O prazo de discussão pública da Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e Biodiversidade (ENCNB) foi prolongado até ao final de setembro, anunciou recentemente o ministro do Ambiente, na última sessão de apresentação do documento. O plano de financiamento do projeto, até 2025, continua por estabilizar.
O poema “A Nêspera”, de Mário-Henrique Leiria, que o ministro cita de cor, dá o mote a um discurso de contágio, no qual João Matos Fernandes apela a que olhemos para o património natural como aquilo “que temos de melhor e o que nos faz de mais diferente”. E acrescenta, convicto de que concorre para a afirmação internacional do país: “Temos mesmo de tomar conta e garantir que não se estraga”. Antes pelo contrário, que “se potencia e, se possível, multiplica”.
Comparar a nação com nêsperas é fácil. Mas, “o que não pode acontecer em situação alguma é que nós possamos olhar para os nossos territórios protegidos como se estivessem sentados, muito descansados, a ver o tempo a passar”, diz o Matos Fernandes, que vai mais além na forma como olha para o futuro. “Ainda que internacionalmente estejamos apenas obrigados a estancar a perda da biodiversidade – e sabemos que esse é um desafio grande -, queremos que a Estratégia da Conservação da Natureza e da Biodiversidade seja mais ambiciosa do que isso e tentar com ela ir mais longe, assegurando a recuperação e valorização do património natural”, manifestou.
Já o presidente da Liga para a Proteção da Natureza, Tito Rosa, acredita que “as áreas protegidas nunca foram nêsperas”, criticando a falta de investimento na conservação da natureza. O ambientalista defende que o Estado deveria olhar mais para a floresta, concentrando as atenções num plano a longo-prazo de prevenção e recuperação, que zele pelos territórios rurais.
Uma década em números
Olhando para os números de perdas humanas, só na última década 10% ocorreu em regiões rurais de baixa densidade populacional, enquanto que 20% foi em áreas protegidas. “É dramático”, lamenta o ministro do Ambiente, reiterando que “não podemos fazer de conta que não conhecemos isto”.
Se há algo que perde com isso são as próprias plantações ambientais. “É uma coisa grave”, prossegue, e “que nos tem de fazer pensar”. “A atividade humana – como a a agricultura ou a pastorícia – contribui muito no desenvolvimento e fomento da própria biodiversidade”, chamava a atenção João Matos Fernandes.
Além disso, referindo-se aos 8% de áreas protegidas em território nacional como “um conjunto de ativos”, o ministro sugeriu que passe a ser gerido por Portugal.
Conservar, um verbo para todos conjugarem
A primeira versão da Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e Biodiversidade foi publicada em 2001. Foi revista em junho de 2015, embora apurá-la não tenha suscitado os resultados previstos.
A nova Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e Biodiversidade tem três eixos e 30 objetivos, nos quais estão incluídas 100 medidas em quatro níveis de prioridade. Melhorar o estado de conservação do património natural, promover o reconhecimento do valor do património natural e fomentar a apropriação de valores naturais e da biodiversidade são as linhas orientadoras da estratégia e algumas das alterações que o Governo pretende introduzir no país.
Do quadro de compromissos anunciados, destacam-se a a consolidação do sistema nacional de áreas classificadas, o aumento do investimento público na conservação da natureza e o reforço da promoção da biodiversidade em diferentes setores de atividade.
João Matos Fernandes enaltece o documento, com prazo de execução até 2025, demonstrando “uma satisfação enorme” pela discussão que tem suscitado, embora, “às vezes, tão contrastante”. Sobre o desejo de um quadro de ação conjunto, frisa: “O verbo conservar, quando se conjunga sozinho perde-se. Perde o seu próprio valor”.
No domínio da apropriação da causa, também o presidente do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável complementa as declarações do ministro do Ambiente. Chamando a atenção para o desinvestimento na informação sobre o estado de conservação das nossas espécies e habitats, Filipe Duarte Santos sugere mais “programas de visitação” nas escolas.
Embora elogie a “clarividência” do documento, há ainda quem, como Rogério Rodrigues, não esconda a preocupação. “Para uma estratégia forte, precisamos de uma autoridade forte (…) ao nível do acompanhamento monitorização e fiscalização”, lembra, enquanto presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, denunciando assim os constrangimentos que o organismo atravessa.
Além desta, foram realizadas três outras sessões, em Alcanena, Évora e Gondomar, em junho. A ENCNB pode ser consultada através do website do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (http://www.icnf.pt/portal/icnf) e do Portal Participa (http://participa.pt/)
*Este artigo foi publicado na Ambiente Magazine 75.