Face à divulgação do projeto de relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de Eletricidade (cuja versão preliminar já havia sido divulgada publicamente no passado dia 6 de abril), a APREN (Associação de Energias Renováveis) manifesta a sua preocupação e indignação perante o tratamento dos elementos que foram prestados à Comissão, bem como o seu desagrado relativamente às principais conclusões e recomendações do documento, no que às energias renováveis e produtores de eletricidade a partir de energia renovável diz respeito.
Na opinião da APREN, o relatório, nos aspetos acima referidos, está apoiado em pressupostos e cálculos errados e não fundamenta de nenhuma forma as alegadas e erradamente designadas rendas excessivas, ignorando a informação fornecida durante meses por parte de diversos especialistas, que demonstram a inexistência das mesmas. São também omitidos os constantes ataques a que os produtores de eletricidade renovável têm sido submetidos (e que têm resultado em novas taxas a assumir por estes, como o recente alargamento da CESE), apesar de, por exemplo, terem acedido a contribuir para o Sistema Elétrico Nacional em 2012, de forma a reduzir a dívida tarifária e assim evitar o aumento do preço da eletricidade junto dos consumidores, num momento de crise.
A APREN considera particularmente grave a Recomendação do Capítulo 11, que preconiza a devolução aos produtores das contribuições voluntárias pagas até hoje, acrescidas dos juros respetivos, as quais têm sido pontualmente liquidadas desde 2013 pelos Promotores Eólicos no âmbito e em cumprimento do DL 35/2013 de 28 de fevereiro. Esta recomendação é ilegal e inconstitucional, por violar, entre outros, os princípios da propriedade privada, proporcionalidade, boa-fé, segurança jurídica e confiança (artigos 62.º, 18.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa). Implicaria ainda um agravamento dos custos do SEN, com óbvio prejuízo para os consumidores, dado ser necessário devolver aos produtores mais de 200 milhões de euros, acrescidos dos respetivos juros às condições de mercado à altura, que estes têm vindo a pagar desde 2013.
Acresce que, dado o mecanismo contratual criado pelo DL 35/2013, a implementação da recomendação referida constituirá o Estado Português como responsável, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 15.º, n.º 1, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.
Assim, sugere a APREN, por forma a evitar um potencial conflito entre os Promotores Eólicos e o Estado Português, e a criação de um clima de instabilidade junto dos investidores e financiadores – designadamente os investidores estrangeiros que aplicaram em Portugal elevados montantes no setor eólico – que a recomendação do capítulo 11 do Projeto de Relatório da Comissão seja eliminada.
A estabilidade regulatória tem sido reconhecida pelo atual Governo como um pré-requisito para a atração do investimento necessário, a custos adequados e não especulativos, para o cumprimento das metas estabelecidas no PNEC 2030 – que prevê um investimento no setor estimado acima de 23 mil milhões de euros ao longo da próxima década – bem como o cumprimento das metas definidas no RNC 2050 conducentes à descarbonização da sociedade e economia. Refira-se que, nestes documentos, está muito claro que a forma mais imediata de reduzir as emissões de CO2 é aumentar a eletrificação dos consumos, e utilizar a eletricidade renovável para abastecer esses consumos eletrificados. A revisão do DL 35/2013 coloca em causa o cumprimento destes objetivos e provocará um aumento no preço da eletricidade, porque prejudica Portugal na atração de investimento adequado, em relação aos restantes países do Sul da Europa e do Norte de África, e porque pode atrasar o descomissionamento das nossas centrais térmicas a carvão, o que implicará um atraso adicional no cumprimento das metas com que Portugal se comprometeu no Acordo de Paris.
Acenar com medidas retroativas de carácter expropriatório em vésperas de um novo leilão de energias renováveis é fortemente lesivo dos interesses dos consumidores, pois agrava o prémio de risco que qualquer investidor coloca na análise dos projetos a concurso. Portugal tem paulatinamente vindo, desde o período em que esteve intervencionado pela Troika, a recuperar a sua credibilidade financeira internacional. Se começar a ser percecionado como um país onde não se cumprem regras básicas de um estado de Direito e no qual as leis podem ser retroativas, certamente que quem nos emprestar dinheiro irá cobrar juros mais elevados, ou seja, as famílias, empresas e o próprio Estado vão financiar-se a custos mais elevados. Uma vez que as duas componentes mais representativas do custo de produção de eletricidade de origem renovável são equipamentos e juros, é simples perceber que a instabilidade aumenta diretamente o custo de produção de eletricidade e consequentemente o preço de eletricidade cobrado às famílias e empresas.
Ao atacar infundadamente o setor da eletricidade renovável, o relatório passa também a ideia de que Portugal não está preocupado com a proteção do ambiente, com os problemas de saúde pública resultantes da poluição e com a preservação da biodiversidade. Em termos de imagem externa, isto é, igualmente, algo de muito grave.
Por fim, é importante reforçar que os custos políticos, ambientais e financeiros de reverter o DL 35/2013 são elevados e com efeitos imediatos, prejudicando especialmente o consumidor de eletricidade, enquanto as eventuais vantagens dessa medida só serão conhecidas no futuro, estando dependentes dos valores que vierem a ser praticados no mercado grossista de eletricidade até 2030.
Por todas estas razões, a APREN apela aos Deputados da Comissão para que assegurem, na versão final do relatório, a reposição da verdade dos factos e a sua correta análise, de forma a que esta seja isenta, objetiva e construtiva.