O ano 2020 ficou marcado pela crise pandémica, com repercussões bem vincadas e visíveis no setor elétrico. Em comunicado, a ZERO ( Associação Sistema Terrestre Sustentável) e a APREN (Associação Portuguesa de Energias Renováveis), destacam a “significativa redução no consumo de eletricidade”, que, por sua vez, teve como “consequência a redução dos preços do mercado grossista” e a “utilização inferior de combustíveis fósseis”, levando à “redução abrupta das emissões de dióxido de carbono (CO2) do setor” e ao “phase-out” precoce das centrais a carvão. Por outro lado, este cenário “abriu uma janela de oportunidades”, com a “definição de um pacote de fundos histórico para a recuperação económica europeia” com foco central na “transição climática”.
Qual foi o desempenho da eletricidade renovável em 2020?
De acordo com as entidades, todos os centros electroprodutores de Portugal Continental produziram, em 2020, um total de 49 324 GWh de eletricidade, proveniente em 61,7 % de fonte renovável. Este total foi maioritariamente suportado pela tecnologia hídrica, que representou 28 %, lê-se no mesmo comunicado.
A produção de eletricidade a partir de combustíveis fósseis apresentou um decréscimo de 5,6 % face a 2019, devido à reduzida taxa de utilização de 32 % das centrais, com enfâse nas centrais a carvão cuja taxa de utilização foi de apenas 15 %. Verificou-se ainda uma significativa melhoria na produção elétrica através do solar fotovoltaico, resultante da entrada em operação de novas centrais acrescentando 124 MW à capacidade instalada nacional.
Em 2020, segundo a ZERO e a APREN, verificou-se uma “significativa redução das importações de eletricidade”, demonstrado a “capacidade do sistema elétrico de exportação” em cenários de “maior penetração de renovável”, comparativamente com 2019, tendo-se registado um “saldo importador de 1 455 GWh”, que terá resultado sobretudo da “redução no consumo de eletricidade”.
O ano fechou com um mês de “elevada produtibilidade renovável”, o que “assegurou 75% da geração de eletricidade, o segundo valor mensal mais alto registado”, apenas ultrapassado pelos “84% registados em abril, o mês mais atípico ao longo da pandemia”. Segundo o comunicado, o mês de dezembro foi o único a “ultrapassar a centena de horas de geração 100% renovável ao longo do ano”, tendo registado “167 horas não consecutivas, o equivalente a sete dias”. Este facto, dizem as entidades, resultou de uma “acentuada produtibilidade hidroelétrica e eólica”, demonstrando-se assim a “elevada resiliência do sistema elétrico nacional” face a “grandes níveis de integração renovável”.
Que impacte nas emissões de carbono?
O setor da produção de energia elétrica tem sido responsável por aproximadamente 25% das emissões de gases com efeito de estufa de Portugal. Desde 1990, ano a partir do qual os dados foram contabilizados e comunicados às Nações Unidas no âmbito da Convenção para as Alterações Climáticas, os valores mais baixos foram 14,5 milhões de toneladas nos anos de 2010 e 2014.
A APREN e a ZERO estimam que o “valor total de emissões do setor elétrico em 2020 foi de aproximadamente 9 milhões de toneladas, um recorde muito significativo”, passando muito provavelmente o “setor dos transportes, particular o transporte rodoviário a ser o principal responsável por emissões de dióxido de carbono em Portugal”.
Entre 2019 e 2020 ambas as entidades estimaram um “decréscimo de emissões de dióxido de carbono de 2,5 milhões de toneladas na produção elétrica (de 11,1 para 8,5 Mt)”, tendo-se verificado uma “redução de emissões na queima do carvão de 2,6 milhões de toneladas” que apenas não foi maior porque havia “necessidade de esgotar praticamente todo o carvão existente na central termoelétrica de Sines” até ao final do ano de 2020, referem.
Estes importantes marcos do setor renovável resultaram, segundo a ZERO e a APREN, em inúmeros benefícios para a sociedade, economia e ambiente, dos quais se destacam:
- Uma poupança em importações de combustíveis fósseis de 614 M€;
- 17,2 Mt de emissões de CO2 evitadas, o que permitiu reduzir as emissões do setor electroprodutor em 24 % face a 2019, tendo o setor registado este ano um total de 8,5 Mt de CO2. Como resultado, foi evitado um dispêndio em licenças de emissão de CO2[2] no valor de 424 M€, reflexo do atual valor das licenças de 24,7 €/tCO2.
Perspetivas para 2021
2021 perspetiva-se como um “ano de arranque de uma nova era”, a vida pós-pandemia, não apenas para o setor renovável, mas para toda a economia e sociedade. Depois da estagnação completa e inimaginável por todos, fruto do impacto da Covid-19, o novo ano traz uma “nova perspetiva de sociedade”, exigindo-se uma “reestruturação que nos torne mais independentes”, mas ao mesmo tempo “consolidando o papel da Europa unida”, pode ler-se no comunicado das entidades.
Para a ZERO e para a APREN, este passo coloca a transição climática no centro, como motor de transformação de uma sociedade mais sustentável e resiliente, que precisa de pilares estruturais chave: “a re-industrialização, a digitalização e eletrificação direta e indireta da economia, a par com o fortalecimento da qualificação e conhecimento das populações, da resiliência e inovação e investigação”.
Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN, afirma que: “2020 foi, sem dúvida, um ano de muita ação e estratégia no que toca à promoção das renováveis enquanto caminho central para a descarbonização da economia. Não é para menos: para a World Meteorological Organization (WMO), 2020 será, provavelmente, o terceiro ano mais quente desde que há registo. Os dados estatísticos mostram-nos que existe uma correlação inversa entre o crescimento e desenvolvimento socioeconómico e as emissões de gases de efeito de estufa. Resta-nos a todos, por isso, passar das palavras à ação e cumprir os desígnios estabelecidos para 2030 e 2050 com a maior rapidez e eficácia que nos seja possível.”.
Por seu turno, Francisco Ferreira, presidente da ZERO, considera que: “2020 foi um ano marcante pela transição que será consumada em 2021, ano em chega ao fim uma era onde um dos combustíveis fósseis mais determinantes à escala mundial, o carvão, deixará de ser utilizado em Portugal para produzir eletricidade. É assim determinante que, de forma tão sustentável quanto possível, se invista na redução dos consumos de energia, assegurando maior eficiência e em fontes de energia renováveis, assegurando novos e mais empregos e uma efetiva descarbonização”.