“Foram 100 anos a pensar de maneira linear”. Esta é uma declaração da secretária de Estado do Ambiente, Inês dos Santos Costa, referindo-se à mudança de 180 graus que as empresas terão que fazer ao longo desta década. O modelo linear “fazer e produzir” tem mesmo que ser reconvertido num modelo circular capaz de regenerar recurso. E não basta dizer-se que é sustentável: É preciso dar provas do “claim” verde que cada empresa diz adotar. Não restam muitas dúvidas que a mudança de paradigma vai exigir muita das empresas. “Como é que se concilia economia com sustentabilidade?”, esta foi uma das perguntas que a Ambiente Magazine fez a várias empresas.
É cada vez mais evidente que os ganhos de quem aposta na sustentabilidade não se cingem ao ambiente, também a economia retira ganhos elevados produtivos: “Não há nada mais democrático que as fontes energéticas renováveis, comuns a todos os povos, de todos os continentes”, afirma o porta-voz da Acciona, salientando que “a evolução técnica que se verifica na última década permite garantir uma oferta no fornecimento energético capaz de ombrear com as fontes tradicionais, mas muito mais poluentes”. Do ponto de vista do responsável, as soluções 100% renováveis devem ser consideradas como cruciais para o futuro do planeta e da humanidade: “As gerações futuras exigem-no, é nosso dever deixar um mundo melhor do que aquele que recebemos dos nossos ascendentes”.
Desta forma, o responsável não tem dúvidas do papel das indústrias no rumo à neutralidade carbónica, considerando que há cada vez mais uma “crescente sensibilidade” em relação ao tema. “Cada vez mais, os decisores empresariais estão atentos às novas tecnologias energéticas, as quais oferecem menor impacto fóssil, em muitos casos 100% renováveis”. E não é por acaso que a solução Greenchain (da Acciona), a qual rastreia a origem da energia até ao ponto de consumo, registada com tecnologia blockchain, tem uma “crescente procura” por parte de players que consideram “fundamental para o seu modelo de negócio diminuir a pegada ecológica, e fazer disso um diferenciador de mercado a seu favor”, refere.
A experiência da Acciona no mercado português, leva o responsável a constatar que há uma “maior procura” por soluções com forte impacto nessa mesma neutralidade: “O próprio modelo de negócio das indústrias responde a uma crescente exigência por parte de clientes e parceiros”.
Enquanto aliados das empresas e administrações, “sentimos uma crescente vontade de otimizar o fornecimento de energia elétrica relativamente a custos e impacto ambiental”, através do “consumo de uma energia 100% limpa”, sustenta.
[blockquote style=”2″]A sustentabilidade não é tema de uma só nação[/blockquote]
Para António Rios de Amorim, as alterações climáticas, a escassez de recursos, o crescimento populacional, a intensificação da urbanização, as mudanças no poder económico global e os avanços tecnológicos estão a “afetar a tomada de decisões” de consumidores, das sociedades e das empresas em todo o mundo. E a verdade é que as “transformações estão a acontecer no terreno”, diz, salientando, contudo, que a “velocidade irá depender em boa medida de “uma combinação de forças” entre as “iniciativas das empresas, a intervenção dos reguladores, as alterações de comportamento individuais, a pressão positiva das comunidades e o maior escrutínio dos stakeholders em geral”. Embora, as empresas mostrem “liderança, vontade e construam o seu caminho”, o CEO da Corticeira Amorim considera que o desafio está na “forma como as ideias projetadas, os compromissos assumidos e as iniciativas efetivamente desenvolvidas se traduzem em alterações” que realmente reduzem as emissões, visto que “resolver as alterações climáticas implica mudanças profundas” que não têm apenas que ver com a mudança das fontes de energia utilizadas: “Tecnologias mais eficientes têm de ser adotadas, a economia circular deve ser aplicada e as soluções de base natural privilegiadas”. E nesta linha de pensamento, o responsável atenta que as empresas têm de responder “proativamente” a estas tendências, “incorporando transformações profundas na forma como consomem recursos, produzem produtos e se relacionam com as populações sob a pena de perderem a sua licença para operar”.
António Ramos Amorim lembra que a sustentabilidade não é tema de uma só nação: “Foi já em 2015 que 193 nações de todo o mundo assumiram unanimemente o compromisso de tentar alcançar até 2030 os 17 ODS. Todos têm um papel a desempenhar”. E do ponto de vista empresarial, os líderes precisam de “guiar as empresas” por meio de “mudanças transformacionais sem precedentes”, que vão desde a “alteração na forma como os seus negócios se concretizam”, até ao modo como “relatam as suas atividades”. Paralelamente, refere o responsável, os Estados precisam de “adotar os apoios, as políticas e os incentivos corretos para conduzir a sociedade” em direção à sustentabilidade: “No caso da cortiça o maior incentivo resultará dos consumidores reconhecerem as vantagens das soluções baseadas na natureza, como é o caso concreto dos produtos de cortiça, para se atingir os objetivos do desenvolvimento sustentável. Se esse interesse aumentar a procura pelos nossos produtos, aumentará também a necessidade de maior disponibilidade de cortiça”, remata.
[blockquote style=”2″]Empresas mais sustentáveis ambientalmente são empresas mais viáveis e prósperas[/blockquote]
Embora as indústrias sejam cruciais no cumprimento das metas europeias e portuguesas de neutralidade carbónica, António Cunha Pereira considera que mais importante são os consumidores, sendo eles quem obrigam as indústrias a mudar e a corresponder às suas exigências. E embora as indústrias tenham “alterado profundamente” e “assumido muitos compromissos” no sentido de se tornarem “mais responsáveis ambientalmente”, é certo que, esta necessidade, para além de “uma óbvia perceção crescente de que não podemos adiar mais a proteção ambiental e da biodiversidade”, é, essencialmente, “potenciada pelos consumidores mais despertos e atentos”, refere. Assim, o “impulso” por parte das pessoas e a “resposta adequada” por parte das empresas serão cruciais no rumo à neutralidade climática. Contudo, o CEO da Ecoinside considera que o esforço por parte das indústrias deve ser “acompanhado de apoios e incentivos musculados” por parte do Estado, garantido que “os fundos europeus são bem utilizados” e que se “centram na investigação, na implementação de tecnologias mais verdes, na reabilitação e na mudança de paradigma para um país e mundo ambientalmente, socialmente e economicamente sustentável”.
António Cunha Pereira não tem dúvidas de que a sustentabilidade e a economia são dois conceitos que não só são complementares como, cada vez mais, são indissociáveis: “Empresas mais sustentáveis ambientalmente são, de facto, empresas economicamente mais viáveis e prósperas”.
Relativamente aos entraves que possam existir a uma empresa que queira tornar-se mais sustentável, o responsável considera que os desafios são semelhantes em Portugal e no resto da Europa: “A grande diferença está na capacidade de investimento por parte das empresas e que se prevê̂ serem supridos por fundos comunitários dirigidos para investimentos que permitam atingir as metas de neutralidade carbónica e proteção da biodiversidade definidas pela Comissão Europeia”. Mas, “existem soluções de investimento alternativas”, como é o caso das empresas de serviços energéticos como a Ecoinside que “fazem o investimento na implementação de uma tecnologia que permita ganhos financeiros por via da redução do consumo de energia”, sendo, depois, “remunerada pela poupança económica gerada”, ao mesmo tempo que “partilha uma parte dessa poupança com a empresa destinatária da solução”, explica.
[blockquote style=”2″]É um caminho com muitos desafios, para os quais as empresas não têm de atuar sozinhas[/blockquote]
As questões das alterações climáticas representam um dos desafios de tomada de decisão mais difíceis que um CEO de uma empresa pode enfrentar: “Trata-se de case study de equilíbrio para gerar as mudanças que exigirão prazos significativos”, considera Gonçalo Granado. E empresas como a Nestlé, que têm as mudanças climáticas como prioridade, estão a investir hoje porque pensam no amanhã: “É por aqui que passa também a sustentabilidade das empresas”, acrescenta. Para o diretor de comunicação da Nestlé, o primeiro passo é “tomar consciência da urgência que têm estes temas” e “atuar para tornar as operações mais sustentáveis”, sendo uma forma de trabalhar em prol da sustentabilidade económica dos negócios: “É sem dúvida um caminho com muitos desafios, para os quais as empresas não têm de atuar sozinhas. Os temas da sustentabilidade só podem ter uma resposta eficaz quando se atua em toda a cadeia de valor e ao fazê-lo qualquer empresa estará a trabalhar em rede com os seus parceiros de negócio”. E o Pacto Português para os Plásticos, é uma “prova de que em conjunto encontramos respostas mais rápidas e mais eficientes” para as questões das alterações climáticas, sustenta. Além disso, exemplifica o responsável, o processo de alteração de materiais de embalagens com redução do plástico está a ser feito conjunto com os stakeholders da empresa: “Estamos a trabalhar nos nossos centros de pesquisa internacionais, mas obviamente com o apoio e com o conhecimento dos nossos parceiros fornecedores de materiais de embalagem, é com eles que inovamos e que criamos e partilhamos valor com a sociedade”.
[blockquote style=”2″]O presente e o futuro económico jogam-se neste espaço de conciliação entre a economia e a sustentabilidade[/blockquote]
Não parece haver “incompatibilidade” entre economia e sustentabilidade. Quem o diz é Miguel Checa, constatando que há uma maior preocupação para com o meio-ambiente: “Estamos todos cada vez mais conscientes que nossas decisões têm impacto”. Por outro lado, há igualmente noção que “decisões baseadas apenas no custo de curto prazo têm consequências económicas no médio e longo prazo e custos que podem exceder muito as supostas poupanças, a curto prazo”, atenta. Também a globalização e a digitalização têm dado um “poder enorme” aos consumidores: “São as pessoas com as suas decisões no dia-a-dia que podem também fazer as empresas mudar e acelerarem os seus processos e ciclos produtivos”. Ainda assim, o CEO da Goldenergy acredita que “qualquer negócio, qualquer marca ou empresa” deverá ter em conta que, atualmente “vencer num mercado competitivo”, implica colocar em prática os valores da defesa ambiental: “É isto que os consumidores procuram cada vez mais”. Por isso, contribuir para a “defesa ambiental do planeta” é meio caminho andado para qualquer empresa manter e captar clientes: “O presente e o futuro económico jogam-se neste espaço de conciliação entre a economia e a sustentabilidade”, defende.
[blockquote style=”2″]Transformação não deve ser encarada como um custo, mas sim como um investimento[/blockquote]
O aumento da eficiência na utilização dos recursos, a inovação, a melhoria contínua nos processos são os desafios que as empresas têm pela frente, diz Luís Bravo, defendendo que o novo modelo da indústria deverá centrar-se na economia circular, baseada numa utilização de recursos mais duradoura. E nos anos mais recentes, assiste-se a uma “aposta na implementação de soluções e modelos de negócios” que tenham como objetivo a “redução no consumo de matérias-primas”, assim como o “aumento da eficiência energética”. Destaca-se igualmente uma “aposta no desenvolvimento das energias renováveis” e “alterações no uso de combustíveis, rumo a uma mobilidade sustentável”, refere.
Relativamente aos desafios que as empresas que querem ser sustentáveis podem ter, o CEO da Papiro considera que, numa fase inicial, poderá existir um “maior esforço” no que diz respeito à tecnologia e equipamento, à análise e seleção das melhores opções, contudo a transformação não deve ser encarada como um “custo”, mas sim como um “investimento”. Mas, aquele que pode ser o grande desafio” será “analisar os seus processos internos”, de forma a otimizá-los e conseguir alguma circularidade de uma forma simples: “A partir do momento em que as preocupações com a sustentabilidade e preservação do meio ambiente passem a estar no centro das atenções das empresas, surgirá, de forma mais fluída, a inovação, as novas ideias e ações a implementar”. Em relação a apoios que possam ser atribuídos às empresas para que as empresas se tornem mais sustentáveis, Luís Bravo destaca “os incentivos à utilização de fontes de energia renováveis”, os “apoios à mobilidade baseada em energia verde”, bem como os “incentivos à digitalização e transformação digital das organizações”.
[blockquote style=”2″]Precisamos adaptar as nossas empresas de forma a torná-las ambientalmente sustentáveis[/blockquote]
Economia e sustentabilidade conciliam-se acima de tudo com boa gestão: “Tendo o presente resolvido, o gestor necessita de pensar essencialmente no médio e longo prazo, e saber o que pretende para a sua organização no horizonte de 10 a 20 anos”, afirma Carlos Vieira. Para o diretor delegado dos SMAS de Sintra, não é difícil tornar uma empresa sustentável, mas sim inevitável: “Quem não se adaptar vai ficar para trás, o que significa a morte dessas empresas e consequentemente o aparecimento de novas empresas. Precisamos adaptar as nossas empresas de forma a torná-las ambientalmente sustentáveis”.
Na visão do responsável, há claramente uma maior preocupação das empresas em matérias ambientas, constatando que a indústria procura encontrar todos os processos que lhe permitam, por um lado “ganhos de eficiência” e, por outro, que “sejam consideradas amigas do ambiente”. O Pacto Ecológico Europeu, o “Green Deal” pode, e será com certeza, uma ferramenta que permitirá à indústria a sua adaptação, sustenta.
[blockquote style=”2″]Investir em soluções sustentáveis já não é necessariamente sinónimo de comprar mais caro[/blockquote]
A indústria é um dos setores de atividade mais poluentes e, como tal, está associada aqui uma questão de responsabilidade ética por parte dos empresários. Por isso, defende Raul Santos, os investimentos em “máquinas mais eficientes do ponto de vista energético” ou em “painéis solares fotovoltaicos para produção de energia elétrica” são investimentos cada vez mais fortemente equacionados pela indústria, como forma de “poupança de energia”, mas também, como um “contributo rumo à neutralidade carbónica”. Tendo em vista a experiência da SunEnergy no mercado, o responsável considera que existe uma “consciência cada vez maior” por parte da indústria portuguesa no papel que desempenha na mudança desta realidade. E já não é apenas a vertente económica a pesar nas decisões de investimento da indústria: “Cada vez mais, os empresários sentem-se agentes ativos na mudança do atual paradigma energético”.
Se há uns anos atrás era muito difícil conciliar economia com sustentabilidade, hoje em dia, o cenário mudou: “Investir em soluções sustentáveis já não é necessariamente sinónimo de comprar mais caro”. E um bom exemplo deste novo paradigma são os “painéis solares fotovoltaicos para autoconsumo”, onde, hoje em dia, a indústria já consegue obter o “retorno deste investimento em três a quatro anos”, produzindo a sua própria energia com “custos muito reduzidos” e, ao mesmo tempo, “reduzindo drasticamente as emissões de gases associadas à sua atividade”, refere.
No que diz respeito aos desafios que as empresas têm para se tornarem sustentáveis, Raul Santos defende a existência de “fundo público” que fosse mais abrangente do ponto de vista do alcance do investimento e que investisse em projetos na área da eficiência energética e de produção de energia a partir de fontes renováveis: “Seguramente que, com este instrumento, o processo de descarbonização da economia seria bem mais rápido”, sustenta.
[blockquote style=”2″]A economia circular representa hoje uma oportunidade real para as organizações[/blockquote]
As indústrias representam um papel fundamental na neutralidade carbónica e economia circular. Trata-se de um tema que está na “ordem das agendas” quer nacionais, quer globais, e que representa cada vez mais uma “abordagem obrigatória para todos os setores”, defende Ingrid Falcão. Para a responsável pela área de Sustentabilidade da Tetra Pak Ibéria, a evolução registada nestas matérias tem sido notória e as exigências do ponto de vista do mercado e das políticas públicas têm-se intensificado de igual forma ao longo dos últimos anos, pressionando as indústrias a atuar: “Esta área é cada vez mais um requisito para os consumidores, que influencia os processos de decisão de compra e a relação que estabelecem com as marcas e organizações”. Por seu lado e também em ligação direta com esta tendência, as indústrias têm relevado uma “preocupação crescente” com a sua pegada ecológica e procuram ser “exemplares do ponto de vista da sustentabilidade”, respondendo também às “legislações implementadas neste âmbito”, refere. Uma economia sustentável permite assim garantir que “não esgotamos recursos, que respeitamos o meio ambiente e que a nossa ação não se esgota nem colide com o futuro e subsistência do planeta”, o que é essencial para a “continuidade de qualquer atividade ou negócio”. Não obstante, precisa a responsável, a economia circular representa hoje uma “oportunidade real” para as organizações, possibilitando, inclusivamente, que “alcancem melhores resultados económicos, enquanto otimizam a utilização de recursos”. E ODS constituem uma “excelente ferramenta” para analisar a forma como os desafios ambientais, sociais e económicos se interligam, e ao mesmo tempo, estabelecer um compromisso para com os mesmos, destaca.
Já no que diz respeito aos principais desafios existentes, Ingrid Falcão evidencia as “exigências do mercado” e a “pressão por parte dos diversos intervenientes”, desde os consumidores às ONG’s, passando pelos legisladores, para soluções e resultados imediatos. Ao nível dos incentivos que devem ser promovidos, estes deverão estar centrados, por exemplo, nas “indústrias que apostem na inovação, em materiais renováveis e na utilização de produtos baixos em emissões de carbono”, remata.
*Este artigo foi publicado na edição 87 da Ambiente Magazine.