A Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas (APDA) assinalou o centenário da Lei das Águas. A estação elevatória dos Barbadinhos (Museu da Água), em Lisboa, acolheu a sessão evocativa que contou com vários oradores e investigadores universitários numa tentativa de envolver a comunidade para a compreensão e discussão da problemática da gestão sustentável da água, abordando este tema numa perspetiva histórica e técnica.
A lei, nascida em 1919, foi “o primeiro documento legislativo estruturado em torno da gestão da água”, refere Maria Fernanda Rollo. A docente da NOVA FSCH, numa abordagem histórica, explicou que o documento se inseria no âmbito da atuação do Ministério do Comércio e Comunicações (equiparado ao atual Ministério da Economia) e foi assinado no dia 10 de maio de 1919, uma “altura crítica” marcada pelo contexto da “economia de guerra”. A Lei da Água só se consolidou 35 anos depois, fazendo parte de uma “leitura global” no domínio da água. “É hoje um diploma atual que faz uma interpretação holística” da área, assegura.
O preâmbulo desta lei assenta em cinco princípios-chave que fazem dela um “plano de referência”, focando-se, essencialmente, nas “fontes de riqueza nacional” e faz um “apelo à ciência e indústria” ressaltando a “importância da formação” e “apoio no setor agrícola, com foco no aproveitamento da energia elétrica e na disposição de todas as águas terrestres. As funcionalidades daquela lei aplicavam-se à regulação do “uso das águas públicas”, possibilitando o seu aproveitamento. Ao mesmo tempo, a água poderia ser objeto de concessão para poder abastecer as povoações e regas, para além de abrir o caminho às obras de saneamento de “pântanos insalubres”.
Rui Godinho enalteceu a importância deste documento como garantia de segurança hídrica. O presidente da APDA alertou que, para haver “boa gestão” e “governança” da água em Portugal, são necessárias várias mudanças, sublinhando a importância da “existência de uma Autoridade Nacional da Água” que seja responsável pela aplicação da lei, para além da necessidade de que a uma Região Hidrográfica, unidade principal de planeamento e gestão das águas, corresponda uma Bacia Hidrográfica. Uma moderna Legislação da Água deve incluir “avanços no conhecimento” e a “participação pública” tem de ser “garantida”. Os Recursos Humanos são vistos pelo responsável como “insuficientes”, havendo a necessidade de ser qualificados e em grande escala. A necessidade da existência de recursos financeiros adequados a curto, médio e longo prazo foi também sublinhada por Rui Godinho, defendendo um regime económico e financeiro dos recursos hídricos com a aplicação de taxas, a criação e a consolidação do Fundo Ambiental. No que toca à informação, é fulcral que esta seja “fiável para acesso público, transparente e que o fluxo de informação e comunicação seja garantido”, acrescenta. Sobre as políticas de gestão das águas e que garantam a segurança Hídrica, o presidente da APDA realça a necessidade de um “amplo estudo sobre os custos económicos da poluição”, no sentido de estabelecer uma relação coerente entre a água, a agricultura e a proteção da natureza, organizando, por exemplo, o segmento das águas residuais de forma “mais coerente e integrada”, considerando aspetos de âmbito e escala.
Para Rui Godinho, é importante que Portugal estabeleça como principal objetivo a “garantia pela segurança hídrica”, sendo indispensável o “enfoque nas Estruturas Regionais Públicas de Gestão”, tendo um “planeamento de curto, médio e longo prazo” ao nível da Bacia /Região Hidrográfica e fundamental é restabelecer a Autoridade Nacional da Água, como entidade autónoma.
“A próxima década é de restauração ecológica”
Coube a Helena Freitas encerrar a iniciativa. Para a docente da Universidade de Coimbra nos Departamentos de Engenharia Civil e de Ciência da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia, e “olhando para o território e a sua ligação que este tem com a água enquanto fluxo”, há uma preocupação “bem patente” com os “modelos de governança e a forma como estamos organizados. Depois da aplicação de uma diretiva adequada da Água, tivemos uma maturidade e uma inovação extraordinárias nestes modelos de governança”. A oradora acabou por classificar o plano de 2005 como “um grande revés. É importante recuperar, de facto, a Autoridade Nacional da Água e essa relação de maior proximidade entre os utilizadores da água e as bacias hidrográficas”, considera.
A “falta de informação”, numa altura em que esta é “vital”, foi referida pela investigadora que defende a sua “disponibilidade” para “pensar modelos de gestão” de uma forma “crítica”. Informações como as condicionantes relacionadas com as alterações climáticas ou a “pressão que existe sobre as águas subterrâneas não está disponível e não é credível”, existindo uma “dificuldade enorme dos poderes públicos” para a criação de uma “cultura de transferência” numa altura em que “o país precisa urgentemente de definir uma zonagem agroecológica na perspetiva do território. Precisamos de saber onde é que podemos ter determinadas culturas no longo prazo, se elas são ou não viáveis, na disponibilidade dos recursos hídricos. A água é um elemento essencial nesta equação”, sublinha a docente universitária. Além disso, Helena Freitas considera como “simbiótica” a relação existente entre a “conservação da natureza e o estado acentuado da degradação dos ecossistemas” e o “impacto nos recursos hídricos. Hoje, as bacias hidrográficas estão cada vez mais degradadas”, alerta a investigadora, chamando a atenção para o facto da “diversidade de espécies relevantes” estar a ficar “muito perturbada” e com “perda acentuada”.
Apontando o caminho, Helena Freitas não deixou de referir que, para a ONU, “a próxima década é de restauração ecológica” de “ecossistemas e outras áreas” consideradas “vitais na relação com a água”. A investigadora considera que esta é “uma oportunidade para regionalizar a abordagem de governança dos recursos hídricos”, como é o caso dos rios internacionais, cuja convenção está “desatualizada em muitos aspetos”, existindo a “necessidade de um novo olhar” para esta área. Em matéria de águas subterrâneas, há vários problemas, desde logo “a contaminação, a gestão, a falta do rigor e desconhecimento. Há enormes descuidos nesta área”, indica. A oradora diz que uma das hipóteses a considerar para esta área será a “obrigatoriedade das taxas dos usos das bacias hidrográficas”, além de “não estar a antecipar funções que não são tão necessárias” como a água dessalinizada “que pode ser usada de forma mal pensada. Num país que tem sido tão rico em recursos hídricos de qualidade, talvez seja preferível perceber como devemos manter essa qualidade e não estar a antecipar funções que não são tão necessárias”. Nesta questão, Helena Freitas refere que a tecnologia e inovação “serão aliados” para manter “uma relação saudável e simbiótica com os recursos hídricos”.