No passado dia 10 de março, a Comissão Europeia (CE) publicou a nova Estratégia Industrial para a Europa, um instrumento fundamental para tornar a União Europeia economicamente mais competitiva e líder mundial num contexto de globalização, digitalização e descarbonização da economia, que se irá repercutir num aumento do consumo de eletricidade por via de uma maior incorporação de tecnologias mais acessíveis e limpas, na promoção das tecnologias de baixo carbono e na valorização das cadeias de valor industriais.
Apesar de a sua publicação ser prévia à atual crise de saúde pública provocada pelo agravamento do surto do novo vírus COVID-19, esta estratégia ganha acrescida relevância, podendo ser um dos mais relevantes impulsionadores da retoma económica do ponto de grave recessão em que a grande maioria dos Estados Membros se encontram, bem como um vetor de geração de riqueza diferenciador a nível mundial, que poderá trazer importantes e diferenciadoras vantagens competitivas, tornando a Europa líder no mercado internacional.
De facto, é objetivo desta Estratégia Industrial o desbloqueio do potencial da indústria europeia em toda a sua cadeia de valor, incluindo os setores de consumos energéticos mais intensivos, que terão um papel essencial de redução da respetiva pegada carbónica, pela adoção de novos modelos de negócio mais sustentáveis. Contudo, o crescimento não se alcança pela atuação individualizada das partes, mas sim através da união de todos os atores envolvidos na mudança. A nova estratégia deixa claro este objetivo de união, na medida do qual foi anunciada a criação de um novo Fórum Industrial que irá juntar stakeholders, Estados-Membros e instituições Europeias, por forma a implementar políticas de apoio aos ecossistemas industriais.
Este Fórum será deveras importante neste cenário de crise e recessão, e irá potenciar a criação de novas políticas que viabilizem um maior parque industrial instalado no espaço geográfico da União Europeia, uma maior competitividade da indústria dos Estados Membros e que fomentem uma maior capacidade exportadora da Europa, bem como uma substancialmente maior independência energética.
Esta estratégia põe também em primeiro plano a indústria de energias renováveis como suporte da economia e independência externa, o que irá exigir planeamento e desenvolvimento de tecnologias, capacidade de geração de energia renovável e infraestruturas adequadas à implementação da transição energética no Espaço Europeu. Esta estratégia irá também ajudar a potenciar um aumento substancial da quantidade de eletricidade renovável que será necessário produzir, o que deve ser apoiado por esforços para melhor interligar os mercados de eletricidade na Europa, a fim de aumentar a segurança de abastecimento de eletricidade e integrar mais energias renováveis.
A CE ressalva ainda a necessidade de a indústria europeia garantir o abastecimento de energia e matéria-prima limpa e acessível, esta última, na sua grande maioria, proveniente da implementação do conceito de economia circular. Tal pode ser alcançado, quer pela eletrificação dos consumos energéticos dos setores industriais, quer pela integração de feedstock limpo (como é o caso do hidrogénio verde), quer pela maior circularidade dos processos, o que vem em linha com o novo Plano de Ação para a Economia Circular, publicado no mesmo dia e da presente estratégia industrial.
Torna-se assim imprescindível que exista uma maior aposta em investigação, inovação, desenvolvimento e atualização de infraestruturas, para possibilitar o desenvolvimento de novos processos de produção, adaptados ao novo paradigma, mais ambientalmente e socialmente sustentável. Tudo isto terá que ser suportado por políticas adequadas, perenes e consistentes, medidas concretas de simples mensurabilidade e mecanismos e ferramentas de financiamento, tanto ao nível europeu como nacional. Para este efeito, e numa primeira abordagem, está já prevista a criação da European Clean Hydrogen Alliance, cujo lançamento está previsto até ao verão.
A APREN congratula a CE por reconhecer o papel estratégico das energias renováveis para o desenvolvimento, crescimento e sustentabilidade da economia da União Europeia
E agora, mais do que nunca, num cenário de crise mundial simétrica nas causas e consequências, mas assimétrica no acesso às ferramentas de recuperação da mesma, Portugal e os restantes Estados Membros precisam de olhar para as suas vantagens competitivas já existentes, uma vez que têm um setor renovável estruturado, já com um elevado nível de maturidade, e tomar medidas concretas para promover, o mais possível, a eletrificação dos consumos energéticos dos restantes setores. Em Portugal, as renováveis já representam mais de metade do consumo de eletricidade nacional, sendo necessário investir em estratégias de eletrificação de todos os setores e rapidamente perceber qual a capacidade extra de renovável necessária para potenciar a cadeia de valor do hidrogénio verde, energia esta, fundamental para descarbonizar alguns dos setores de maior densidade energética nos seus consumos intensivos.
Ainda não é possível conhecer o real impacto que a atual crise de saúde pública terá no contexto socioeconómico europeu e nacional, mas são já reais os efeitos na obstrução do comércio internacional, gerando sérios atrasos, paragens de produção, limitação das logísticas de entrega dos produtos e incertezas nos diferentes setores industriais. Estes terão tendência a agravar à medida que o tempo de paralisação e/ou bloqueio se prolongar. O setor renovável também já sente o efeito desta situação, com a paragem no desenvolvimento de projetos de energia renovável fundamentais para manter os desígnios da descarbonização e a vantagem competitiva a nível internacional, sendo crucial alguma flexibilidade, mas ao menos tempo manter a ambição nacional e europeia, permitindo alcançar as metas de 2030. Esta visão é imprescindível, de forma a minimizarmos os efeitos nefastos desta crise mundial na economia e concretamente na indústria e setor renovável, e podermos usar esta nova Estratégia Industrial Europeia como rampa de lançamento para tornar a Indústria Europeia mais competitiva e líder mundial.
A humanidade enfrenta uma crise global sem precedentes, talvez a maior da nossa geração. As decisões que as pessoas e os governos tomarem nas próximas semanas, provavelmente moldarão o mundo nos próximos anos. Moldarão não apenas os nossos sistemas de saúde, mas também a nossa economia, política ambiental, costumes e cultura.
Devemos agir de forma rápida e decisiva. Devemos, também, levar em consideração as consequências a longo prazo das nossas ações. Ao escolher entre alternativas, devemos perguntar-nos não apenas como superar a ameaça imediata, mas também que tipo de mundo habitaremos quando a tempestade passar. Sim, a tempestade passará, a humanidade sobreviverá, a maioria de nós ainda estará viva – mas habitaremos um mundo diferente.