“A cadeia de valor da indústria eólica” serviu de mote para uma mesa redonda que juntou vários empresários que falaram sobre a evolução do setor em Portugal e os benefícios económicos e sociais que a eólica trouxe ao país. A sessão fez parte do ciclo de conferências que a APREN (Associação Portuguesa de Energias Renováveis) e a Wind Energy and Biodiversity Summit (WIBIS) promoveram nos dias 27 e 28 de janeiro.
A inversão de paradigma marcada pela passagem da importação para a exportação no setor eólico traduziu-se em vantagens muito significativas para Portugal, nomeadamente, para as zonas mais desfavorecidas onde foram criadas várias indústrias. Quem o diz é António Esteves, sales country manager da Enercon, que deu o exemplo da fábrica (sucursal da empresa) que foi construída em Viana do Castelo: “O porto de Viana do Castelo passou a exportar mais e, neste momento, representa 40% do rumo de exportações” da empresa. A isto, acresce a vontade da empresa em continuar a desenvolver eólica no país, traduzindo-se, em simultâneo, no aumento de postos de emprego: “Continuamos a crescer e a aproveitar o balanço para melhorar e para que Portugal possa no ramo da eólica ter uma palavra a dizer”, refere.
[blockquote style=”2″]Temos que estar preparados para fabricar um produto ainda de maior dimensão[/blockquote]
Relativamente à implementação do repowering nos serviços, na operação ou na manutenção, Ricardo Morgado, CCO da ASM Industries, destaca o potencial do mesmo, nomeadamente na Europa e em locais onde já houve grande implementação de energia eólica onshore: “É uma oportunidade no sentido de não manter o setor relativamente estável a nível do que é o seu crescimento e a sua implementação”. Para o responsável, as perspetivas de crescimento futuro (do setor) estão em parte “alavancadas” no repowering. Ainda assim, Ricardo Morgado chama a atenção para os desafios, essencialmente, nas dimensões das turbinas: “Quando se fala em repowering fala-se também em turbinas de maior potência e daí a necessidade de aumentar a capacidade de resposta”, nomeadamente das “pás”. Nestas matérias, o responsável dá conta que na ASM Industries é notória, nos últimos cinco anos, a “alteração no desenho da torre”, tornando-a maior, mesmo instalada em ambiente onshore, o que significa uma “oportunidade” e, ao mesmo tempo, um “desafio” para o mercado: “Temos que estar preparados para fabricar um produto ainda de maior dimensão que é necessário para alavancar competências mais elevadas”. E quando são produtos de maior dimensão pressupõe menor impacto ambiental: “Aumentando a potência total do parque terá à partida sempre menos aerogeradores porque, em alguns dos casos, é mais do dobro da potência dos aerogeradores que eram instalados há 8 ou 10 anos atrás”, explica.
[blockquote style=”2″]Pás serão o maior desafio do ponto de vista da reciclabilidade [/blockquote]
É precisamente na economia circular e como é que o setor eólico pode caminhar nesse sentido que Tiago Palma Veigas, responsável comercial e de operações da Vestas, salienta que o setor tem que ter preocupações adicionais do ponto de vista ambiental: “Somos um setor renovável e isso não se pode reduzir à questão da produção de energia elétrica por via renovável. Tem que ser analisada toda a cadeia de vida do produto e, esse sim, pensado numa perspetiva de sustentabilidade e de maximização da capacidade reciclável”. Segundo o responsável, a Vestas foi o “primeiro fabricante” que definiu o objetivo de “gerar zero resíduos até 2040”, apostando num “redirecionamento da área de investigação e do desenvolvimento” e onde o tema “economia circular” faz parte do “desenvolvimento das novas turbinas”. Além dos “zero resíduos em 2040”, a Vestas definiu, também, objetivos intermédios: “50% em 2025; 55% em 2030”. É assim um “caminho longo” e com “desafios muito grandes”, reconhece, constatando que “as pás serão o maior desafio do ponto de vista da reciclabilidade dos componentes que fazem parte de um aerogerador”. No âmbito do “reaproveitamento dos materiais” Tiago Palma Veigas explica que os mesmos podem gerar “novos componentes”, entrando numa “cadeia de reciclagem tradicional” com a “devida triagem” e “reaproveitamento para outros fins” ou mesmo “produzir equipamentos similares”. Mas, a reutilização não fica por aí: “As turbinas que estão hoje a serem substituídas por turbinas de maior capacidade e aproveitamento do recurso podem ser reaproveitadas e colocadas noutros mercados em outras condições”, afirma. De acordo com o responsável, o “desenho das turbinas de há 20 anos era feito com outros critérios”, permitindo “estender a vida útil de alguns equipamentos e instalar para outros fins”, como “produções deslocalizadas” ou “sistemas isolados”.
[blockquote style=”2″]Prolongamento de vida útil das turbinas ou parques passa pelo redesenho ou upgrade[/blockquote]
André Ribeiro, CEO da Endiprev, dá conta que, hoje em dia, na extensão de vida dos parques eólicos e das turbinas eólicas, em conjunto com os prestadores de serviço, “os contratos de disponibilidade energética são mais comuns do que os contratos temporários”, destacando que a “digitalização do setor” assume um papel cada vez mais importante: “É condição para que toda a cadeia de valor trabalhe no sentido de minimizar o custo de energia produzida e que haja uma integração de toda a cadeia de valor, desde o dono do ativo até ao operador e a todos os subcontratados que estão presentes na área da manutenção”. E, do ponto de vista do responsável, um dos pontos onde o setor se deveria focar é precisamente na “integração da digitalização da informação” para que toda a cadeia de respostas possa ser “mais informada, mais rápida e mais eficiente”. André Ribeiro não tem dúvidas da importância das áreas da “inteligência” e do “Big data”, considerando que há “uma maior “transversalidade” e “uma maior intercomunicação” entre todos os atores que operam no parque eólico, desde “quem desenha a solução” para prolongar a extensão de vida do parque até à pessoa que “implementa” e a quem “toma conta do ativo no dia-a-dia”. Assim, o “prolongamento de vida útil”, passa, exatamente, pelo “redesenho” ou “upgrade” seja de “software” ou “hardware” e de “ajustes” que possam ser feitos nas turbinas e nos parques eólicas: “A informação e a disponibilização da mesma ajuda a materializar que esses retorno idealizado seja na prática concretizado. É uma das áreas onde o setor precisa de apostar mais”, reforça.
[blockquote style=”3″]As mais-valias e os alertas[/blockquote]
No que diz respeito às operações de repowering e extensão de vida do setor eólico, os empresários foram questionados sobre as mais-valias e os alertas que devem ser tidos em conta.
Do ponto de vista do fabricantes, os aerogeradores têm uma “vida útil” de 20 a 25 anos e são certificados para essa vida útil: “Isso significa que, quando chegam ao fim da vida útil temos um vazio porque um aerogerador não sendo certificado provavelmente não é passível de ter seguro e, portanto, tem que haver um procedimento”, diz André Esteves. Esse procedimento, segundo o responsável da Enercon passa pela realização de um estudo ao aerogerador que vai permitir saber a ”função das peças e dos componentes todos” e a “função das condições” em que o aerogerador foi instalado e, ainda, “quais as peças que estão em fim de vida” e as que “ainda têm algum tempo de vida à sua frente”. Tendo essa base, haverá, certamente, uma maior capacidade de se perceber se valerá a pena investir num “aerogerador novo para fazer mais cinco anos” ou então “fazer repowering” desse mesmo aerogerador, refere. Ainda assim, André Esteves não tem dúvidas da vantagem que é “manter a vida útil de um aerogerador”, acima de tudo, porque há “menos investimento” e o parque eólico continua a funcionar. Depois, as vantagens do repowering são várias: “Vendemos mais aerogeradores. E, no mesmo sítio onde tinha dez turbinas, coloco duas e com um impacto menor”. É certo que “um caso é um caso”, mas o setor eólico está “preparado para qualquer uma das soluções”, sustenta.
[blockquote style=”2″]Redução da pegada ambiental[/blockquote]
Para Ricardo Morgado aquela que parece ser a vantagem mais positiva é a “redução da pegada ambiental” que os projetos têm. Depois, ao dono do projeto, permite “aumentar mais a potência” do que aquela que tinha antes no parque, traduzindo-se em mais rentabilidade, acrescenta. Quanto aos aspectos negativos, o CCO da ASM Industries destaca a “cadeia logística” em torno da “instalação do projeto”, com “máquinas maiores e com componentes de maior dimensão” que originará em “mais constrangimentos”.
[blockquote style=”2″]Atingir as metas ambiciosas vai ter que passar por alguma criatividade e uma solução mista[/blockquote]
Também, Tiago Palma Veigas destaca a “lacuna” que existe na regulamentação em Portugal: “As turbinas que já têm mais de 20 anos provavelmente, depois do estudo de vida feito, determina-se que não existe qualquer problema de levar as turbinas até ao ano 30 porque numa perspetiva de vida útil há determinados componentes que passam as ser consumíveis porque não são estruturais”. E aí, atenta o responsável, falta regulamentação. Mas, há também uma oportunidade: “Atingir as metas ambiciosas vai ter que passar por alguma criatividade e uma solução mista”, refere. De facto, o repowering é uma “opção interessante” no sentido em que a “infraestrutura elétrica existe” e com “maior taxa de utilização”. A outra opção é repowering parcial em que “alguns dos componentes podem ser aproveitados” e, simplesmente, “atualizamos as pás por um modelo mais produtivos”, havendo já experiência nesse sentido: “Será outro meio de atingir os objetivos ambiciosos a que nos propusemos”. O responsável das Vestas não tem dúvidas de que se trata de um “mundo de oportunidades” em que não há “uma solução única” e que será “interessante continuar a explorar”
[blockquote style=”2″]Movimentação das pessoas é a maior dificuldade na regulamentação[/blockquote]
André Ribeiro parece concordar que uma das dificuldades centrar-se-á na regulamentação, mas, ainda assim, o setor eólico em Portugal tem tecnologia suficiente para ultrapassar as dificuldades. O repowering é assim visto como uma mais-valia no setor dos serviços em que atuam: “Estamos a colocar as nossas pessoas em contacto com as tecnologias mais recentes e isso torna-nos mais competentes nas tecnologias atuais e mais competitivos ao nível internacional, permitindo estarmos mais atualizados”. Na regulamentação, o CEO da Endiprev considera que a dificuldade centra-se na “movimentação de pessoas” para a prestação dos serviços, nomeadamente, as “formações” ou “certificações” que as “pessoas e os equipamentos têm que ter de país para país”, o que torna “difícil a prestação destes serviços de operação”. Desta forma, o responsável considera que a Europa poderia “facilitar a vida” às empresas e aos trabalhadores, no sentido de haver uma “coerência maior nas exigências que são necessárias”, essencialmente, no “desempenho destas tarefas” nos diferentes países.