Numa altura em que a União Europeia (UE) está a rever a revisão da Diretiva das Energias Renováveis (REDII), a ZERO (Associação Sistema Terrestre Natural) conjuntamente com a ClientEarth e com outras ONG de França, Reino Unido, Finlândia e Estónia divulgaram o relatório “Insustentável e Ineficaz: Porque é que as Normas de Biomassa Florestal da UE não param a destruição”, o qual salienta as “fragilidades do atual quadro legal e o porquê da necessidade de uma urgente revisão da política europeia”, lê-se num comunicado.
Para a ZERO, o enquadramento da biomassa na política da UE desta Diretiva, num momento em que alguns países, onde se inclui Portugal, ainda “não fizeram a sua transposição para a legislação nacional”, baseia-se na “ideia demasiado simplista de que a biomassa pode ser uma fonte de energia renovável que pode reduzir as emissões de gases com efeito de estufa sem prejudicar as florestas”. Contudo, “e para que isto comece a ser verdade”, a ZERO reitera pela necessidade de uma “urgente revisão”.
Para assegurar que a biomassa florestal seja positiva para o clima, os critérios REDII, segundo o comunicado da ZERO, exigem apenas que os países façam parte no Acordo de Paris; que tenham em vigor regras de utilização do solo, uso do solo, alteração do uso do solo e floresta (LULUCF); e que as suas florestas são um sumidouro líquido de dióxido de carbono: “Isto faz com que a esmagadora maioria de países que fornecem biomassa estejam em conformidade, mas não conseguem prevenir a queima de biomassa que prejudica o clima”, refere a associação.
Ainda assim, há mais aspetos que colocam “dúvidas” sobre a aplicabilidade da futura legislação. Por exemplo, diz a ZERO, a REDII “limita significativamente a responsabilidade dos Estados-membros na avaliação da conformidade dos critérios de sustentabilidade”, na medida em que “não são obrigados a avaliar ou verificar a fiabilidade da informação fornecida pelos operadores do setor da biomassa”, existindo uma “formulação vaga” que obriga os países a “exigir aos operadores económicos que demonstrem que os critérios de sustentabilidade e de redução de emissões de gases com efeito de estufa […] foram cumpridos”, e a “tomar medidas para assegurar que os operadores económicos apresentem informações fiáveis”.
Segundo a ZERO, a diretiva define também que “apenas as avaliações e relatórios elaborados pelas organizações governamentais nacionais ou internacionais são legíveis como fontes de prova para avaliar a aplicação da lei”, sendo “caricato que a recolha de informação seja feita pelas autoridades responsáveis pela aplicação da lei – autoridades estatais envolvidas na gestão florestal, relegando para a irrelevância o papel vital que as ONG que desempenham na monitorização e garantia do cumprimento da legislação ambiental da UE”.
De acordo com os resultados publicados pelo Centro Comum de Investigação da UE, a associação ambiental refere que a REDII já permite que os “operadores sejam recompensados pela utilização de tipos de bioenergia que aumentem ativamente as emissões de gases com efeito de estufa durante os próximos cinquenta anos”, verificando-se que a “maioria da biomassa florestal (madeira retirada da floresta) que é queimada na UE é danosa para o clima, para a biodiversidade, ou para ambos, e ignorando-se que o sumidouro de carbono florestal da UE diminuiu em 15% desde 2005”.
Face a este cenário, a ZERO constata que “os critérios atuais não se alinham com a política ambiental e energética estabelecida no Tratado sobre o Funcionamento da UE”, incluindo a “necessidade de preservar e melhorar o ambiente”, bem como com o “princípio de não causar danos” prosseguido pelo Pacto Ecológico Europeu, “legitimando práticas florestais destrutivas que são permitidas pelas leis nacionais e que não conseguem minimizar o risco de utilização de biomassa florestal derivada da produção insustentável”.
Em Portugal…
No que respeita à sustentabilidade na utilização de biomassa florestal para produção de energia, a legislação portuguesa prevê a necessidade de um plano de ação para 10 anos visando a sustentabilidade a prazo do aprovisionamento das centrais, a existência de um sistema de registos de dados que permita identificar as fontes do aprovisionamento e consumos da central, identificando nomeadamente o tipo e as características da biomassa consumida. Segundo a ZERO, os dados obtidos serviriam para avaliar, auditar e fiscalizar a tipologia da biomassa consumida nas centrais, auxiliando na definição de produtos que podem ser considerados biomassa florestal residual. Contudo, “a portaria prevista apresenta um atraso de 10 anos na sua publicação”, alerta. Com isto, verifica-se que “continua a não existir um sistema de monitorização que permita de forma séria e credível identificar e rastrear o tipo de biomassa que está a ser queimada nas centrais de biomassa a nível nacional, uma vez que os manifestos de corte que obrigatoriamente têm de ser entregues junto do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), não passam de meras intenções de intervenção e poderão não mostrar a verdadeira realidade relativamente ao material que está a ser extraído da floresta e encaminhado para a valorização energética”, lamenta a associação.
Para além disso, adianta a ZERO, “continuamos a assistir ao implementar de uma política energética alegadamente como forma de redução dos riscos associados, com a dinamização do mercado dos sobrantes florestais e indiretamente o fomento das boas práticas de gestão e exploração florestal sustentável”, mas na qual falta o essencial: “uma verdadeira avaliação do potencial de verdadeiros resíduos florestais passíveis de serem utilizados sem colocar em causa as funções ecológicas dos ecossistemas, assim como o aprovisionamento das outras indústrias que fazem destes a sua matéria-prima”, lê-se na nota da associação.
Cumprir o que está previsto Artigo 216.º do Orçamento de Estado e concluir a avaliação e reformulação dos apoios públicos às centrais a biomassa florestal, com a implementação de um modelo verdadeiramente sustentável, é uma das medidas que a ZERO espera que o Governo português tenha em consideração. Além disso, lembra aquilo que o Governo referiu em 2019: “Assumiu que vai inverter o sentido de marcha no que diz respeito à estratégia para a biomassa em Portugal, onde a ideia é passar de um modelo atual focado apenas na biomassa apenas para produção de eletricidade, para a instalação descentralizada de pequenas centrais térmicas alimentadas a biomassa”.