Com base nos dados disponibilizados pela Autoridade de Gestão do Programa de Desenvolvimento Rural 2020 (PDR 2020), a ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável) e a Regenerar (Rede Portuguesa de Agroecologia Solidária) analisaram o impacto dos investimentos concretizados na medida “Cadeias Curtas e Mercados Locais”.
Desta análise, as associações concluíram que “não só existem atrasos significativos na aplicação das verbas” – a taxa de compromisso é de 36% e a de execução de 5% (3,2 milhões de euros atribuídos para 10,3 milhões de despesa pública prevista) – como também, “grande parte das verbas foram atribuídas para a construção e reabilitação de mercados municipais ou das freguesias, em detrimento de verdadeiros projetos de implementação de cadeias curtas e de promoção de uma agricultura de proximidade”, lê-se no comunicado da ZERO.
Sendo as cadeias curtas (ou circuitos curtos) um “modo de comercialização dos produtos agroalimentares” que se efetua por “venda direta do produtor ao consumidor, criando fluxos de abastecimento alimentar eficientes e inclusivos”, as entidades consideram que teria sido importante que “os apoios financeiros apoiassem projetos capazes de fortalecer as relações entre agricultores e consumidores, incluindo a partilha do risco, mas não é isso que está a acontecer”. Ao invés, dizem as associações, a aposta é de sentido único: “82% do total das verbas (61 projetos aprovados) foi gasto em infraestruturas de circuitos curtos tradicionais, reabilitando ou construindo novos mercados locais geridos por Municípios ou Freguesias”.
Ainda que se compreenda que é mais fácil “fazer obra”, algo em que as autarquias têm vasta experiência, a verdade é que “o facto de se alocar apenas 15% das verbas à estruturação de novos circuitos curtos, não contribui para criar alternativas a um modelo de comercialização que fragiliza o agricultor”, nem para a “valorização do preço dos alimentos no produtor e um rendimento condigno e estável”, situação que só é possível “quando os consumidores são chamados a apoiar o trabalho de quem cultiva em troca de produtos locais de qualidade”, refere o mesmo comunicado. A situação atual é assim, segundo as entidades, “incompatível” com uma “atividade agrícola sustentável e orientada para a comunidade”, pois significa a “dependência de um número reduzido de intermediários que tendem a debilitar a posição negocial do produtor”.
No comunicado da ZERO, as associações salientam que “a maior parte dos beneficiários foram pequenos produtores (84 projetos e 3% das verbas alocadas)”, sobretudo através do “apoio a deslocações a mercados, e uma pequeníssima parte (7 projetos aprovados e cerca e 5% das verbas atribuídas) foi para organizações representativas dos produtores ou entidades que os auxiliam a organizar a oferta”, o que “por si só é demonstrativo da ausência de trabalho de proximidade com os produtores por parte das entidades que atribuem os fundos disponíveis”.
De acordo com as associações, “o encaminhamento de verbas para a criação de circuitos curtos, neste quadro de apoios, está já condenada ao insucesso, quer pela definição vaga do conceito de “Cadeia Curta”, sem a identificação das ações que devem ou não ser apoiadas para a criação destas estruturas, quer pelo reduzido volume de apoios programados (10.382.645 € de despesa pública)”.
Neste contexto, em que já é evidente o “fracasso do PDR2020 na implementação de uma das medidas que mais expetativa geraram na sociedade civil, em particular no reforço da economia das comunidades rurais e periurbanas”, a ZERO e a Regenerar advogam que, no que resta do atual PDR 2020 e no período de transição para o próximo quadro de apoios para a agricultura e desenvolvimento rural (PAC 2023-27), seja dado um enquadramento sério à Agricultura de Proximidade, nomeadamente através:
- Da devida operacionalização do Estatuto da Agricultura Familiar, assegurando o apoio adequado aos pequenos agricultores, incluindo regimes simplificados de acesso às várias formas de apoio;
- Da estruturação das medidas e formas de apoio àquela que é a experiência prática dos projetos de agricultura de proximidade que já se desenvolvem nos territórios nacionais;
- Do apoio efetivo às organizações de pequenos produtores, às organizações de consumidores e sobretudo às organizações mistas, que se dedicam à organização da produção, transformação, armazenamento, distribuição e consumo locais, em particular os modelos AMAP e CSA;
- Incluir o consumo público (cantinas e refeitórios) e das Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS) como parte das cadeias curtas a desenvolver;
- Assegurar que os apoios seguem o princípio “Do No Significant Harm”, por forma a assegurar que não são apoiadas ações com impactes negativos dos pontos de vista social e ambiental, assegurando que parte significativa do investimento incide sobre Sistemas Agrícolas de Alto Valor Natural;
- Sejam definidos indicadores de avaliação das medidas e disponibilizada informação quantitativa e qualitativa periódica sobre a aplicação e destino das verbas, tornando mais transparente a prestação de contas dos fundos destinados à agricultura e ao desenvolvimento rural.