O Dia Mundial da Água assinala-se no próximo dia 22 de março, mas a Fundação Calouste Gulbenkian antecipou-se nas comemorações. Num evento exclusivo à imprensa, realizado esta quinta-feira, a instituição assegurou que os recursos hídricos são uma aposta neste ano, nomeadamente na utilização na agricultura.
Partindo do pressuposto que o setor agrícola, em Portugal, tem um peso de 75% na totalidade do consumo de água, a Fundação Calouste Gulbenkian encomendou uma investigação que tinha como objetivo conseguir um “retrato final” do setor. “Como é que a água é utilizada no setor agrícola? Se e como é que esse recurso é valorizado? Quais os constrangimentos existentes para uma gestão mais eficiente da água?” foram as questões que estiveram na origem deste estudo: “ Queríamos um estudo que nos pudesse finalizar e identificar oportunidades de melhoria de eficiência do recurso hídrico”, destaca Filipa Saldanha, subdiretora do Programa Gulbenkian Sustentabilidade.
Olhando para o facto de Portugal estar classificado como um país com elevado stress hídrico até 2040, é essencial, na visão da Fundação, “antecipar cenários” de risco de escassez de água nos próximos 20 anos: “Existe um risco elevado de Portugal ter que gerir pouca água face às necessidade do país até 2040”, atenta. Face à problemática, Filipa Saldanha constata ser vital “perceber onde estão as oportunidades de atuação” no setor da agricultura, “o que mais contribui para utilização de água em Portugal e, ao mesmo tempo, o que mais pode sofrer nestes cenários preocupantes de escassez de água”.
O estudo “O uso da água em Portugal: olhar, compreender e atuar com os protagonistas-chave” contou com o apoio do C-Lab – The Consumer Intelligence Lab e demorou um ano. Durante esse tempo, foram ouvidos 52 agricultores e stakeholders da cadeia de valor, cujas conversas foram, posteriormente, complementadas por dois inquéritos: o primeiro obteve respostas de 460 agricultores e o segundo contou com a participação de 500 consumidores.
[blockquote style=”2″]71% das explorações ainda não têm contador [/blockquote]
De acordo com Filipa Dias, investigadora do C-Lab – The Consumer Intelligence Lab, Portugal, pelas suas características mediterrânicas, sempre foi um país sujeito a secas. E, tendo em conta os cenários e o passado recente, a realidade é ainda mais preocupante: “Vamos ter mais tempo de espera até vir água. E, por isso, temos que nos preparar para resistir mais tempo com menos água”. Assim, atenta a investigadora, é essencial aproveitar os “invernos chuvosos” para se pensar como “atuar sobre uma água que tem quer ser melhor retida, usada de forma mais eficiente e que deve ser monitorizada com mais rigor e precisão”. É precisamente sobre “olhar de longo prazo” que partiu o estudo.
É certo que a água é essencial para a agricultura em qualquer lugar. E há dois cenários: por um lado, “há países onde essa água chega naturalmente pela chuva ao longo de toda a campanha quando é necessário”; por outro lado, “há países onde isso não acontece, como é o caso de Portugal, cujo período seco é aquele que é também mais quente e por isso é necessário a rega para garantir as colheitas, a produtividade e a rentabilidade”. A realidade é clara: “São os agricultores a sentir uma menor disponibilidade de água nos últimos anos e as secas são mais longas”, afirma.
Contudo, os testemunhos obtidos no estudo não são iguais em todo o país. Quanto mais se desce a Sul,mais se sente a falta da água: “Dois em cada três agricultores de regadio no Alentejo sentem que há menos água relativamente ao passado recente; no Algarve, estamos a falar de três em cada quatro agricultores”, refere.
E num cenário em que teremos menos água, que desafios é que se colocam? De acordo Filipa Dias, o primeiro é que, para se gerir melhor a água, é essencial medir, algo que ainda não é uma norma do setor. Depois, embora a agricultura nos últimos anos tenha sofrido evoluções muito significativas, isso ainda não é uma realidade transversal: “65% dos agricultores já usam uma rega gota-a-gota que vai direta à raiz, mas 71% das explorações ainda não têm contador”. Filipa Dias reconhece que a inovação tecnológica no setor agrícola tem sido muito profícua, contudo ainda é embrionária: “Há uma nova geração e uma forma de fazer que é muito mais tecnológica e, apesar de se identificar um modernização, é preciso não esquecer que ainda é um setor muito envelhecido e com uma formação abaixo da média”, refere. No estudo, foram identificados dois tipos de agricultores: “Um grupo minoritário, que lhe chamamos de “agricultores mentores”, que são aqueles que percebem que é preciso ter uma visão a longo prazo, uma gestão integrada de recursos e que pensar agricultura já não se faz sem a perspetiva de sustentabilidade económica, social ou ambiental”. No outro extremo, estão os “agricultores mais condicionados” que representam o segmento maior: “Há agricultores mais velhos, com menos formação e que olham à sua campanha numa perspetiva anual, precisando de apoio na transformação”. Segundo o estudo, “há dois terços dos agricultores que precisam de apoio em proximidade e de uma demonstração que é ajustada à sua escala e à sua cultura” pois, de outra forma, “não conseguem fazer o salto tecnológico que esta nova forma de fazer agricultura exige”.