grupo de jornalistas a tomada de decisão, tendo em conta a suspeita de “irregularidades” no setor da água em Portugal.
“É o estado atual do setor que muito nos preocupa e que, necessariamente, nos motivou a fazer a denúncia”, começa por dizer Eduardo Marques, presidente da direção da AEPSA, acrescentando que a associação está em representação das concessionárias privadas do setor.
A AEPSA está assim convicta de que Governo está a “violar regras da concorrência” ao condicionar a atividade dos operadores privados, que apresentam melhores níveis de desempenho e praticam tarifas mais competitivas, e, em simultâneo, a subsidiar com ajudas estatais entidades públicas ineficientes. Por isso, depois de “esgotadas várias iniciativas de sensibilização sobre estas questões junto das entidades governamentais nacionais”, às quais Eduardo Marques fez questão de sublinhar que participou, nos últimos quatro anos, enquanto presidente da associação, a AEPSA tomou a decisão de recorrer ao mecanismo de denúncia à Comissão Europeia: “De uma forma sucinta, alegamos que a política do Estado português viola o direito da União, não respeita as regras da contratação pública, utiliza de forma discriminatória os fundos comunitários europeus, viola regras do direito da União, nomeadamente o nível de auxílio de Estado o que coloca em causa a política ambiental europeia”.
Num cenário em que as alterações climáticas são cada vez mais uma realidade, o presidente da direção da AEPSA apela à necessidade de uma gestão eficiente e com qualidade para bem do ambiente e dos recursos naturais que são finitos, entendendo que as empresas privadas têm um papel fundamental nestas matérias. “Não queremos privilégios setoriais: queremos que hajam regras de mercado livre e concorrencial, sem constrangimentos artificiais ou bloqueios legislativos, e que as empresas privadas possam concorrer nas mesmas condições das empresas públicas, no sentido de prestar um bom serviço aos utilizadores”, justifica.
[blockquote style=”2″]Entidades privadas estão há vários anos a ultrapassar os targets definidos[/blockquote]
Voltando ao “estado atual do setor da água”, Eduardo Mesquita começa por lembrar que a ERSAR publica anualmente o Relatório dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal (RASARP 2020), que faz um benchmarking de todas as entidades gestoras – públicas, privadas, da alta e da baixa – sendo conhecidos um conjunto significativo de indicadores para cada entidade em concreto. Depois, e com base na informação do RASARP 2020, o Plano Estratégico de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais 2020 (PENSAAR 2020) faz uma análise de indicadores de uma forma agregada, onde se destacam dois indicadores – água e serviço de saneamento – e onde foram definidos, em conjunto com a Comissão Europeia, targets de atingimento até 2020. No caso do saneamento, o target estipulado assentava em 80% e, em 2019, a taxa estava nos 64%; já ao nível da água o objetivo centrava-se nos 80% e a taxa rondava os 71%: “Infelizmente, verifica-se que, nestes indicadores, há uma estagnação”. Mas há um aspeto relevante: “São indicadores que, se forem agregados em tipo de entidades, como, por exemplo, em entidades públicas, gestão direta e gestão delegada, e entidades privadas concessionários, chega-se à conclusão que, na maioria dos indicadores, quer seja do RASARP, quer seja do PENSAAR, as entidades privadas estão já há vários anos a ultrapassar os targets definidos”. Isto, segundo Eduardo Marques, significa que “as entidades privadas têm contribuído de forma muito positiva para a melhoria do setor com benefícios óbvios para o ambiente e para os utilizadores finais”.
Um outro indicador do regulador e que o presidente da direção da AEPSA quis trazer para a sessão foi a cobertura de gastos: “Diria que é, atualmente, o grande problema do setor: a ineficiência, a falta de qualidade, a insustentabilidade ambiental, nomeadamente a nível perdas, está tudo ligado com a cobertura de gastos”. Tal como explica o responsável, a maioria das entidades gestoras públicas em gestão direta não têm cobertura de gastos: “Têm determinado conjunto de tarifas que, no seu conjunto, tem um valor global inferior a todos os custos operacionais”, traduzindo-se num “défice sistemático ao longo do tempo” que, segundo Eduardo Marques, “só podem ser cobertos através da subsidiação, isto porque se trata um setor público. Se fosse privado era insolvência da entidade”. E este é o “maior problema” do setor porque acarreta várias consequências: “Não há dinheiro para investimentos, reabilitação, controle de perdas, afluências indevidas e para melhorar a qualidade para os utilizadores”, alerta, dando nota que, nestes casos, e tendo em conta as normas europeias, deve ser seguido o princípio “utilizador-pagador”, isto é, “o custo tem que ser suportado pelas tarifas”.
A água não faturada, que está muito associada às perdas de água, foi um outro indicador que mereceu a atenção de Eduardo Marques: “É um problema crónico que não tem tido qualquer melhoria a nível global do país nos últimos sete anos deste PENSAAR 2020”. Aliás, é um “problema de sustentabilidade ambiental económico”, onde se está a “captar a água e a perdê-la sem qualquer proveito”. Citando os números de 2019, Eduardo Marques dá conta que a Água não faturada no setor privado anda em média nos 17,9% e no setor público está nos 30.4%: “É quase o dobro: não faz sentido e é um grave problema”. Caso haja um “esforço” que não se tem verificado na última década, o presidente da direção da AEPSA acredita que, “se, se conseguir passar a eficiência hídrica nacional ao nível dos 18% essa economia daria para abastecer mais de um milhão e meio de portugueses ou um ganho económico anual na ordem dos 50 milhões de euros”.
Perante um cenário “setorial preocupante” a AEPSA, juntamente com os seus associados, identificou sete razões que justificam a denuncia:
- Ajudas de Estado ilegítimas a entidades públicas no setor da água em Portugal, nomeadamente:
- Utilização do Fundo Ambiental para favorecimento de entidades do grupo da AdP (por exemplo: 50 milhões de euros recentemente atribuídos à Águas do Norte).
- Subsidiação das tarifas de entidades públicas através dos orçamentos municipais.
Estes e outros apoios configuram verdadeiros auxílios de Estados, não notificados e que violam as regras de auxílios de Estado constantes do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), consubstanciando uma vantagem seletiva a entidades públicas, em detrimento das concessionárias privadas e dos municípios que concessionaram os serviços.
- Limitação de acesso das entidades privadas ao mercado, nomeadamente:
- Restrição de contratos de prestação de serviços atribuídos a entidades privadas.
- Medidas discriminatórias como a aplicação de taxas de regulação e a cobrança de IVA nos serviços de saneamento.
- Prazo máximo de 30 anos em concessões a privadas, face aos 50 anos, em geral, às concessões públicas (com forte impacto nas tarifas devido à obrigatoriedade de amortização dos investimentos no prazo da concessão).
Estas situações levantam obstáculos desproporcionados e, eventualmente, inultrapassáveis, em termos de concorrência e põem em causa a integridade do mercado interno europeu.
- Bloqueio ou mesmo reversão da concessão da gestão dos sistemas de água a entidades privadas em “baixa”, nomeadamente:
- No Orçamento de Estado de 2021, eliminaram-se os limites de endividamento das autarquias em caso de empréstimos contraídos para pagamentos de resgate de contrato de concessão.
- Falta de atribuição de subconcessões a entidades privadas, apesar de expressamente previstas na lei.
Estas medidas contradizem os objetivos definidos nas diretivas europeias, nomeadamente na “Diretiva da Água”, e a própria estratégia nacional para o setor, com dano manifesto para o interesse público e para a sustentabilidade do setor.
- Atribuição discriminatória de fundos europeus
- O financiamento através do Fundo de Coesão – em concreto pelo Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (POSEUR) – nos últimos avisos destinados a financiar as intervenções no ciclo urbano da água, deixou de lado municípios cuja gestão do abastecimento de água e saneamento está concessionada a privados, o que consubstancia uma vantagem seletiva a entidades públicas, com forte prejuízo das respetivas populações, impedindo, desse modo, as inerentes reduções tarifárias (o peso da subsidiação ao investimento nos rendimentos das entidades públicas é 10 vezes superior ao das privadas).
- Prática de tarifas insuficientes para cobrir os custos respetivos, por grande parte das entidades gestoras públicas em baixa
- facto de as tarifas serem, na maioria das entidades em gestão pública, insuficientes para cobrir os custos respetivos, configura verdadeiros défices, compensados pelo recurso ao orçamento do Estado ou pelos orçamentos municipais – em ambas as formas imputados aos contribuintes – violando os princípios do consumidor-pagador, expressão indireta do princípio do poluidor-pagador, pondo dessa forma em causa o efeito útil da política ambiental europeia e princípios como o do valor económico e social da água, enquanto bem fundamental.
- Desenvolvimento desmesurado do Grupo Águas de Portugal (AdP), de capitais públicos
- A AdP intervém em condições privilegiadas de forma dominante e crescente em todas as fases da cadeia de valor do ciclo da água, em detrimento da concorrência, das autarquias e das entidades privadas, com prejuízo das populações e do interesse público.
- Criação de entidades gestoras dos sistemas multimunicipais, sem concurso público
- As entidades gestoras multimunicipais em baixa (parcerias público-públicas) são constituídas sem irem à concorrência, sem concurso público e com participação sempre maioritária do Grupo AdP.