Conhecer os objetivos e estratégias da Apemeta – Associação Portuguesa de Empresas de Tecnologias Ambientais, que caminha hoje para 30 anos de existência, foi o que pretendemos com esta Grande Entrevista a Carlos Iglézias, presidente da direção da associação. O responsável abordou oportunidades e desafios que as empresas do setor têm pela frente, debruçando-se sobre matérias relacionadas com as Águas e os Resíduos. Não deixa de enaltecer o “salto qualitativo e quantitativo do país em matéria de resíduos e de alertar para a necessidade de sensibilizar todos os utilizadores no que diz respeito à utilização da água como “recurso indispensável e simultaneamente frágil”. Do Governo, a Apemeta espera que cumpra com o Plano de Avisos de Abertura de Candidaturas.
Qual o enquadramento e objetivos da Apemeta hoje? Mantém as linhas mestras aquando da sua criação?
Uma associação a caminho dos 30 anos de atividade acumulou um conjunto de experiências e de saber fazer para o qual contribuíram todos os colaboradores e corpos sociais que deram o seu contributo na promoção das empresas ativas no setor do ambiente no mercado interno e externo, que foi e é o grande objetivo da Apemeta.
Ao longo destes anos em que alcançámos o estatuto de Utilidade Pública, de Organização Não Governamental de Ambiente, a certificação de atividades formativas pela Ordem dos Engenheiros e pela Direção Geral do Emprego e do Trabalho (DGERT), em que certificámos o nosso sistema de gestão da qualidade de acordo com a norma ISO 9001, em que estabelecemos com mais de uma dezena de associações congéneres, na Europa, Africa, América do Sul e Central e Oceânia, em que promovemos a constituição da Associação Nacional de Empresas de Tecnologias Ambientais em Angola, onde temos o estatuto de associado fundador, facilitando o acesso a mercados, em que apoiámos centenas de empresas a darem melhor resposta aos desafios com que diariamente são confrontadas, não podemos senão orgulhar-nos do percurso realizado e, simultaneamente, sentir a responsabilidade de preservar este ativo fazendo ainda mais e melhor.
Qual a missão da Apemeta e a sua evolução nas várias áreas de atividade?
Promover empresas portuguesas ativas nos setores dos resíduos, das energias renováveis, dos equipamentos e redes de águas e saneamento que foram intervenientes no enorme salto qualitativo que os níveis de atendimento das populações em Portugal tiveram nestes últimas décadas, que acumularam experiências e conhecimentos com enorme valor, que podem e devem ser aplicados em Portugal, na persecução das melhores práticas, e em geografias onde é urgente investir em infraestruturas e práticas que promovam o desenvolvimento sustentado das sociedades, contribuindo assim para o urgente combate às alterações climáticas.
Antes de aprofundarmos as temáticas, de uma forma resumida, qual deve ser o papel da Apemeta na sociedade?
Para além de promover as empresas associadas, mas não só, e os seus interesses no mercado nacional e externo, nomeadamente pela disponibilização de canais e instrumentos facilitadores de acesso aos mercados, promovemos a divulgação do conhecimento, de tecnologias, de experiências, de resultados, através da discussão entre partes interessadas, reunindo responsáveis pela legislação, pela sua implementação, representantes da sociedade civil, investigadores a nível nacional e internacional. É o que fazemos ao promover seminários temáticos e missões nacionais e internacionais de benchmarking reunindo operadores nacionais, ou nacionais e estrangeiros, trocando e beneficiando de experiências e resultados.
Que desafios e oportunidades existem para esse desígnio?
A evolução tecnológica, legislativa e os fenómenos extremos ambientais, não necessariamente por esta ordem, são simultaneamente desafios e oportunidades para as universidades, centros de investigação e empresas portuguesas. É no reforço destas ligações que trabalhamos diariamente.
Quais os objetivos internos do Conselho Diretivo da Apemeta até ao final do mandato?
Definimos objetivos anuais para cada uma das diversas atividades desenvolvidas pela Apemeta, que vão desde o nível de satisfação dos nossos associados até ao número de associados, passando pelo apoio à empregabilidade, apoio à internacionalização, apoio técnico e à gestão, formação profissional, número de seminários, workshops e encontros empresariais, que são monitorizados ao longo do ano e avaliados os resultados, através do sistema de gestão da qualidade certificado, com divulgação pública. Merece, no entanto, realce, a disponibilização e plena operacionalização da plataforma digital de cooperação e coopetição, concebida com o apoio do Compete 2020, que pretende ser espaço de procura e encontro de parceiros empresariais e institucionais para construir soluções para os desafios dos mercados nacionais e estrangeiros onde a cooperação e coopetição entre agentes económicos é, e será, cada vez mais incontornável.
Águas
O setor das águas, nos anos mais recentes, tem assistido a um discurso político/técnico que incide em abordagens integradas. O que isto significa e como se podem operacionalizar?
Quando tomamos consciência de que 70% da superfície da terra está coberta por água e que desta água 96,5% é água salgada e que dos 3,5% remanescentes, água doce, 70% está congelada em glaciares e calotes polares e 30% no subsolo e aquíferos, tomamos consciência de que é um recurso escasso, frágil e simultaneamente sujeito a enorme procura e agressões.
Só uma abordagem integrada dos diversos setores – agricultura, indústria, serviços – e uma opção estratégica baseada na investigação e desenvolvimento na procura de soluções sustentáveis, na identificação de melhores práticas com o necessário respaldo legislativo e executivo fiscalizador poderá dar resposta à preservação deste recurso indispensável à vida neste planeta.
Eficiência é sinónimo de eficácia no setor da água? Que desafios existem num setor praticamente controlado por entidades públicas e gerido também por políticas públicas?
Eficiência e eficácia são dois conceitos distintos que não devem ser confundidos. Uma estratégia eficaz, de combate às perdas na rede e consumos, contribui para um sistema mais eficiente desde a sua captação até ao consumidor final. Mas não podemos deixar de refletir sobre os consumos energéticos, os tratamentos necessários à potabilidade da água e à reutilização da mesma para fins específicos como fatores relevantes na eficiência dos sistemas.
Os desafios neste setor, como em qualquer outro, passam por associar meios técnicos e financeiros adequados a uma boa gestão, uma gestão sustentável, que tenha em conta os reais custos de investimento e exploração e as necessárias receitas. Não é uma questão de controlo e gestão por entidades públicas, é uma questão de boa ou má gestão, e de encontrar os mecanismos de compensação adequados quando é impossível, por razões sociais e de per equidade, repercutir de forma imediata estes custos no utilizador/consumidor.
Olhando para o contexto das águas nacionais, e de outros países com um grau de desenvolvimento similar, para onde aponta o caminho: mais água ou melhor governança?
De forma abstrata, opto sempre por melhor governança em qualquer atividade ou setor.
Proporcionar o conhecimento necessário e o debate técnico para melhor governança é a aposta da Apemeta através dos diversos eventos que promove anualmente, com excelente participação, que entendemos como reflexo da sua qualidade, pelos oradores e moderadores convidados, e da sua oportunidade face a alterações legislativas e/ou documentos em consulta pública, como tem acontecido.
Quais as prioridades que devem ser consideradas na política da água em Portugal?
Redução drástica das perdas na rede, reutilização, revisão do tarifário, revisitar o acordo transfronteiriço com o Reino de Espanha.
Há uma consciencialização de todos os atores sobre estas matérias?
Estamos muito longe desse objetivo e teremos de trabalhar e encontrar novas formas de sensibilizar todos os utilizadores. Aqui incluo todos os cidadãos e cidadãs, e operadores, públicos e privados, para cuidarem deste recurso indispensável e simultaneamente frágil.
Resíduos
Depois de anos numa aparente evolução neste domínio, como consideram o atual panorama do país ao nível dos resíduos?
Mais do que aparente, a evolução neste setor nos últimos 25/30 anos é enorme, desde o desaparecimento das lixeiras até aos atuais níveis de atendimento das populações urbanas e rurais, e atividades industriais com recolhas e encaminhamento para tratamento em unidades bem equipadas de tratamento mecânico e biológico, incineração e aterro, embora neste último caso ainda com valores altos que se pretendem reduzir, não só por razões de sustentabilidade e capacidades existentes disponíveis, mas por que a isso nos obrigam as novas metas na Estratégia para a Economia Circular e na revisão da Diretiva Resíduos.
O salto qualitativo e quantitativo neste setor, mérito dos técnicos, empresas, universidades e especialistas nacionais que souberam aproveitar a oportunidade que a adesão à União Europeia, através de meios financeiros importantíssimos, trouxe, de investir na restruturação do setor, é motivo de orgulho de quantos participaram e é referência positiva em qualquer fórum a nível mundial.
No panorama atual nacional qual deve ser a estratégia a seguir? Por onde se deve começar?
Que prossiga o debate sobre o PERSU 2020+ com todas as partes interessadas, aprofundando a necessária reflexão sobre a estratégia ou estratégias a definir em cada uma das opções, valorização energética, compostagem, incineração, aterro, tratamento mecânico, complementares e todas elas incontornáveis na identificação da melhor solução e investimentos necessários para alcançar os objetivos traçados.
Estamos a caminhar para 2020; as metas de reciclagem serão alcançadas?
É do interesse de todos que as metas sejam alcançadas mas não deixa de ser preocupante, porque significativo, o diferencial existente entre as metas para 2020 e os emergentes da avaliação da situação em 2017. No caso concreto da preparação para reutilização e reciclagem, alcançou o valor de 38%, quando a meta para 2020 é de 50%.
O que esperam do último ano do mandato deste Governo ao nível ambiental?
Para as empresas em geral, e do setor em particular, espero, desejo, temos o direito de insistir que este Governo cumpra com o Plano de Avisos de Abertura de Candidaturas, tal como divulgado no site do Portugal 2020. É o terceiro “Plano” que é divulgado neste Quadro Comunitário, os primeiros dois nunca corresponderam à realidade, permitindo alguma previsibilidade no período final do Portugal 2020, o que contribuirá para alcançar as metas do presente Quadro e, simultaneamente, alavancar por reforço de atividade e financiamento as empresas, beneficiando todos os portugueses.