Foi em 2013, nas ruas de Ghent (Bélgica) que o conceito Living Streets deu os primeiros passos. Trata-se de uma ação que começou por transformar as ruas da cidade belga em locais de encontro entre residentes, onde os carros não eram convidados. Em poucos meses, o conceito de Living Streets levou à criação de mais de cinquenta Living streets na cidade de Ghent, tendo mesmo inspirado muitas outras cidades. Foi em 2019 que a replicação do projeto chegou a Portugal pela Oeste Sustentável, à Grécia pela Sustainable City e à Croácia pela Terra Hub. Financiada pelo programa EUKI (Iniciativa Europeia para o Clima) do Ministério Federal do Ambiente, Conservação da Natureza e Segurança Nuclear da Alemanha, a iniciativa é coordenada pela Energy Cities.
Em entrevista à Ambiente Magazine, Rogério Ivan, diretor executivo da OesteSustentável, explica que na “base do projeto” está, para além da estratégia europeia, a “preocupação generalizada” da problemática que é a “taxa de crescimento” demográfico urbano: “É estimado que em 2050 cerca de dois terços da população global viva em meio urbano”. Tal crescimento, atenta o responsável, tem vindo cada vez mais a criar uma “pressão imensa” no ambiente natural, nomeadamente nos “mecanismos de equilíbrio” da “biodiversidade local” ou dos “sistemas locais e naturais”. E se nada for feito, a tendência será um “declínio na vida social”, marcado por “menos espaços verdes, menos espaços de lazer, mais espaços cinzentos, mais veículos e mais emissões”, precisa. Desta forma, é “objetivo base” do projeto “dar uma resposta” à “requalificação urbana”, transformando as “zonas” que tinham como prioridade a “mobilidade motorizada”, em espaços urbanos de “usufruto” para as pessoas.
Por seu turno, Ana Filipa Carlos, gestora de projetos na OesteSustentável, dá nota do “interesse continuado” em trazer mais cidades a nível europeu a desenvolver o conceito Living Streets. Além disso, a responsável quis reforçar a componente ambiental do projeto, no sentido em que “devolve” e “transforma” certas zonas da cidade, que estavam ao “abandono” e, muitas, transformadas em “zonas de estacionamento” em “espaço verdes” ou em “zonas com mobilidade mais sustentável”, onde os “equipamentos urbanos” são feitos com “material reciclado”, por exemplo. Depois, o Living Streets tem, ainda, um outro propósito que se centra na possibilidade de serem criadas “políticas ascendentes”, ou seja, “os próprios moradores e munícipes” conseguem ter “impacto naquilo que pretendem”, nomeadamente, nas “decisões do poder local” ou, inclusivamente, nas “decisões mais nacionais”, refere.
[blockquote style=”2″]É um projeto que os municípios agarram como todo a vontade[/blockquote]
As candidaturas para o projeto decorreram entre o dia 31 de julho de 2020 e o dia 9 de outubro do mesmo ano. Os vencedores foram o município de Faro, Óbidos e Torres Vedras. Atendendo ao “curto período de candidaturas”, o projeto recebeu 12 candidaturas: “Todas com projetos bastante interessantes”. Rogério Ivan faz assim um “balanço bastante positivo”, dizendo que o conceito Living Streets acabou por “inspirar todos os municípios” a desenvolver iniciativas locais, prevendo-se que, até ao final do ano, sejam implementados “seis a sete” projetos: “Poderemos chegar à conclusão que Portugal seja um dos países com mais conceitos de Living Street implementados”. Outro aspeto que merece relevância nos resultados finais é que, inicialmente, o Living Streets iria financiar apenas dois municípios vencedores (Faro e Óbidos), tendo acabado por apoiar mais um: “Conseguimos defender junto da entidade promotora o financiamento de uma terceira candidatura que foi Torres Vedras”, afirma.
Quanto à eventual continuação deste projeto, Ana Filipa Carlos afirma que a Energy Cities (entidade promotora) tem “auscultado alguns parceiros” na medida em que se houver, de facto, “muitos projetos interessados”, em Portugal, na Croácia ou na Grécia, e que não obtiveram financiamento, poderá haver a possibilidade de uma continuidade do mesmo. Também a Energy Cities tem auscultado, da mesma forma, sobre a possibilidade de em Portugal existir um “financiamento do Estado” para este tipo de projetos: “Neste campo, o financiamento e o apoio não existem”. No entanto, a responsável acredita que no pós-pandemia e quando as pessoas voltarem a estar juntas, vão surgir financiamentos para promover este tipo de iniciativas: “É um projeto que os municípios agarram como todo a vontade e todo o feedback que fomos obtendo há muito interesse que isso aconteça”. Também com os olhos no futuro, Rogerio Ivan sublinha que é intenção de todos continuar a colaborar e fazer parte de um consórcio como este: “Temos a perspetiva de poder pegar nesta ideia e, assim, replicar a nível nacional”.
[blockquote style=”2″]Covid-19 passou de oportunidade para um constrangimento[/blockquote]
Relativamente à pandemia, Ana Filipa Carlos lembra que, no início, a Covid-19 até foi vista como uma “excelente oportunidade”, no sentido em que tudo indicava que o desconfinamento era algo cada vez mais próximo. No entanto, a situação em Portugal foi piorando e, numa altura, em que os projetos estão na fase de execução e na necessidade dos municípios obter determinada informação junto dos munícipes ou de outras atividades que já estavam previstos surge a pandemia veio agravar: “A Covid-19 passou de ser uma oportunidade no aspeto das pessoas estarem motivadas a estarem na rua para neste momento um constrangimento muito grande”. Ainda assim, a gestora destaca a “grande flexibilidade” da Energy Cities: “Todos os meses vamos fazendo um ponto de situação da situação e vendo as necessidades de cada país”.
Quanto a Portugal ter potencial nestas matérias, Rogerio Ivan não tem dúvidas de que o projeto se encaixa perfeitamente no país: “Ainda continuam a manter muito aquilo que são as tradições locais e o projeto acaba por ser isso mesmo”. Além disso, o responsável destaca a importância de se manter essas mesmas tradições no sentido de “estimular a economia local”.
Também Ana Filipa Carlos considera que Portugal está num bom caminho nessas matérias: “De facto, temos criado Living Streets sem sabermos que as estamos a criar, ou seja, sem esse rótulo e carimbo”. E a verdade é que, diz a responsável, as tradições sempre se foram mantendo, mas sem o “título” de sustentabilidade que hoje está bem presente em qualquer atividade.
O término da pandemia é sem dúvida o desejo de todos. Mas, Rogério Ivan deseja que a mesma se traduza numa “aprendizagem”, no sentido de repensar e adoptar “hábitos mais sustentáveis” de consumo ou de utilização e de novas vivências na sociedade.
Já as expectativas de Ana Filipa Carlos são grandes: “Estamos ansiosos que (a Covid-19) passe para vermos os projetos a acontecer”. E se houvesse “uma possibilidade deste projeto ter uma continuidade a nível de financiamento” seria uma oportunidade única para todos, remata.