Por: Francisco Ferreira, presidente da ZERO; Nuno Forner, representante da ZERO
Quando hoje se fala em transição energética europeia, o nome de Portugal surge obrigatoriamente por causa do lítio. Somos um país onde a mineração faz parte da história, mas com um passado de passivos ambientais que prevalecem na memória das gentes. A esperança de uma melhoria económica associada ao lítio, uma espécie de nova corrida ao ouro, desperta receios decorrentes de um passado que não ficou resolvido. Se é verdade que existe a necessidade de explorar recursos para que a Europa seja um exemplo na mudança de paradigma no combate às alterações climáticas, este desígnio não pode ser construído relativizando as necessidades das populações, nem projetar-se alegando cenários em que a mineração será “verde”. Poderá e deverá ser uma atividade responsável, mas nunca será verde, nem isenta de impactes no presente e no futuro!
No combate às alterações climáticas que já hoje afetam milhões de pessoas, inclusive na Europa, a eletrificação da vida em sociedade tem na tecnologia com base no lítio um importante aliado na transição energética. Contudo, não deixa de ser verdade que a necessidade do lítio não pode justificar uma extração de recursos minerais a qualquer custo. Não podemos esquecer os impactes ambientais que lhe estão associados ao nível da destruição de ecossistemas e consequente perda de biodiversidade desses locais: no solo, ao nível da alteração da composição, contaminação e erosão, ou ainda na alteração no regime hídrico e nas emissões de gases ou partículas e poluição por metais pesados – impactes estes que se prolongam a jusante muito para lá da área de exploração a nível de contaminação de águas subterrâneas, zonas húmidas e outros sistemas aquáticos. Acrescem ainda os impactes sociais, com a deslocação de populações locais, a utilização de violência sobre as comunidades que se opõem aos projetos de mineração, as condições de trabalho ilegal e com pouca dignidade, e os conflitos resultantes de uma má governança e falta de transparência, entre outros.
Não podemos de forma alguma passar uma borracha sobre a história da mineração. Em Portugal, segundo dados da Direção-Geral de Energia e Geologia, o universo das antigas áreas mineiras abandonadas concessionadas é de 199, que se distribuem por todo o território nacional, com predominância nas zonas Centro e Norte. A mina de São Domingos com os seus tanques de águas ácidas, os depósitos de urânio e volfrâmico com a sua radioatividade na Urgeiriça, o arrastamento de inertes das escombreiras nas extintas minas de estanho em Montesinho, são alguns dos muitos passivos ambientais que continuam por resolver. E para lá da fronteira, a situação não é muito diferente.
O setor mineiro apregoa que Portugal poderá ser um dos players europeus devido às suas alegadas reservas de lítio, embora o Relatório de Avaliação Ambiental Preliminar do Programa de Prospeção e Pesquisa, nas 8 áreas potenciais em lítio, aponte para uma escassez de dados que permita concluir efetivamente qual o valor deste recurso.
Independentemente de estarmos perante um recurso que integra o domínio público do Estado, a exploração não deverá avançar se não for possível garantir que a mesma se fará de forma responsável e sustentável, acautelando os impactes sociais, económicos e ambientais.
É reconhecido que a exploração mineira evoluiu, as técnicas de exploração são hoje mais eficientes e toda a análise tem por base muito conhecimento científico e experiência acumulados ao longo de décadas, o que certamente permite efetuar uma exploração mais responsável e com menor impacte ambiental. Mas tudo tem o seu preço e não podemos esquecer que o objetivo das empresas mineiras visa sempre aproveitar a oportunidade do momento, com o máximo lucro ao mais baixo custo de exploração, o que nem sempre é compatível com sustentabilidade.
Em Portugal, devemos exigir que todo o processo administrativo de concessão, seja ele para prospeção e pesquisa como para eventual exploração, se realize com total transparência e disponibilização de toda a informação. Só assim se pode proporcionar uma discussão com todos os interessados sobre os aspetos, negativos e positivos, decorrentes de uma exploração mineira, assim como sobre a eventual partilha de benefícios decorrentes de investimentos para cada uma das regiões. Para além disso, é necessário acautelar que as áreas classificadas devido aos seus valores naturais e/ou culturais não são afetadas, correndo-se o risco de colocar em causa não só o investimento feito até à data nessas regiões, mas também de hipotecar o desenvolvimento futuro de todo um território. A par da reflexão sobre a exploração de lítio, é fundamental assegurar que a futura regulamentação europeia obrigue a uma incorporação do metal proveniente de baterias recicladas, mesmo que o custo seja mais elevado. Uma visão integrada e verdadeiramente sustentável, recorrendo ao princípio da precaução, do ordenamento do território, conservação da natureza, bem-estar das populações do interior, à oportunidade de descarbonização através dos veículos elétricos é fundamental nesta discussão.