A intenção de construir uma estrada asfaltada entre as Ginjas e os Estanquinhos, em plena zona Património da Humanidade da UNESCO, é a mais recente de um rol de decisões gravosas tomadas pelo Governo Regional da Madeira no último mandato. Aliadas ao desinvestimento na proteção da natureza por parte do executivo governamental nos últimos 4 anos, decisões como o abate de pombo-trocaz, a libertação de coelho-bravo no Porto Santo e a disseminação deliberada de plantas invasoras colocam em risco o vasto património natural da Madeira.
“Os madeirenses têm o direito de exigir do Governo Regional uma política mais eficaz na proteção e valorização do rico património natural, que é seu e de todo o Mundo”, diz Cátia Gouveia, coordenadora da SPEA Madeira.
Sendo, atualmente, uma das maiores ONG’s de ambiente do país, e estando presente na região há mais de 20 anos, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves tem desenvolvido diversos projetos de conservação dedicados à biodiversidade, assim como à promoção da educação ambiental e do turismo de natureza. Com um trabalho desenvolvido maioritariamente em parceria com os organismos do governo regional, com autarquias e outros parceiros públicos e privados, a SPEA não pode deixar de avaliar negativamente algumas das decisões tomadas ao longo dos últimos quatro anos pelo executivo regional, com impactes no património natural do arquipélago da Madeira. Numa análise da situação atual, a SPEA lança três desafios que deverão ser prioridade no próximo programa de governo:
Parar o abate anual de uma ave protegida
O pombo-trocaz, também conhecido por pombo-da-madeira, é uma espécie endémica, com papel determinante na dispersão de sementes e no equilíbrio da Laurissilva. É uma espécie única no mundo e, um ex-libris da Madeira para os observadores de aves e outros amantes da natureza que visitam a ilha todos os anos. Atualmente, o Governo Regional abate uma média de 350 aves por ano, como resposta às reclamações dos agricultores por prejuízos nas culturas provocados pelo pombo. A SPEA considera que esta é uma medida errada, pois viola a Diretiva Aves da União Europeia, não serve o interesse público e não resolve o problema dos agricultores. As preocupações dos agricultores, que se mantêm ao fim de sete anos e de mais de 2300 pombos abatidos, devem ter uma resposta séria, ao invés da solução fácil e ineficaz do abate de aves. A SPEA propõe a realização de uma avaliação objetiva dos prejuízos nas culturas e o acompanhamento dos agricultores na implementação de métodos de afugentamento não letais e eficazes, como forma de contribuir para o alcance de uma solução duradoura e satisfatória para todos.
Terminar com a disseminação de espécies exóticas invasoras
Num arquipélago rico em biodiversidade como a Madeira, com espécies únicas no mundo, a maior ameaça à sua conservação continua a ser as espécies invasoras. Preocupa-nos o deficiente investimento na erradicação destas espécies, e o fomento ativo da sua disseminação, como é disso prova a verba pública gasta na criação e libertação de coelho-bravo, uma das 100 espécies invasoras mais problemáticas do mundo, e na recuperação paisagística de vias públicas com coroas-de-henrique e hortênsias, espécies registadas na Lista Nacional de Espécies Invasoras. Continuamos a acreditar que os caçadores não querem ser responsáveis pela destruição do coberto vegetal natural da Madeira e do Porto Santo, e preferiam ver o governo a fomentar outras espécies cinegéticas em vez do coelho-bravo. Do mesmo modo que o Governo Regional deveria valorizar o seu património natural, socorrendo-se da Laurissilva, que é rica em espécies arbustivas de grande beleza, para adornar as bermas das estradas, não sendo de todo necessário usar espécies invasoras.
Não construir a estrada entre as Ginjas e os Estanquinhos
O Governo da Madeira veio a público manifestar a intenção de construção de uma estrada asfaltada para aumentar a atratividade turística no coração da Laurissilva, localizada em plena Rede Natura 2000 e classificada como Património da Humanidade da UNESCO. Esperamos que as futuras decisões considerem os elevados impactes que as ações de fragmentação acarretam sobre um habitat, já de si fustigado por ameaças, como a disseminação de espécies invasoras, a propagação de incêndios e as alterações climáticas. O futuro executivo do Governo Regional não pode ignorar os investimentos avultados e o enorme esforço conjunto realizado ao nível do controlo de espécies invasoras e de reflorestação com flora nativa recentemente levados a cabo nesta área; nem ignorar os impactes sobre uma área sensível, que ainda se encontra em recuperação, após as ações realizadas no âmbito do projecto Life Fura-bardos, evitando a pressão e a degradação da floresta.
Ao longo dos últimos anos, a SPEA tem vindo a alertar o Governo Regional para todas as situações que se consideram susceptíveis de colocar em risco a conservação de valores naturais únicos e que se vão agravando com a tomada de decisões erradas e com a falta de investimento na conservação do património natural da região.
“O arquipélago da Madeira possui áreas e espécies únicas que merecem não ter apenas o nome de protegidas, mas ser realmente geridas e preservadas de forma a salvaguardar os seus valores naturais”, diz Cátia Gouveia, coordenadora da SPEA Madeira. “Ainda vamos a tempo e esperamos que todas estas temáticas constem do programa do próximo executivo do Governo Regional. Esperamos que seja equacionado um maior investimento na conservação da natureza, com a proteção e gestão efetiva das nossas áreas naturais”, acrescenta.