Com um potencial indiscutível em diversas áreas, o setor florestal é parte integrante da maioria dos planos económicos de qualquer. Portugal não é exceção: a floresta representa uma grande fatia na estratégia e ação do Ministério do Ambiente e da Ação Climática. Prova disso são os investimentos que o Plano de Recuperação e Resiliência reserva para o setor. No entanto, são vários os desafios que se colocam com um longo caminho pela frente em que todos são chamados a contribuir para manter a sustentabilidade e viabilidade desta área. A Ambiente Magazine foi tentar perceber junto dos principais “players” do mercado o que está a ser feito, quais as ações que têm que ser tomadas agora e qual o futuro das florestas em Portugal.
“Garantir uma gestão ativa do território por parte dos proprietários florestais” é um dos maiores desafios que o setor florestal tem pela frente. Quem o diz é Susana Brígido, sócia e diretora-geral da 2BForest, que defende a criação de uma “autoridade florestal”, de “simplificar e integrar os planos de ordenamento territorial”, de “acabar o cadastro florestal das propriedades”, de “desenvolver e apoiar mecanismos” para “promover a profissionalização dos diversos intervenientes do setor florestal” e “apoiar mecanismos que assegurem que as áreas de produção florestal cumpram com critérios de sustentabilidade, através da certificação florestal”. As maiores dificuldades que a 2BForest enfrenta centram-se, essencialmente, na “falta de informação sobre a titularidade das florestas” ou a “dimensão das propriedades florestais”, do “tipo de expectativas dos proprietários”, da “falta de estímulos financeiros a proprietários” e da “falta de profissionais qualificados no setor”. As florestas são um “importante instrumento de mitigação das alterações climáticas”, principalmente pelos “serviços de retenção de carbono que prestam, pela qualidade da água do solo que influenciam, da biodiversidade que nela inserem”, sustenta Susana Brígido, acrescentando que, em Portugal, numa primeira fase, urge assegurar que a floresta Nacional não contribua para agravar os efeitos das alterações climáticas, reduzindo drasticamente a ocorrência e os efeitos dos incêndios florestais: “Isto só será possível com medidas que promovam a gestão ativa da floresta”.
[blockquote style=”2″]Dar rentabilidade económica à floresta[/blockquote]
A AFLOESTE (Associação Interprofissional da Floresta do Oeste) olha para a floresta como um dos setores que têm maior impacto na criação de valor nacional: a matéria-prima é nacional, as empresas envolvidas são portuguesas e o emprego é, esmagadoramente, nacional. Joana Mendes Godinho, secretária-geral da AFLOESTE, considera que, na recuperação do país, a floresta já tem um potencial enorme: “Esquecemo-nos da importância da floresta na balança comercial portuguesa: tem um contributo superior a dois mil milhões de euros anuais positivos, sobretudo devido à fileira da pasta e papel, da cortiça e do mobiliário”. Ainda assim, é um setor que atravessa por muitas dificuldades, nomeadamente a “pequena dimensão da propriedade” e a “falta de formação florestal dos proprietários e prestadores de serviços”. No certificado da AFLOESTE, cerca de 50% dos aderentes têm matas com dimensão inferior a três hectares: “Não é possível obter rendimento suficiente para que haja uma gestão profissional da parte do proprietário”. Na ótica da responsável, é essencial dar rentabilidade económica à floresta, quer através de uma promoção efetiva de modelos de gestão conjunta ou da valorização dos serviços ambientais prestados pela floresta à sociedade e que, até agora, não são compensados: “Com estes incentivos poderemos ter uma gestão profissionalizada e acrescentar muito valor às fileiras florestais em Portugal”.
[blockquote style=”2″]Ajudar o pequeno proprietário privado e a motivá-lo pela positiva[/blockquote]
Para João Gonçalves, presidente da direção do Centro PINUS, a floresta é um setor que tem peso económico, social e ambiental muito relevante e com um “grande potencial inexplorado” para contribuir ainda mais para o desenvolvimento do país. A Associação para a Valorização da Floresta de Pinho constata que o mais urgente no setor florestal é assegurar a gestão ativa do território e da floresta, algo que implica também uma mudança de mentalidades: “Atualmente, foca-se demasiado a atenção no problema, os fogos florestais, e menos na solução, gerir a floresta”. Já no caso da floresta de pinheiro-bravo, é também urgente gerir a regeneração natural que acontece depois de um incêndio: “É fundamental que esta regeneração seja acarinhada e tenha uma gestão adequada, com criação de faixas e uma redução do número de árvores”. No que diz respeito a desafios, João Gonçalves considera essencial “ajudar o pequeno proprietário privado e a motivá-lo pela positiva”, algo que implica uma “mudança radical” nos apoios públicos: “Os apoios públicos existentes, no âmbito da PAC, têm sido utilizados sobretudo nas regiões do país em que a dimensão média da propriedade rústica é superior”, exemplifica. Sendo a floresta um importante sumidouro de carbono, João Gonçalves não tem dúvidas do potencial do setor no combate às alterações climáticas, destacando que o pinheiro-bravo é o maior reservatório de carbono da floresta nacional e os produtos feitos com a sua madeira têm um longo ciclo de vida.
[blockquote style=”2″]Fileira florestal bem gerida possui um potencial económico excecional[/blockquote]
A Florestgal é a primeira empresa pública de gestão e desenvolvimento florestal a ser criada em Portugal. Atualmente, a aposta desta entidade incide na comercialização de ativos biológicos como a cortiça, madeira, pinha de Pinheiro Manso, biomassa e o arrendamento de espaços de menor aptidão florestal para a prática da agricultura, pastagens e instalação de energias renováveis. Para José Miguel Medeiros, presidente do Conselho de Administração da Florestgal, urge ao setor florestal “realizar o cadastro que se encontra ainda ausente em grande parte do território a norte do país, verdadeiras políticas de remuneração dos serviços de valorização e correta gestão prestada aos ecossistemas”. Falta ainda ao setor “apresentar resultados no curto prazo”, sobretudo “considerando o facto da exploração e o desenvolvimento florestal serem atividades que exigem longos períodos”, declara. Por outro lado, José Miguel Medeiros constata que os desafios deste setor centram-se nos incêndios florestais, na ausência de cadastro, na propagação de pragas e doenças e na necessidade de se gerir numa perspetiva de longo prazo e de legado geracional: “Alguns dos desafios podem tornar-se oportunidades de desenvolvimento científico, tecnológico e de alta capacitação técnica”. Da experiência já acumulada, José Miguel Medeiros acredita que a “fileira florestal bem gerida” possui um “potencial económico excecional, um valor acrescentado significativo”, sendo “geradora de emprego qualificado”.
[blockquote style=”2″]Setor florestal “gera um grande número de externalidades”[/blockquote]
Liderar o caminho da indústria de papel e embalagens rumo à proteção do meio ambiente e das comunidades onde se insere é a missão da Smurfit Kappa. Para Mikel Antón, diretor-geral da Smurfit Kappa Central Forestal, os progressos no setor florestal em toda a Península Ibérica são visíveis, devido, essencialmente, à crescente consciência de todos os atores da sociedade para proteger os recursos e estabelecer uma economia circular. Entre as fragilidades do setor, o responsável salienta o “tamanho reduzido das propriedades florestais privadas”, assim como a “orografia que justifica a sua falta de competitividade”. As alterações climáticas também afetaram o setor pois, com o aquecimento global, os incêndios, as pragas e as doenças florestais tornaram-se muito mais agressivas no meio ambiente, sendo que estão também a afetar negativamente a escassa proporção de áreas florestais. Como respostas, Mikel Antón destaca a necessidade de “fundos suficientes para levar a cabo pesquisas florestais”, principalmente nas áreas de “saúde florestal, melhora genética e a sua pesquisa”. Contudo, o potencial do setor florestal é indiscutível: “Gera um grande número de externalidades que devem ser levadas em consideração, para que os gestores florestais recebam uma justa compensação por essas externalidades”. Quanto ao modelo de negócio, esse deve ser baseado na circularidade dos recursos, sendo esse que a Smurfit Kappa assegura: “É um modelo de circuito fechado que visa maximizar o uso dos recursos naturais para fabricar as soluções de papel, renováveis, recicláveis e 100% biodegradáveis”.
[blockquote style=”2″]Florestas são “o principal uso do solo nacional”[/blockquote]
Para Rui Correia, CEO da Sonae Arauco, o potencial da floresta portuguesa é imenso e, no quadro de uma bioeconomia circular sustentável, representa uma “excelente oportunidade” para a substituição de produtos fabricados a partir de matérias-primas não renováveis. Tendo como propósito criar soluções de madeira que sejam sustentáveis e assentes num modelo de bioeconomia circular, a Sonae Arauco destaca necessidade de políticas públicas consistentes, ajustadas aos seus destinatários e operacionalizadas em programas estáveis de longo prazo, bem como a adoção de uma abordagem disruptiva para o desenvolvimento de novos modelos de gestão florestal e territorial que reduzam o risco e viabilizem o investimento e a rentabilidade florestal. Nestas matérias, urge que o investimento do Estado seja reforçado de forma clara num “esforço que terá de ser feito em coordenação e com o apoio de todas as empresas de base florestal”, defende Rui Correia. Uma das maiores preocupações desta empresa é a diminuição de matéria prima disponível para o abastecimento da fileira do pinho, não só pelo que representa para o negócio mas também pelo que representa para a economia, que concentra perto de 90% das empresas e mais de 80% dos postos de trabalho das indústrias das fileiras florestais. Uma outra preocupação está também no consumo de biomassa para a produção dedicada de energia elétrica, que tem disparado em Portugal, diz o responsável, acrescentando que, em simultâneo, assiste-se a um crescimento muito significativo da capacidade instalada da indústria de pellets, sendo que Portugal, em 10 anos, aumentou a capacidade instalada de produção em 380%. A floresta é o “principal uso do solo nacional” e, além do reconhecido valor ambiental e social, trata-se de um “recurso económico pleno de potencial”, com um “enorme efeito multiplicador”, e um “trunfo” em cenário de crise: “Uma aposta clara e coesa, com uma combinação de investimentos públicos e privados, pode permitir aumentar a disponibilidade de água, reforçar as economias rurais do interior, aumentar as exportações e mitigar as alterações climáticas”, conclui.
*Este artigo foi publicado na edição 87 da Ambiente Magazine.